sexta-feira, 30 de setembro de 2011



30 de setembro de 2011 | N° 16842
LIVRE CONCORRÊNCIA


Infraero muda regras para lojas em aeroportos

Objetivo é impedir a concentração de mercado

A Infraero decidiu mudar as regras de concessão de áreas comerciais nos aeroportos brasileiros com o objetivo de impedir concentração de mercado e preços abusivos.

A prática vinha sendo observada em vários terminais desde 2009, quando a estatal alterou a forma de concessão levando em consideração o maior preço para o metro quadrado.

A Infraero publicou ontem um ato administrativo com as mudanças. A primeira resolução determina que os licitantes que já tiverem áreas comerciais no aeroporto optem entre uma ou outra caso vençam a disputa. A portaria veda a acumulação de área e obriga a devolução na assinatura de qualquer novo contrato de locação.

Em outro artigo da mesma portaria, a estatal determina que as superintendências regionais controlem os preços cobrados pelas concessionárias e a oferta de produtos de qualidade com a cobrança de preços compatíveis ao mercado local. Para isso, os comerciantes deverão apresentar à Infraero uma vez por ano pesquisa de compatibilidade de preço em relação à concorrência.

As decisões foram tomadas pela diretoria comercial da Infraero depois de o Ministério Público Federal recomendar, em agosto, que empresas do mesmo grupo econômico tenham mais de um contrato por aeroporto. Segundo o diretor comercial Geraldo Moreira Neves, as decisões garantem a preservação do interesse público nas concessões e a livre concorrência com foco na qualidade dos produtos.

A Infraero convocou para as 9h de hoje reunião pública para dar continuidade à licitação do edifício-garagem do Salgado Filho. A empresa que venceu a concorrência para exploração das 2,4 mil vagas não apresentou garantias para a assinatura do contrato.


30 de setembro de 2011 | N° 16842
ARTIGOS - Amauri Perusso*


A corrupção, o TCU e a mãe

A campanha nacional de combate à corrupção ganha adeptos a cada dia. Tem cara-pintada junto com OAB, CNBB e outras entidades. A cidadania sente-se entre indignada e impotente. A esquerda brasileira observa – e atua – para não permitir que a questão da moralidade pública seja apropriada pelas forças conservadoras, como ocorreu em outros momentos históricos. Conhecemos o preço do que seria um erro político de graves consequências.

O combate à corrupção somente terá algum sucesso, para nos tirar da lista dos países mais corruptos do planeta, se as instituições funcionarem, para punir os que forem apanhados e para amedrontar aqueles que estão pensando em apropriar-se de dinheiro público.

A transparência das finanças públicas é condição indispensável para a atuação do indivíduo como agente de intervenção, na condição de contribuinte e fiscal de receitas e despesas.

Já a existência de informações corretas depende dos mecanismos de registro e controle e de análise, por pessoas treinadas e qualificadas, de dados reunidos em auditoria.

Tribunais de Contas contaminados por indicações eminentemente políticas tendem a flexibilizar julgamentos e pareceres, fortalecendo interesses eleitorais. Prejuízo da sociedade, vantagem para a corrupção.

Neste cenário, a recente disputa para escolha de ministro do Tribunal de Contas da União revelou singularidades interessantes. Foi a primeira vez que um auditor de carreira, Rosendo, disputou esse cargo público. Teve 10 votos. O simbolismo, o novo, nasce assim mesmo.

Vencedora da disputa, a deputada Ana Arraes, filha de Miguel Arraes e mãe de Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, apressou-se em apresentar um discurso conservador, de flexibilização das ações do TCU. Onde entra a mãe nesta conversa? Apareceu como música (Mamãe, Agnaldo Timóteo, letra de Herivelto Martins e David Nasser), em homenagem à campanha do filho, Eduardo Campos, em favor da eleita.

Enquanto isso, em solo gaúcho, se quer ratear as quatro vagas de responsabilidade de escolha do parlamento local, entre as quatro maiores bancadas de deputados, PT, PMDB, PDT e PP. No Estado – que se quer mais politizado do Brasil – afasta-se a cidadania da disputa. Penso que andamos mal. Talvez a nossa música deva ser “a estância de São Pedro tá assim de graxaim” (Nilo Bairros de Brum).

*Vice-presidente do Centro de Auditores do TCERS


30 de setembro de 2011 | N° 16842
PAULO SANT’ANA


Uma mensagem de pavor

Eu assisto à greve dos Correios, eu assisto à queima de pneus, assisto à greve dos bancários. Vejo tudo isso com muito respeito, menos a queima dos pneus, que isso acho muito grave, por implicar, além da indisciplina, a insurreição.

São respeitáveis todas essas greves. Mas há que se dizer também que existem pessoas que estão desempregadas e tentam, justificadamente, conseguir um lugar numa organização como essas, os Correios, a Brigada Militar e os bancos.

E, logo que conseguem ingressar nessas organizações, são as primeiras a sublevar-se e se tornam inconformadas com o que ganham, declaram-se em revolta e passam a usar do expediente da greve ou de qualquer rebeldia para verem aumentados seus salários.

Repito: tudo muito justo, tudo muito respeitável. Escrevo isso para depois não virem reclamar que sou contra grevistas e insurrecionais em geral. Não sou.

O que quero é comparar.

Eu só queria que essa gente olhasse ao seu redor e visse como anda a coisa pegando feio nos abismos do desemprego.

Eu só queria que lessem esta carta que me mandou ontem uma mulher que luta terrivelmente por estar desempregada.

Olhem o que ela me escreve: “Acordei mal, ontem, com dor no peito, sufocada, pois estou desempregada há nove meses. E não consigo emprego de jeito nenhum, por isso entro em depressão. Por isso, triste, choro todo o tempo. Então, meu irmão, que pertence a uma dessas igrejas evangélicas, me diz que eu vá na igreja, que aceite Jesus no meu coração.

É como você falou, Sant’Ana, as pessoas me pedem calma, dizem que vou conseguir, mas ninguém me ajuda e ninguém me dá uma força. Estou me sentindo feia, cheia de olheiras, as pessoas me pedem calma e me dizem que tenho saúde, não entendem meu sofrimento.

E eu desempregada há nove meses. Muitas, como você escreveu esta semana, dizem para eu ter calma e que isso não é nada. Mas é que estou morando de favor na casa de meu ex-marido, veja só, tive de trancar a faculdade da minha filha e ainda tenho de pedir dinheiro emprestado para meu ex-marido, veja só, logo comigo, uma mulher que trabalhou 16 anos no comércio. E todos me dizem que vai passar, que eu vou conseguir, não entendem a dor que estou sentindo e a humilhação por que estou passando.

Até um psiquiatra me dá remédios, mas nada do emprego, que é o que eu preciso. Devo estar ficando louca. Quero apenas trabalhar, será que não entendem isso? Como você escreveu, Sant’Ana, a dor nos pertence. E eu não sei mais o que dizer. (Ass.) Sandra Regina Pereira Peck(sandra.peck@hotmail.com)”.

