segunda-feira, 7 de agosto de 2023


No microscópio

Clássico instantâneo na categoria "não li e não gostei", Que Bobagem!, de Natália Pasternak e Carlos Orsi, é um livro corajoso e necessário. Bulindo em vários vespeiros ao mesmo tempo (astrologia, homeopatia, acupuntura e psicanálise, entre outras teorias muito populares no Brasil), tem o grande mérito de puxar conversa sobre ciência.

Ao contrário do que sugere o título chamativo, Que Bobagem! evita a lacração gratuita. Não procedem, portanto, as críticas que atribuem aos autores um suposto tom sensacionalista ou mesmo "histérico". O livro também passa longe de uma abordagem ingênua do pensamento científico. Não se trata de ignorar outras formas de construir conhecimento, mas de cobrar de determinadas práticas que reclamam o status de ciência que apresentem evidências e estejam abertas à revisão crítica de seus pressupostos.

O capítulo sobre psicanálise é o que tem causado mais polêmica - o que não chega a ser uma surpresa, já que a própria ciência ainda sabe muito pouco sobre o funcionamento do cérebro e a origem de diferentes tipos de sofrimento mental. A história fica mais complicada levando-se em conta que nem todas as vertentes da teoria psicanalítica prometem cura ou reivindicam o status de ciência. 

A reflexão sobre o nosso desejo e sobre as histórias que costumamos contar sobre nós mesmos costuma ter um efeito difícil de medir ou articular - e essa discussão é quase tão antiga quanto a psicanálise. Em maio, o New York Times publicou uma longa reportagem ("Does Therapy Really Work?") com um balanço das pesquisas mais recentes sobre terapias de fala. Tanto o livro quanto a reportagem citam um estudo do pesquisador Bruce Wampold que demonstra que a habilidade de escuta e acolhimento do profissional é mais importante para o sucesso do tratamento do que a teoria que ele aplica.

Que Bobagem! é corajoso porque convida o leitor a sacudir as próprias convicções (o maior inimigo da verdade não é a mentira, mas a convicção, dizia Nietzsche). É necessário porque moramos no país da pílula do câncer e da cloroquina, onde índices de vacinação caem devido à desinformação, associações de médicos apoiam remédios fajutos por motivos ideológicos e a devastação da natureza grassa como se não houvesse amanhã. 

Em 2023, no planeta Terra, entender como a ciência funciona, observar para que lado apontam os consensos científicos e incorporar o princípio de que nenhuma ideia está acima do debate é questão de sobrevivência. Ciência não é tudo, mas é muita coisa.

CLÁUDIA LAITANO 

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