quinta-feira, 7 de setembro de 2023


07 DE SETEMBRO DE 2023
ARTIGOS

UM CICLONE E A VERDADEIRA SOLIDARIEDADE: PARTE II

Em 26 de junho de 2023, neste mesmo espaço, fiz breves reflexões sobre a passagem de um ciclone extratropical pelo nosso Estado. Ponderei que nossa verdadeira solidariedade para com o povo gaúcho, muito além da postura que aplaca o sofrimento dos atingidos pelo desastre, reside na postura assertiva de exigir que se atue com a máxima urgência sobre a causa motriz da piora na frequência e na gravidade dos eventos climáticos extremos: as mudanças climáticas, sabidamente causadas pela ação humana emissora. Encerrei ponderando que esta era a única solidariedade capaz de prevenir ainda piores tragédias doravante.

Passaram-se apenas 70 dias desde então. O Rio Grande do Sul é agora acometido do que se materializa como o maior desastre "natural" de nosso Estado. O "natural" está entre aspas propositadamente. Apenas a chegada do El Niño, confirmada em junho pela comunidade científica, é um fenômeno genuinamente natural, que periodicamente aquece as águas do Oceano Pacífico em sua porção equatorial. Mas este será o pior El Niño já registrado, porque chega a um planeta febril, que agora está 1,2ºC acima de sua temperatura média.

A febre, por sua vez, tem causa humana e decorre diretamente de nosso descompromisso com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Ao não mitigar as emissões, vamos testar os limites da espécie humana à adaptação conhecida. A comunidade científica, sumarizada pelos Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), afirma em uníssono que estamos muito próximos de alcançar estes limites, e que a janela temporal para se garantir um futuro habitável e adaptável a todos está rapidamente se fechando.

No próximo dia 18 de setembro, a Assembleia Legislativa realiza audiência pública para debater a emergência climática e dialogar sobre projeto de lei que tramita quanto ao tema, somando forças jurídicas com o compromisso já posto de alcance da neutralidade de emissões no Estado pelo Decreto nº 56.347/2022. Estarei lá. Para repetir o óbvio: que existem deveres jurídicos constitucionais, convencionais e legais que ordenam o cumprimento da trajetória de mitigação de emissões demandada pela ciência, assim como existem deveres jurídicos que nos obrigam a assegurar uma adaptação minimamente digna ao povo gaúcho. A resiliência humana, ao contrário da soberba, tem limites. Saibamos todos que não há pauta mais urgente do que assegurar o direito à existência humana.

Juíza federal e doutora em direito público - RAFAELA SANTOS MARTINS DA ROSA

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