É de matar, não é? Esta carta me estragou a semana. Será que alguém que ler aqui nesta coluna o drama dessa mulher poderá conseguir um emprego para ela?

Mas os revoltosos em geral têm de olhar para trás e ver que há muita gente que não tem sequer um emprego para poder entrar em greve ou queimar pneus.

Por isso, muita cautela, mirem-se na sociedade a que pertencem e capacitem-se de que é muito difícil e raro arranjar um emprego, às vezes é ainda mais complicado mantê-lo.

Calma, que ao nosso redor existe muita aflição.

Calma!


30 de setembro de 2011 | N° 16842
PAULO SANT’ANA


Uma mensagem de pavor

Eu assisto à greve dos Correios, eu assisto à queima de pneus, assisto à greve dos bancários. Vejo tudo isso com muito respeito, menos a queima dos pneus, que isso acho muito grave, por implicar, além da indisciplina, a insurreição.

São respeitáveis todas essas greves. Mas há que se dizer também que existem pessoas que estão desempregadas e tentam, justificadamente, conseguir um lugar numa organização como essas, os Correios, a Brigada Militar e os bancos.

E, logo que conseguem ingressar nessas organizações, são as primeiras a sublevar-se e se tornam inconformadas com o que ganham, declaram-se em revolta e passam a usar do expediente da greve ou de qualquer rebeldia para verem aumentados seus salários.

Repito: tudo muito justo, tudo muito respeitável. Escrevo isso para depois não virem reclamar que sou contra grevistas e insurrecionais em geral. Não sou.

O que quero é comparar.

Eu só queria que essa gente olhasse ao seu redor e visse como anda a coisa pegando feio nos abismos do desemprego.

Eu só queria que lessem esta carta que me mandou ontem uma mulher que luta terrivelmente por estar desempregada.

Olhem o que ela me escreve: “Acordei mal, ontem, com dor no peito, sufocada, pois estou desempregada há nove meses. E não consigo emprego de jeito nenhum, por isso entro em depressão. Por isso, triste, choro todo o tempo. Então, meu irmão, que pertence a uma dessas igrejas evangélicas, me diz que eu vá na igreja, que aceite Jesus no meu coração.

É como você falou, Sant’Ana, as pessoas me pedem calma, dizem que vou conseguir, mas ninguém me ajuda e ninguém me dá uma força. Estou me sentindo feia, cheia de olheiras, as pessoas me pedem calma e me dizem que tenho saúde, não entendem meu sofrimento.

E eu desempregada há nove meses. Muitas, como você escreveu esta semana, dizem para eu ter calma e que isso não é nada. Mas é que estou morando de favor na casa de meu ex-marido, veja só, tive de trancar a faculdade da minha filha e ainda tenho de pedir dinheiro emprestado para meu ex-marido, veja só, logo comigo, uma mulher que trabalhou 16 anos no comércio. E todos me dizem que vai passar, que eu vou conseguir, não entendem a dor que estou sentindo e a humilhação por que estou passando.

Até um psiquiatra me dá remédios, mas nada do emprego, que é o que eu preciso. Devo estar ficando louca. Quero apenas trabalhar, será que não entendem isso? Como você escreveu, Sant’Ana, a dor nos pertence. E eu não sei mais o que dizer. (Ass.) Sandra Regina Pereira Peck(sandra.peck@hotmail.com)”.

É de matar, não é? Esta carta me estragou a semana. Será que alguém que ler aqui nesta coluna o drama dessa mulher poderá conseguir um emprego para ela?

Mas os revoltosos em geral têm de olhar para trás e ver que há muita gente que não tem sequer um emprego para poder entrar em greve ou queimar pneus.

Por isso, muita cautela, mirem-se na sociedade a que pertencem e capacitem-se de que é muito difícil e raro arranjar um emprego, às vezes é ainda mais complicado mantê-lo.

Calma, que ao nosso redor existe muita aflição.

Calma!


30 de setembro de 2011 | N° 16842
DAVID COIMBRA


A liberdade desprezada

Dias atrás, o jornal publicou uma notícia espantosa: um americano que havia sido preso nos anos 80, tendo cumprido a pena e vendo-se enfim em liberdade, estranhou o mundo exterior, sentiu saudade da vida na prisão e resolveu voltar. Para tanto, ateou fogo a uma casa vazia, apresentou-se à polícia e confessou o crime. Como queria, foi preso mais uma vez. Agora está na cadeia novamente, realizado e feliz.

Histórias do gênero são mais ou menos comuns. Algumas pessoas ficam tanto tempo presas, que a readaptação à sociedade se torna quase impossível. Mas não é isso que espanta nesse caso, e sim o que o ex-presidiário alegou ter impedido a sua reintegração à comunidade. Disse ele que não conseguia aprender a usar computador, internet e telefone celular.

O significado disso é de arrepiar: as pessoas estão de tal maneira vinculadas às tecnologias de informação, que os excluídos do mundo virtual se sentem excluídos do mundo real. Ou seja: as pessoas, hoje, se relacionam muito mais via internet ou celular do que fisicamente, olho no olho. Fenômeno que, é óbvio, ocorre muito mais nos Estados Unidos, mas cada vez mais também no lado de baixo do Equador.

Tenho alguns amigos que padecem desse mal. Precisam estar sempre conectados, ou sentem que estão perdendo alguma coisa importante que está acontecendo em algum lugar. Você está diante deles, olhando para eles, mas eles têm de ficar passando o dedo no celular, conversando via mensagem escrita com alguma outra pessoa que, decerto, está falando algo muito mais interessante. É irritante. Dá vontade de levantar e ir embora.

Sei, portanto, como se sentiu o infeliz ex-presidiário norte-americano. Ele estava na rua, tentando se comunicar com as pessoas, mas ninguém lhe dava bola, não prestavam atenção ao que ele dizia, só se concentravam no Facebook, no MSN, no Twitter ou no que quer que estivesse acontecendo nesse mundo de éter e fibra óptica. Mas não era éter e fibra óptica que ele queria. Não é o que quero, tampouco. Quero, queremos, carne e osso. E algum coração.

O homem que se separa age como o ex-presidiário. Enquanto ele está casado, suspira de nostalgia pela feérica e docemente irresponsável vida de solteiro. Então ele se separa, está livre, tem o mundo inteiro a conquistar. Mas a liberdade, em vez de torná-lo leve, o oprime.

Em seis meses, o homem separado se casa de novo. Por quê? Porque, entre as paredes do presídio ou entre as paredes do matrimônio, o homem encontra a segurança dos dias sempre iguais. A rotina, o homem anseia pela rotina, porque, na rotina, ele sabe o que vai acontecer, ele não corre riscos. A liberdade é perigosa porque, em liberdade, o homem está exposto ao desconhecido.

