09
de março de 2014 | N° 17727
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Sono de criança
Quando
criança, errar é poesia. Quando adulto, errar é malandragem.
Não
deveria ter crescido. Porque cresci sem mudar. As pessoas é que mudaram seu
olhar sobre meu temperamento. Não sou perdoado por falhas, lapsos, gafes.
Antes
era engraçado, hoje sou irresponsável. Antes era distraído, hoje sou
preguiçoso. Antes era charmoso, hoje sou idiota.
Você
não tem ideia do esforço que faço todo dia para ser adulto.
Tomo
café de propósito, e não Nescau, que adoro, para não me entregar.
Nos
anos 80, ainda em meus dez anos, recebia a tarefa de comprar coisas que
faltavam para o jantar no armazém.
Não
anotava o que minha mãe queria. Buscava memorizar, e me atrapalhava.
Não
foram poucas as vezes em que ela solicitava pêssego e pegava abacaxi, ela
esperava por mostarda e trazia catchup, ela aguardava por salsinha e surgia com
alface.
As
palavras formam vizinhanças estranhas em minha cabeça.
Num
finzinho de tarde, parei novamente na frente do balcão com a missão de levar
pão e doces, já que tínhamos visita.
A
balconista me encarava enquanto eu resgatava, dos longínquos sons da memória, a
encomenda materna. A fila atrás impacientava a atendente, suas sobrancelhas
subiam à touca.
Lembrei
de cara do pão de 1/2. Mas e o doce? Qual era o doce? Recordava que havia
merengue na receita, mas não vinha o nome. Nem existia uma vitrine para
apontar:
— É
este!
Na
ânsia de resolver, falei alto:
— Me
dá um bocejo?
A moça,
intrigada, rebateu a esquisitice:
— O
quê?
— Me
dá 300 gramas
de bocejo? — especifiquei.
—
Bocejo, meu filho? — ela questionou, para logo completar. — Tenho sono, só que
não posso bocejar para ti agora, estou trabalhando.
As
pessoas na minha cola começaram a rir. Mas rir ajudando, rir acolhendo, rir me
amparando.
—
Não seria sonho?
—
Não, não, não.
—
Não seria papo de anjo?
—
Não, não, não.
Dez
minutos depois, Zé, o dono do lugar, gritou do fundo dos corredores:
—
Não seria suspiro? A Dona Maria adora suspiro.
—
Sim, sim, sim! Suspiro!
Fiquei
conhecido na infância como o piá que desejava comprar bocejo no armazém.
Pedi
bocejo, saí suspirando.
Naquele
tempo, enganar-se não era crime. Era licença poética.
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