segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012



06 de fevereiro de 2012 | N° 16971
L. F. VERISSIMO


Especulações

Descobriram, na Espanha, uma cópia idêntica da Mona Lisa do Leonardo da Vinci. O que provocou várias especulações:

1 - O xerox e o scanner são mais antigos do que se pensava.

2 - O autor da pintura foi o próprio Da Vinci, que fez várias cópias da sua Gioconda para vender no mercado paralelo.

3 - O autor foi um discípulo de Da Vinci que copiou a obra do mestre.

A última hipótese é a mais provável, mas as especulações não ficarão por aí. O fascinante em descobertas como esta é que, como é impossível saber exatamente o que aconteceu há séculos, tudo é especulação e a imaginação se solta. A pintura revelada agora tem seus mistérios.

A Mona Lisa copiada parece mais jovem do que a original. Seu sorriso é mais inocente do que enigmático – é o de uma Mona Lisa antes de saber das coisas da vida. Um fundo preto que distinguia a cópia do original foi retirado e apareceu um fundo igual ao pintado por Da Vinci. Por que o discípulo teria camuflado a paisagem toscana do mestre? Outros discípulos fizeram cópias parecidas, e que fim estas levaram?

A imaginação se solta. No seu livro A mouthful of air, Anthony Burgess lembra uma tese, ou uma lenda, que se espalhou sobre a feitura da versão inglesa da Bíblia encomendada pelo rei James I e publicada em 1611. O rei convocou um time de quarenta e sete tradutores do grego e do hebraico, alguns para traduzir o Velho Testamento, outros para traduzir o Novo, alguns para as partes proféticas e outros para as partes poéticas.

E, segundo a lenda, provas das escrituras poéticas teriam sido distribuídas entre os poetas profissionais da época para darem uma polida no texto, desde que não desvirtuassem a tradução.

O que explicaria a presença do nome de Shakespeare no Salmo 46 – “shake” a 46ª palavra a contar do principio, “speare” a 46ª palavra a contar do fim. Segundo Burgess, sem nenhuma esperança de ter algum tipo de posteridade com seus versos, o poeta teria ao menos deixado seu nome, mesmo cifrado, numa obra histórica. Mas o próprio Burgess não acreditava na lenda.

O passado, já disse alguém, é uma terra estranha. Só se pode conhecê-lo pela especulação e visitá-lo pela imaginação. E se a Mona Lisa da Espanha for a verdadeira e a do Louvre uma cópia? Como a presença ou não do Shakespeare entre os tradutores dos salmos, jamais saberemos.

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