Há quem diga que a liberdade é o bem maior do ser humano. Bobagem. A liberdade é superestimada. O maior bem a que aspira o ser humano é a segurança. Mesmo que seja atrás das grades de uma cadeia. Ou na prisão matrimonial.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011



29 de setembro de 2011 | N° 16841
LETICIA WIERZCHOWSKI


Das peculiaridades

Li recentemente uma biografia de Serge Gainsbourg publicada no Brasil pela editora Barracuda (Um Punhado de Gitanes, da inglesa Sylvie Simmons). Serge Gainsbourg, estrela da canção francesa, ator, diretor, desenhista, escritor, compositor e figura carimbada dos anos 60, 70 e 80, era um cara pra lá de talentoso.

E peculiar, muito peculiar... Um sujeito tímido, cheio de manias, o feio-bonito que arrasou o coração das mulheres que valiam a pena na época (entre as suas conquistas famosas, Brigitte Bardot e a lindíssima Jane Birkin, com quem Serge viveu por 13 anos e teve uma filha).

Um Punhado de Gitanes é a história da trajetória musical de Gainsbourg; mas, também, é um arrazoado de narrativas incríveis, de aventuras e máximas que fazem a gente fechar o livro de bom humor, perguntando-se por que, afinal de contas, não se vive a vida com um grau a mais de maluquice. Talvez porque nos falte gênio – coisa que Serge tinha para dar e vender...

Ele, que fumou cada minuto da sua vida (andava sempre com um fortíssimo Gitane aceso), que aprendeu a beber no exército e encheu a cara até morrer, que foi apaixonado pela neta de Tolstói, sua colega num curso de artes, que via filmes pornográficos com Salvador Dalí, que comprou um Rolls-Royce prateado apenas para fumar seus Gitanes dentro do carro, pois Serge nunca aprendeu a dirigir – ele era um gênio que chegou a compor para todas as grandes cantoras da cena musical da época, enquanto lançava um ou dois discos próprios por ano.

De todas as doideiras de Gainsbourg, a que mais me impressionou foi o seu fanatismo estético. Tinha absoluta mania de arrumação, e na sua casa da Rue de Verneuil, cujas paredes pretas ele copiou da casa do próprio Dalí, nada nunca podia ser mudado de lugar. Habitava-se um cenário milimetricamente pensado por Serge, e eram proibidos os vestígios de vida humana nas salas, nos quartos e até mesmo no banheiro. Bilhetes, moedas, cabelo na escova, sapato ao lado da cama, bolsa sobre a cadeira?

Pecados que deixavam Serge absolutamente furioso. As crianças só podiam brincar num único cômodo, de portas fechadas. Serge dizia que a sua mente era tão atravancada, tão cheia de ideias, de notas musicais e de imagens, que o exterior obrigatoriamente precisava estar sempre em perfeita ordem.

A família Gainsbourg sofreu um pouco com isso, imaginem... Mas, de fato, Serge podia dar-se às maiores maluquices: poucos artistas foram tão prolíficos quanto ele.


29 de setembro de 2011 | N° 16841
PAULO SANT’ANA


Pessoas diferentes

Se elogiares – ou criticares – os pés de uma mulher, nunca mais ela esquecerá de ti.

Nunca ouvi um canário belga gago. E nunca ouvi um rouxinol fanhoso.

Estava eu num jantar com umas cem pessoas. Uma hora depois, chegou um amigo meu, pessoa muito brilhante. Foi então que lhe disse: “Só agora sinto necessidade de colocar o meu aparelho auditivo”.

Eu nunca pude entender as diferenças entre as pessoas. Não compreendo como a criação pôde colocar no mundo pessoas inteligentes e pessoas carentes de mínima capacidade de raciocínio.

Assim como não entendo que existam pessoas fortes e pessoas fracas.

E nem que possam existir pessoas doces e outras amargas.

Nem vou falar em ricos e pobres, corajosos e covardes, impetuosos e estáticos, ágeis e letárgicos.

Todos somos diferentes. E é natural, então, que uns sobrepujem os outros.

Dói o coração ver pessoas feias circulando entre gente bonita. E nunca passou pelo meu aparelho intelectivo um fato contristador: as pessoas aleijadas, os surdos, os mudos, principalmente os cegos, pessoas que não têm culpa alguma de sua tremenda desvantagem, mas que são jogadas no mundo em meio às pessoas saudáveis.

Eu não consigo entender as diferenças entre as pessoas.

Já, por outro lado, penso: mas e os que são cultos e os ignorantes? Os ignorantes adquiriram essa desvantagem sob os cultos no percurso da vida, foi um jogo de méritos? Mas será que os cultos não se tornaram assim por serem mais inteligentes que os ignorantes ou porque tenham tido maiores recursos econômico-financeiros para adquirir sua cultura?

Sempre as diferenças, seja na sorte, seja na conduta.

Por uma certa parte, eu desculpo a criação: seria impossível um mundo em que todos fossem iguais, todos ricos ou todos pobres, todos inteligentes ou todos burros. Será que seria mesmo?

Noto também que este parece ser um jogo que interessa à sobrevivência das espécies, eis que na selva existem os animais mais fortes e mais ferozes que outros. E, assim como na selva há presas e predadores, também na sociedade dos homens devem existir os que são explorados e seus exploradores.

Vejam o caso, só um exemplo, um exemplo apenas, de um concurso público em que os aprovados, entre os milhares de candidatos, são apenas uns poucos.

Evidentemente, os aprovados são aqueles melhor preparados, os que se muniram de recursos melhores.

Mas eu tenho a perguntar: Será que não foi a criação que já fez a sua seleção antes mesmo do concurso? Será que aos reprovados não foram negadas condições iguais de disputa, seja pela sua inteligência, seja pelas diferenças sociais, culturais etc.?

Há muito tempo que essas diferenças atormentam meu espírito e principalmente meu raciocínio. 


29 de setembro de 2011 | N° 16841
L. F. VERISSIMO


O som da época

Desconfio de que ainda nos lembraremos destes anos como a época em que vivemos com o acompanhamento dos alarmes de carro. Os alarmes de carro são a trilha sonora do nosso tempo: o som da paranoia justificada.

O alarme é o grito da nossa propriedade de que alguém está querendo tirá-la de nós. É o som mais desesperado que um ser humano pode produzir – a palavra “socorro!” – mecanizado, padronizado e a todo volume. É “socorro!” acrescentado ao vocabulário das coisas, como a buzina, a campainha, a música de elevador, o “ping” que avisa que o assado está pronto e todos os “pings” do computador.

Também é um som típico porque tenta compensar a carência mais típica da época, a de segurança. Os carros pedem socorro porque a sua defesa natural – polícia por perto, boas fechaduras ou respeito de todo o mundo pelo que é dos outros – não funciona mais. Só lhes resta gritar.

