07 DE SETEMBRO DE 2023
CARPINEJAR
90 anos do nosso poeta
Quando um poeta chega aos 90 anos, os museus deveriam abrir de noite, as livrarias deveriam fazer saldos, as escolas deveriam receber bandeirinhas nos tetos e realizar jograis no recreio, os teatros e cinemas deveriam ter entrada livre.
Não experimentamos essa alegria com Mario Quintana, que faleceu aos 87 anos em 1994. Mas podemos comemorar o feito da longevidade, a proeza de lucidez e linguagem com Armindo Trevisan. Ele está completando seu nonagésimo aniversário, a sua nonagésima primavera. É um dos grandes bardos gaúchos da história.
Natural de Santa Maria, radicado em Porto Alegre, doutor em Filosofia pela Universidade de Fribourg, na Suíça, exerceu a docência de história da arte e estética na UFRGS, de 1973 a 1986. Se Quintana traçou um paralelo com os pássaros para registrar a sua permanência no tempo (Eles passarão... / Eu passarinho!), Trevisan sintetizou o nosso lugar no mundo a partir do ninho do coração: "Teu lugar há de ser o de uma ave cujo voo começa em ti".
Ex-seminarista, teólogo da vida simples, já na sua estreia, A Surpresa de Ser, em 1964, conquistou o Prêmio Nacional de Poesia Gonçalves Dias, da União Brasileira de Escritores, caindo nas graças de um júri de gigantes, formado por Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo. Em seguida, o volume recebeu o espanto de "belíssimo" de Clarice Lispector.
Elogiado por clássicos no início da carreira, ele se tornou um clássico em suas quase seis décadas de lira. Com a fala mansa e culta, sabedoria enciclopédica, é um prazer conviver com ele. É o padrinho do meu irmão Miguel. Ele me ensinou que não se faz poesia sem emoção, como tampouco se pode fazer poesia só com a emoção.
Não sei quem é melhor, o autor ou a pessoa, porque ambos se completam em gentileza. A farta barba grisalha apenas acentuou seus ares de profeta. O romancista Erico Verissimo já sinalizava a simbiose entre vida e obra de Trevisan: "O artista e sua arte - luz e substância - formam uma entidade única. O homem empresta corpo à sua poesia, esta espiritualiza o homem e ambos iluminam a vida".
Trevisan modifica o tempo com a voz dos seus versos. Você entende o valor das coisas fracassadas. Você entende que as pessoas têm várias nudezes, de acordo com a intimidade. Você entende que o amor começa com um beijo na nuca, não com um beijo na boca. Você entende que, se falar o quanto puder, amplia as suas opções de ser. Você entende que o livro nunca está em silêncio.
Você entende o que significa a alegria de um pião girando na retina de uma criança. Você entende que a saudade ultrapassa a finitude. Você entende que morrer é voar de repente quando se encontrava caminhando. Você entende que fósforos são estrelas nas nossas mãos. Você entende que a nossa carne não é triste, sente cócegas e ri alto. Você entende que, por mais que volte a um lugar, nenhuma viagem é repetida. Você entende que há beleza na tristeza, que há perdão na gratidão. Você se entende muito mais com a poesia dele.
Trevisan sempre destacou um poema de Quintana, "As mãos do meu pai". Está entre as suas preferências da obra do amigo com quem ele conviveu durante longo tempo.
"As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos."
Olhando hoje as mãos de Trevisan, percebo que magicamente assumiram a descrição de Quintana. Suas veias são cordas azuis de uma guitarra. Porque ele não deixa de ser pai de tantos leitores como eu.
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