Colecionador involuntário
Eu visitei o escritor Marcelino Freire em São Paulo e me assustei com vasos, canecas e esculturas de pinguim decorando o seu apartamento. Inclusive a geladeira se mostrava coberta de ímãs de pinguim.
Comentei: - Como você gosta de pinguim! Ele esclareceu: - Eu não gosto de pinguim. As pessoas é que gostam de me dar pinguim.
Troca de idade ano após ano, jamais de estigma. Unicamente recebe pinguim, dos mais diferentes tipos, tamanhos e modelos. Ele não entende como a notícia se espalhou. Seus amigos acham que ele coleciona a ave aquática e jamais oferecem outra coisa de regalo.
Eu respeito integralmente a natureza do seu sofrimento, de fã involuntário de algo que sequer adora.
O boato pode virar maldição, e você se transformar em vítima de um presente monotemático pelo resto da vida.
Eu não bebo, mas só ganho garrafa de uísque.
Talvez o meu círculo de compadres e comadres se lembre de Vinicius de Moraes e mantenha a ideia de que o poeta é um boêmio. Deve acreditar que rabisco os meus versos de madrugada, mexendo os gelos do copo de um lado para o outro. Pelo contrário, sem a solenidade do desespero romântico, eu escrevo de manhãzinha, com chimarrão, apartado de qualquer alucinação alcoólica. Amo a sobriedade dos galos cantando e a luz mudando de cor devagar, do breu ao amarelão.
Estou com 35 garrafas lacradas no armário, herdadas das últimas comemorações.
Já me vejo atrás de um balcão de free shop da fronteira, com estoque dos mais sofisticados rótulos.
Eu me encontro infelizmente amordaçado pelas circunstâncias felizes. Não há como passar adiante presente dado, senão traz azar. E também seria um tanto estranho organizar festa de aniversário usando os presentes dos meus aniversários anteriores.
Não conto com a chance de ser igual aos demais aniversariantes e espalhar as lembranças na cama, já vão diretamente para a estante. Ainda preciso sorrir e achar inebriante a sucessão interminável de engradados. Apanho as sacolas com as tradicionais caixinhas e escuto o bordão:
- Me falaram que é o seu preferido!
As garrafas não afogam as minhas mágoas, apenas me oferecem o trabalho da faxina, de esfregar paninho nelas e mudá-las de lugar para tirar a poeira. Pensei que, numa hora, os meus conhecidos cansariam e eu começaria a arrecadar gravatas. Aceitaria até meias, aceitaria até ser uma centopeia, apenas para desfrutar de uma novidade.
O bom é que o uísque envelhece comigo e eu melhoro com o tempo. O ruim é que não tenho mais como dizer a verdade, porque a minha mãe inventou de me presentear com uísque. Nem ela ficou de fora. Atravessaram a derradeira fronteira da sanidade, abduziram a última mensageira da minha esperança. Se a recomendação chegou a ela, minha fama é irreversível. Sinto informar que foi arremessada a pá de cal em meu nascimento.
Minha situação é muito pior do que a de meu amigo. Ele é identificado com o pinguim, enquanto todo mundo me vê como pinguço.
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