Também é o som da época porque é o som da intimidação. Sua função principal é espantar, e substituir todas as outras formas de dissuasão pelo simples terror do barulho. O som da época em que os decibéis substituíram a razão.

Como os ouvidos são, de todos os canais dos sentidos, os mais difíceis de proteger, foram os escolhidos pela insensibilidade moderna para atacar nosso cérebro e apressar nossa imbecilização. Pois são tempos literalmente do barulho.

O alarme contra roubo de carro também é próprio da época porque frequentemente não funciona. Ou funciona quando não deve. Ouvem-se tantos alarmes a qualquer hora do dia ou da noite porque, talvez influenciados pela paranoia generalizada, eles disparam sozinhos. Basta alguém se aproximar do carro com uma cara suspeita e eles começam a berrar.

Decididamente, o som do nosso tempo.

Tchau

Outubro é um bom mês para férias. Você pode escolher o hemisfério em que vai passá-las, o Sul ou o Norte, e estará escolhendo entre uma primavera que ainda não tirou os sapatos para entrar no verão e um outono que ainda não botou o casacão para enfrentar o frio. Seja onde for, vou tirar férias. E não adianta trocarem a fechadura, no dia 3 de novembro eu volto. 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011



28 de setembro de 2011 | N° 16839
MARTHA MEDEIROS


Sem explicação

Estive no cais do porto, onde estão algumas exposições da Bienal, e deparei com uma série de instalações artísticas que, sem a ajuda dos mediadores, parecem sem sentido. Algumas funcionam pelo impacto visual, mas o que querem dizer?

Se a gente não pergunta para os profissionais que ali estão, instruídos para explicar cada obra, fica-se boiando. O vídeo de um homem andando de bicicleta sob uma esteira rolante, por exemplo. Ele pedala sem sair do lugar. Monótono.

Aí consultamos os monitores e descobrimos a questão filosófica que está por trás, assim como, em outra obra, a razão de tantas formigas circularem entre bandeiras feitas de areia, alterando seu desenho original. Inusitado, apenas.

Mas aí vem a explicação: é uma forma de alertar para a precariedade dos territórios em meio à crise econômica mundial. Incentiva a nos perguntarmos o que é uma nação e como ela se comporta diante das migrações. Hum. Entendi.

Muitas coisas não têm explicação. Aliás, nem precisariam, mas nos sentimos mais seguros quando sabemos o porquê, a razão, o motivo. A coisa gratuita desperta nossa fragilidade, nos coloca em estado de ignorância. Tudo o que não entendemos zomba de nós.

Assim é nas relações amorosas, que pouco se valem da racionalidade, e assim é também o mistério da existência humana, que provoca teorias diversas e nenhuma certeza absoluta. Há muitas coisas que a gente não compreende, mas que continuam existindo à revelia do nosso desconhecimento.

Toda ausência de justificativa provoca uma certa vertigem, e foi essa vertigem que senti ao ler sobre o menino de 10 anos que, depois de balear uma professora, correu para um canto da escola e atirou contra a própria cabeça.

O tiro na professora deve ter sido acidental, um erro no manejo de uma arma que jamais deveria estar em suas mãos, mas atirar contra si próprio tem um propósito – ou deveria ter. Qual? Segundo a família, os amigos, os colegas e a própria professora atingida, o garoto era tranquilo, saudável, sem distúrbios de comportamento. Por que se suicidou?

Provavelmente entrou em pânico com o próprio gesto, temeu ser castigado, ficou com vergonha e atendeu ao impulso de sumir dali, daquele lugar, daquela situação absurda e violenta demais para seus míseros 10 anos. No ápice da tensão, fez o impensado.

Outra explicação? Poderão descobrir um histórico de agressões na família, excesso de jogos de computador inadequados para sua idade, algum transtorno psicológico que nem deu tempo de ser averiguado. Haverão de furungar, de querer saber.

Mas o mais provável é que o pequeno garoto não tivesse como explicar o tiro que havia disparado contra a professora. E, mesmo tão inocente, intuiu: sem explicação, nada se sustenta.

Faltou o mediador.

Uma quarta-feira gostosa para todo mundo. Estarei em Cruz Alta na EASA, com meus colegas do Gespública, hoje e amanhã - Entrelacos.


28 de setembro de 2011 | N° 16839
ARTIGOS - Paulo Paim*


Chamamento à indignação

Creio que uma das primeiras medidas para combater a corrupção e a impunidade é acabarmos com as votações secretas no Congresso Nacional. A população tem o direito de saber como os senadores e deputados se posicionam e votam.

O parlamentar recebe uma procuração lavrada nas urnas. Nesse momento, é firmado um acordo implícito entre eleitos e eleitores que fundamentalmente não pode, de jeito nenhum, contemplar a ocultação de decisões.

O voto secreto faz sentido nos regimes de exceção, para proteger os parlamentares de perseguições em caso de voto contrário aos interesses do governo. No Estado democrático de direito, não há argumento para que se continue votando secretamente.

Com o voto secreto, acusações muitas vezes infundadas podem ser feitas como uma metralhadora giratória, gerando disputas desleais entre forças políticas, pois ninguém sabe e nunca saberá do voto que foi dado.

O voto secreto é tão injusto, que pode se tornar um instrumento para condenar inocentes ou absolver culpados, tanto no caso de julgados como no de julgadores. É essa trama nebulosa e obscura que temos o dever de combater com as armas do diálogo e da argumentação.

Algumas assembleias não utilizam esse sistema, como as do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Essa iniciativa dá transparência, expondo as convicções do parlamentar e obrigando-o a confirmá-las, fortalecendo, assim, o acordo firmado entre eleitos e eleitores quando do momento da urna eletrônica.

Vários parlamentos do mundo não utilizam o voto secreto para apreciação de vetos, leis, emendas, nomeações, indicações. Nos EUA, ocorreu o famoso caso do impeachment do então presidente Bill Clinton, que acabou absolvido inclusive com votos de republicanos. Dessa forma, todos puderam ter conhecimento da posição de cada parlamentar em relação ao assunto.

Quando fui deputado, apresentei projeto para acabar com o voto secreto e, logo depois que assumi uma cadeira no Senado, apresentei uma proposta de emenda à Constituição (PEC 50) neste sentido. Ela já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e está pronta para votação no plenário.

Creio que é necessário que resgatemos a nossa capacidade de indignação, e aqui, em especial, em relação ao voto secreto, e que sigamos o chamamento de um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel de 93 anos: Indignai-vos!
*Senador (PT-RS)


28 de setembro de 2011 | N° 16839
PAULO SANT’ANA


A dor nos pertence

Expus minha dificuldade a um amigo e ele me disse: “Se Deus quiser, vais te livrar desta dificuldade”.

Respondi : “Mas como? Estás querendo dizer que existe a chance de Deus não querer e me fazer continuar com minha dificuldade?”.

Esta expressão “se Deus quiser” é um tanto confusa. Dá a entender que Deus pode não querer.

Mas, quando se diz “se Deus quiser”, não está implícito que Deus quer o meu bem e, portanto, como ele é a fonte de todas as misericórdias, ele vai com certeza resolver o meu problema?

Ainda anteontem, eu estava vendo, às quatro horas da madrugada, a pregação do pastor Silas Malafaia, na TV Bandeirantes.

Uma vez escrevi que estava ainda à espera na televisão de um grande pregador religioso. Eu estava enfarado e desiludido com os pregadores religiosos de televisão, todos se mostravam vulgares, abruptos, incompetentes para atraírem minha atenção de potencial fiel.

Até que meu pedido foi atendido e surgiu a milagrosa figura do pastor Silas Malafaia.

É um encanto para a mente e para o coração ouvir Silas Malafaia na televisão. Começa que ele recita incontáveis capítulos e versículos da Bíblia, ilustrando seu assunto, sem auxílio da leitura. Tem na memória a Bíblia inteira.

Além disso, suas afirmações sobre teologia são deslumbrantes. Anteontem, ele estava explicando o que são as misericórdias de Deus.

Ele disse que misericórdia é ter afeição pela dor alheia, é respeitar a dor alheia e providenciar para que ela acabe.

Por sinal, acontece de a gente por vezes contar a uma pessoa das nossas dores e a pessoa dizer assim: “Isto não é nada, vai passar”.

Mas, como, não é nada? Então eu faço um relato de uma aflição que está me massacrando e aquela pessoa vem me dizer que aquilo não é nada?

Foi assim quando eu estava no início de minha carreira jornalística. Numa cirurgia, me deceparam inteiramente o meu nervo facial.

Tive obviamente paralisia facial. Eu parecia um Frankenstein. Minha boca entortou totalmente, meu olho esquerdo não fechava e, como isso deslubrificava minha córnea, corria o risco de gangrena oftalmológica se eu continuasse a não piscar.

Virei um quadro triste de ver.

E eu no hospital. E dezenas de pessoas foram me visitar. E todas elas diziam-me o seguinte: “Isto não é nada, em seguida tudo volta para o lugar”.

Pensava: “Como, não é nada? Será que estou ficando louco?”.

Até que foi me visitar Maurício Sirotsky, fundador da RBS, que me olhou atentamente e disse o seguinte: “É grave o que tens. Seria grave em qualquer pessoa, mais grave ainda em ti, que trabalhas em televisão. Vamos fazer tudo para que teu rosto volte para o lugar”.

Viram a diferença entre o que diz um sábio e o que dizem outras pessoas?

O seu Maurício entendeu a extensão da minha tragédia e sensibilizadamente atinou para a dor e a apreensão que eu estava sentindo.

Como, é nada?

É imprescindível que meçamos a dor íntima das pessoas.


28 de setembro de 2011 | N° 16839
DIANA CORSO


Memórias de um tempo não tão distante

Quando eu era pequena, há menos de meio século atrás, o chão era o melhor lugar para o lixo, fumava-se em qualquer ambiente, inclusive hospitais, aviões e o quarto das crianças. Negros e brancos vivam em mundos distintos, gays habitavam o armário e as mulheres, quando tomavam algumas liberdades eram chamadas de prostitutas.

Caçador era herói, tinha-se armas em casa, poluição era decorrência natural do progresso. Sexo antes do casamento até acontecia, mas a união estável era destino certo. Não lembro de muitas mulheres sozinhas, fora as viúvas. Ecologia era um delírio de poucas vozes excêntricas.

Na minha adolescência, anos 70, apesar das conquistas da revolução de costumes, não lembro de gays assumidos no colégio. Apesar de ter estudado sempre escolas públicas, raramente tive colegas negros.

Na faculdade tudo melhorou um pouco, mas ainda estávamos longe das liberdades e da tolerância com as diferenças que hoje começam a ser consideradas itens não opcionais. Lembro quando comentavam que alguém era tão idoso “que viveu no tempo da escravidão”. Pois é, começo a me sentir tão idosa que venho do tempo da discriminação desavergonhada, de uma cultura de depredadores do planeta.

Tudo isso ficou muito claro ao assistir ao seriado Mad Men, no qual ando viciada. O que me mesmeriza na série vai além da dramaturgia e elenco, é a reconstituição histórica, retrato cruel da época em que cresci, essa que descrevo acima. A história centra-se no cotidiano de uma agência de publicidade em Nova York nos anos de ascensão de Kennedy, da guerra fria.

Na vida das personagens, os homens mais velhos traziam memórias da II Guerra e da Coreia (Vietnã estava a caminho), a prosperidade não escondia a barbárie e as mulheres viviam a realidade descrita por Betty Friedan em A Mística Feminina. Apesar da psicologia e a psicanálise já terem alguma popularidade, as crianças nunca eram escutadas.

O “Dever da Memória” costuma estar associado a heróis e vítimas de tempos difíceis. Inclui desde os necessários tributos aos que souberam se posicionar com coragem, até o julgamento dos que foram indignos, criminosos. Mas os tempos duros não se restringem a guerras, ditaduras e extermínio.

A vida privada também deve ser lembrada, pois na intimidade igualmente se produzem injustiças, discriminações e infortúnios e nesse sentido o passado quase sempre nos condena. É bom lembrar das conquistas, mas também do que não nos orgulha, e contar tudo isso aos mais jovens é uma tarefa que nunca deverá ter fim.

terça-feira, 27 de setembro de 2011



27 de setembro de 2011 | N° 16838
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um súbito olhar

Uma leitora me pergunta se ainda escrevo à mão. Respondo-lhe que sim. Mesmo na era da informática, redijo minhas crônicas, contos e romances primeiro no papel, numa página modelo A-4, para só depois transportar o texto para o computador.

Tenho uma letra bonita e me orgulho dela. É ainda herança do curso primário do Colégio das Dores, onde tínhamos aulas de caligrafia. Tínhamos também lápis bem apontados e penas de aço que a gente tinha que molhar de tempo em tempo no tinteiro embutido na própria classe.

Nunca me senti diminuído por isso – era um exercício de disciplina. Depois, pela altura do quarto ano, ganhei minha primeira caneta. Era uma Compactor alemã, a que devotei especial estima. Tinha que ser reabastecida pelo menos uma vez por semana, mas quem se importava com isso?

Da Compactor evoluí para uma Parker 51, isso já no ginásio, e despertava a inveja de meus colegas de aula. Era realmente um primor de eficiência e de elegância. A tinta era Azul Real Lavável e eu achava que não poderia haver outra mais perfeita.

Depois me perdi, dividido entre um milhão de canetas. Começou o império das esferográficas, que se mantém firme e sólido até hoje. Mas eu me conservo fiel aos modelos antigos.

Já não tenho Compactors ou Parkers, embora dê sempre jeito de procurar suas herdeiras.

E sabem por quê?

Porque escrever tem tudo a ver com o toque da caneta no papel. Há uma sintonia anímica entre ambos e um suave estímulo à criatividade.

Meu livro mais longo e de maior sucesso – As Torrentes de Santaclara –, de 608 páginas impressas, foi todo ele escrito à mão, para só depois ser datilografado, pois os tempos ainda eram pré-informática. O mesmo sucedeu com outro romance, O Homem que Colecionava Manhãs, que mereceu críticas consagradoras, de Wilson Martins a Luiz Antônio de Assis Brasil.

Não é diverso com meus volumes de crônicas e contos, todos primeiro manuscritos, para depois serem transpostos aos meios eletrônicos.

Nada tenho contra o computador ou a internet. Mas olho ambos como um segundo estágio do processo de criação.

Antes de converter em bits e bytes o que componho, me agrada ver cada texto em intimidade com o papel. É algo doce e indefinível, como o súbito olhar de uma mulher amada.


27 de setembro de 2011 | N° 16838
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Árvore ou onda

Um crítico literário, ou melhor, um historiador da literatura que leio com gosto, nos anos recentes, é Franco Moretti. Já tem bastante coisa traduzida dele no mercado brasileiro, a começar pelo instigante A Literatura Vista de Longe, editado pela Arquipélago.

A editora Boitempo apresentou seu Atlas do Romance Europeu, e recentemente a Cosacnaify editou uma joia chamada A Cultura do Romance, volumão coletivo, mais de mil páginas, organizado pelo mesmíssimo Moretti.

Quer dizer, não falta material para lê-lo em língua pátria. (Não falta nem mesmo uma crítica aguda a ele, no excelente trabalho de doutorado de Ian Alexander, Formação Nacional e Cânone Ocidental – Literatura e Tradição no Novo Mundo, trabalho que já deveria ter sido editado em livro.)

Esses dias, em aula, repassei um ensaio dele que discute as condições para uma hipotética história mundial da literatura, assunto que me encanta e me ocupa a cabeça de vez em quando. Em geral, no Brasil, se pensa em história da literatura no âmbito nacional, e só; mas isso é uma peculiaridade nossa, país imenso e com delírios de grandeza, além de ser um país que compartilha sua língua apenas com países secundários em matéria de poderio econômico, político e mesmo literário.

Já aqui no Uruguai ninguém pode alegar que uma história nacional de literatura pode ser o bastante, porque a língua não pertence majoritariamente ao Uruguai, nem à vizinha Argentina; não se pode esquecer a existência da Espanha, do México, da Venezuela, da Colômbia, países grandes o suficiente, em qualquer sentido.

Moretti evoca dois modelos abstratos para descrever o modo como são concebidas as histórias de literatura: um é o modelo da árvore; outro é o da onda. Árvore, como modelo, serve para pensar em continuidade com mudanças: uma mesma raiz, que sai das profundezas verticais gerando galhos, que lentamente produzem folhas, etc. É o modelo predileto das histórias nacionais de literatura, dominantes no cenário intelectual desde a Revolução Francesa, mais ou menos.

Já a onda é modelo de outro conteúdo: corresponde a um movimento horizontal, passa por cima de fronteiras, nacionais ou outras, de modo rápido e irresistível. A onda corresponde ao movimento do mercado (e da guerra também, antigamente) e não quer nem saber de identidade local. Árvore e onda se combinam, ao longo do tempo; mas a onda é que está vencendo a parada.


27 de setembro de 2011 | N° 16838
PAULO SANT’ANA


Autopesquisa

Uma mulher foi constatada morta no hospital e foi expedido o respectivo atestado de óbito, isso em Duque de Caxias (RJ), anteontem. Dali a instantes, os familiares da defunta foram chamados ao hospital para as providências de sepultamento.

Foi quando se abraçaram ao cadáver, que incrivelmente se mexeu, a mulher estava viva e toda a confusão acabou recomposta. Sabendo disso, fui ontem pela manhã ao enterro de um amigo. Com medo de que ele estivesse sendo enterrado vivo, tive o cuidado de colocar no peito do defunto, dentro do caixão, um telefone celular com carga automática. Marca do telefone, é lógico: Vivo.

Ele foi enterrado, e duas horas depois eu telefonei para ele, que atendeu. Eu disse: “Oi”, Ele retrucou: “Claro”.

Por sinal, com referência a esse amigo que enterrei ontem, TIM, outra marca de telefone, quer dizer: Te Invejo Morto.

Encomendei uma pesquisa sobre o meu comportamento no trato com as pessoas. Houve 51% dos entrevistados que responderam que eu sou gentil no trato com os fãs. Alguns até responderam que sou “comovedoramente gentil”. Mas me impressionaram aqueles 49% dos pesquisados que disseram que sou áspero no trato com as pessoas.

Alguns até acrescentaram: “surpreendentemente áspero”. A conclusão a que cheguei é de que por vezes eu sou gentil, por vezes sou áspero. Ou seja, depende do dia ou do momento por que eu estiver passando. Se não estiver bem, torno-me áspero. Se tudo estiver dando certo comigo, sou gentil.

Eu tenho sérias restrições a esse meu comportamento mercurial, ora estou com excelente bom humor, ora dou patadas para todos os lados. Está certo que eu seja bipolar, mas não a ponto de por vezes ser áspero com as pessoas. Elas não têm culpa de eu ser muito conhecido por rádio, jornal e televisão. Toda pessoa merece de mim a máxima atenção e gentileza, não se explica que eu trate com aspereza alguns.

Tenho um filho que, quando vai ao restaurante comigo, sempre me adverte na mesa quando começo a afetar irritação com o garçom: “Pai, te acalma, se ele é garçom, é porque passou nos testes”. Mesmo que garçom seja uma profissão que é fonte frequente de irritação dos clientes, é necessário tolerância com os outros, em todas as circunstâncias.

Não sei se é transtorno meu, mas me considero uma pessoa essencialmente boa. Como é então que 49% dos pesquisados responderam que eu os trato asperamente? Vou tratar de mandar fazer outra pesquisa daqui a seis meses, procurando tratar gentilmente a todos de hoje em diante. Eu vou mudar para melhor o índice nessa próxima pesquisa, nem que seja a muque.


27 de setembro de 2011 | N° 16838
DAVID COIMBRA


Anos dourados

Os tempos dourados sempre estão em alguma praia do passado. Do presente você tem queixas. Você faz planos, você espera que as coisas melhorem, você acha que mais adiante terá um emprego melhor, com um salário melhor, uma casa melhor, uma mulher melhor, uma vida melhor.

Aí os anos passam e aquele presente do qual você reclamava, transformado em passado, transforma-se também em “tempos dourados”. Você suspira e lembra de como era bom o seu emprego, a sua casa, a sua mulher, a sua vida... Mas agora tudo já se foi. Que pena. Que saudade.

Isso é assim com os homens e com as sociedades. Estava lendo agora que os egípcios de dois mil anos antes de Cristo recordavam cheios de nostalgia os tempos de 2.500 anos antes de Cristo, aqueles, sim, para eles, anos dourados.

Já os gregos da época de Péricles, no século 5 a.C., falavam com nostalgia dos gregos da época de Aquiles, que teria matado troianos por volta do século 12 a.C. Em compensação, os gregos do tempo de Alexandre, no século 3 a.C., chamavam o tempo de Péricles de “idade de ouro”, enquanto os gregos de hoje erigem estátuas para homenagear Alexandre, que , para eles, elevou a Grécia ao ponto mais alto a que chegou a Humanidade.

E assim por diante. O melhor da vida nunca é aqui e agora, sempre ficou para trás. Na verdade, esse culto ao tempo que já se foi não passa de uma perda de tempo.

É por isso que desconfio de quem fica suspirando por um passado inacessível. Em muitas coisas o mundo, hoje, está melhor. O mundo está mais igualitário. As pessoas que têm menos e que podem menos são protegidas por mais direitos. Certas crueldades são repudiadas quase que universalmente.

A democracia, a higiene e a liberdade transformaram-se em bens inquestionáveis. A natureza, a infância e as mulheres são defendidas institucionalmente. O mundo está menos supersticioso, menos moralista. O sexo é encarado com mais naturalidade. As relações interpessoais são menos formais.

Gostaria de ter nascido agora, para aproveitar melhor um tempo melhor que ainda virá.

Mesmo assim, reconheço que em alguns aspectos o mundo piorou. Tornou-se mais superficial, mais rasteiro, menos cordial, muito menos educado. As pessoas exercitam livremente sua agressividade, sobretudo sua agressividade verbal, são mais egoístas do que jamais foram, menos respeitosas, mais intolerantes, mais fúteis, e a vulgaridade transformou-se quase em um predicado.

A tal velocidade da vida não fez a vida mais ágil, só mais apressada. Ninguém hoje admite, por exemplo, passar uma semana sem ver seu time jogar pela TV. Isso, no âmbito do futebol, é bom: todos veem todos os jogos a todo momento. Ao mesmo tempo, o futebol, em especial o futebol brasileiro, também se tornou mais superficial e menos sofisticado. O século 21 não viu nenhum supertime no Brasil.

Nos anos 70 havia o Inter de Falcão, Carpegiani e Figueroa, havia a supermáquina do Fluminense de Rivellino, havia o Palmeiras de Ademir da Guia e Luizão Pereira, havia o Vasco de Roberto Dinamite, o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Tostão, o Atlético de Toninho Cerezzo e o chamado “time do bagaço” do Botafogo de Jairzinho.

Nos anos 80 havia o Grêmio de Renato, Paulo César Caju e De León, o Flamengo de Andrade, Adílio e Zico e o Corinthians de Sócrates e Casagrande. Nos anos 90, o São Paulo de Telê Santana, o Grêmio de Felipão e o Palmeiras de Luxemburgo.

Nos século 21, o que se vê são as forças do futebol brasileiro aos poucos atravessando o Atlântico e se dissolvendo na Europa. O que havia de requintado e diferenciado no futebol brasileiro foi incorporado pelos clubes europeus, ao passo que o futebol brasileiro perdeu a vitalidade.

O resultado é demonstrado claramente pela Seleção Brasileira, uma seleção comum, formada por jogadores comuns. Não há mais um Falcão, um Zico, um Rivellino, sem falar num Pelé ou num Garrincha. Sem nostalgia, com duro realismo, há que se admitir: foram-se os tempos dourados, eles estão lá atrás, no passado, e talvez não voltem nunca mais.


27 de setembro de 2011 | N° 16838
FABRÍCIO CARPINEJAR


Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Se você já foi um universitário ou tem um filho na universidade, entende o valor da temida sigla TCC.

TCC é tudo. O resto é nada. Você é nada, uma ameba, um protozoário perto de um TCC.

O Trabalho de Conclusão do Curso é a greve de existir do jovem. Faz o vestibular parecer um feriado.

O TCC é a TPM do Ensino Superior, a cadeira derretida do inferno, a desculpa para não realizar mais nada.

Não se vive com um TCC. A monografia final da graduação é a fita azul que enrola o canudo, é a provação derradeira para emoldurar o diploma, é o que separa o capelo do céu.

Na teoria, a tarefa se exibe fácil. Arrumar um tema, depois juntar material de pesquisa, atender aos conselhos de um professor orientador e, por fim, escrever 60 páginas. O fim nunca se encerra. No momento de pôr as ideias na tela, o último semestre demora mais três e o pânico devora as letras do teclado como um vírus.

O TCC é o Gulag do adolescente, o exílio solar, a solidão noturna. É o bilhete de suicídio prolongado em livro. É o mesmo que receber simultaneamente a notícia de gravidez e esterilidade.

Não se é humano com o TCC. É um crime se divertir, arejar a cabeça, brincar durante o período. A expectativa de solucionar um problema da carreira a partir de um texto acadêmico torna-se o problema. O futuro ganha o sinônimo de PRAZO ESGOTADO. A esperança tem o subtítulo ANOTAR ALGUMA COISA, QUALQUER COISA, POR FAVOR, ME AJUDA. O sujeito não tem mais passado, mas BIBLIOGRAFIA. Não existe lembrança, e sim FONTE.

Muito fácil reconhecer o graduando na rua. Andará vagaroso, vidrado nos cadarços soltos do próprio tênis, rosto maltratado, remela nos olhos, roupas sobrepostas de quem se acordou agora e pegou as primeiras peças pela frente. Demonstrará irritação e uma dificuldade de entender a lógica do idioma. É um poço de culpa, ou porque não dormiu para estudar, ou porque dormiu e não estudou.

Algumas respostas básicas de um universitário redigindo o TCC:

Você namora? – Não posso agora, estou preocupado com o TCC.

Vamos tomar um café no fim de tarde e pôr o papo em dia? – Não dá, tenho que fazer o TCC.

Que tal Green Valley no domingo? – Nem pensar, estou com o TCC parado.

Topa churrasco de noite? – Nunca, não avancei no TCC.

Um cineminha hoje, para descontrair um pouco? – Desculpa, estou atrasado para o meu TCC.

Onde você está? – Tentando achar uma posição confortável para escrever meu TCC.

Você leu a crônica de Carpinejar em Zero Hora? – Não, só leio o que interessa ao meu TCC.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011



26 de setembro de 2011 | N° 16837
ARTIGOS - Paulo Brossard*


Incompetência ou conivência

Nos poucos meses da presidência iniciada em janeiro, na esfera administrativa, aconteceram coisas jamais vistas nem imaginadas, ainda que os nossos costumes nem sempre fossem imaculados. Basta dizer que dos cinco ministros que deixaram o governo, quatro foram faxinados, não porque os serviços estatais houvessem apurado incorreções mais ou menos graves em suas gestões, pois nenhum tivera sua revelação creditada a ele, mas todos, sem exceção, a órgãos de comunicação.

Aliás, longe de ser irrelevante, esse dado é da maior importância, pela simples razão de que não fora a imprensa, ou a mídia, como hoje se diz, nada autorizaria supor que eles viessem a ser inventados e publicados. O fato é bastante para indicar que alguma coisa está torta na administração.

Mas a gravidade da ocorrência não se esgota aí, antes suscita outra delicada questão. Enquanto a nação recebeu essas novidades com nojo e indignação, os serviços oficiais, tão zelosos em devassar a vida de pessoas honradas, guardaram sepulcral silêncio, sem uma só ação ainda que retardatária, como se o assunto lhe não dissesse respeito.

O mínimo que se pode dizer é que tudo isso parece estranho, tanto mais quando alguns serviços dispõem de meios praticamente ilimitados e impalpáveis a permitir que ninguém esteja livre de ser radiografado até em seus pensamentos. Já não falo no que tem ocorrido com a divulgação privilegiada de trechos inconclusos escolhidos por investigadores ocultos, como se caídos do céu.

Tudo isso concorre para tornar mais nebuloso o silêncio do governo. A propósito, já faz um mês da última revelação e até agora nada foi dito, nem mesmo que a lista está esgotada ou se ainda há coisas a serem aditadas.

Curiosamente, o governo, que anunciara uma faxina na área pustulenta, voltou atrás para dizer que a operação se referia à pobreza... versão que não repercutiu bem. E no recente congresso do partido oficial houve quem pretendesse encerrar a anunciada faxina, sob a alegação de que terminaria atingindo o governo do ex-presidente da República.

Nessa altura o silêncio oficial causou espécie, cada vez mais evidente que não só nada fez para apurar fatos de inegável relevo, limitando-se a receber passivamente a valiosa contribuição da imprensa, como calando em todas as línguas acerca da indolência de seus serviços. O efeito tem sido o pior possível. De muitas pessoas e de variados setores sociais tenho ouvido, em termos absolutos, que todos são corruptos.

Desnecessário dizer que não participo da simplicidade da apreciação. No entanto, desgraçado do país em que seus governantes mais altos e seus representantes mais categorizados são vistos, sem distinção, como delinquentes. O fato é que a revelação de todos os deslizes cometidos, para não dizer coisa mais adequada, se deve exclusivamente à imprensa, enquanto o governo só aparece depois da publicação. Peço perdão ao leitor pela insistência, mas vale a pena ressaltar, tamanha a impressão a mim causada.

Por fas e por nefas há quem pense que a omissão dos serviços oficiais se deve à incompetência ou à conivência. A alternativa é penosa. As coisas que deixam de ser feitas oportunamente subitamente se convertem em dissabores e amarguras. Ou muito me engano ou o silêncio oficial dá margem às piores ilações, na competência ou conivência, conivência ou incompetência! Que horror!

*Jurista, ministro aposentado do STF


26 de setembro de 2011 | N° 16837
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Santa Casa

Os mais atentos percebem, dobrando a esquina do Hospital São Francisco, em plena Independência, um renque de fachadas antigas. São idênticas umas às outras. No passado, os aluguéis dessas casas serviam de renda para a Santa Casa. O que foi investimento imobiliário de nossos bisavós, hoje significa investimento em cultura.

Por detrás dessas fachadas alguma coisa acontece. A Santa Casa decidiu pôr abaixo as casinhas, preservando-lhes as fachadas. Tudo dentro da lei e das regras do Patrimônio Histórico.

Aliás, a demolição revelou um rico acervo arqueológico composto de objetos farmacêuticos. Com o recinto obtido, a Santa Casa está construindo algo novo, dentro de uma estética contemporânea: é o Centro Histórico-Cultural.

O projeto é ousado, fazendo caber, no espaço útil, um teatro com 300 lugares, um foyer, uma biblioteca, uma sala de usos múltiplos, uma cafeteria, uma sala de educação patrimonial, um museu, um arquivo completo com suas oficinas de restauração e, naturalmente, uma sempre bem-vinda lojinha.

O provedor, José Sperb Sanseverino, explica que não se faz mistura de dinheiros, isto é: nada se tira do complexo hospitalar para usar no Centro Histórico-Cultural, e nada do Centro se utiliza nos hospitais. Sábia medida, pois isso permite desenvoltura administrativa e, ao mesmo tempo, faz calar as eternas vozes repreensivas.

A pergunta do leitor é: por falar nisso, de onde vem o dinheiro?

Como instituição que não tem pressa, foi-lhe possível estabelecer um plano de captação de patrocínios e de financiamentos via as leis de incentivo.

Quando, às vezes, o administrador cultural vê-se na tentação de desapontar-se com essas leis, por força de seus maus usos, a Santa Casa faz reviver a convicção de que é possível, sim, usar honestamente a Lei de Incentivo à Cultura, financiamento que provém da renúncia fiscal do Estado, e a Lei Rouanet, do Ministério da Cultura.

Sem protagonismos individuais – embora seja impossível não falar na historiadora Vera Barroso, que há 25 anos trabalha nos arquivos da Santa Casa, na arquiteta Ceres Storchi e na coordenadora técnica Rosani Porto – anonimamente todos colaboram para colocar de pé isto que parecia um sonho.

As obras estão avançadas, e alguns setores já funcionam.

Quando pronto, e isso acontecerá em 2012, o CHC irá vitalizar uma área urbana com escassos serviços ao cidadão. O Estado agradece esse exemplo de bem administrar recursos que os poderes públicos destinam à cultura.


26 de setembro de 2011 | N° 16837
PAULO SANT’ANA


Os que me sucedem

Meu neto Pedro Wainer tem 15 anos de idade e é campeão brasileiro de sabre, sei lá como lhe deu na cabeça disputar esse esporte.

Ele mora em São Paulo e anda por todo o Brasil em busca desses torneios de esgrima.

Ontem comemos massa no Copacabana, disputava-se um torneio de esgrima na PUC daqui. Ele comeu depressa e foi pegar o avião, esses meninos de hoje viajam como se fossem executivos e o impressionante neles é o senso de responsabilidade.

Manejam a Internet como eu nunca na idade deles consegui controlar a máquina de escrever, viajam sozinhos, compram passagens aéreas sozinhos, têm cartão de crédito pessoal. O Pedro, por exemplo, já está no primeiro ano do secundário e ameaça ser biólogo, embora o pragmatismo lhe deixe de olho no curso de Administração de Empresas.

Meu neto Gabriel Wainer também mora em São Paulo, é irmão de Pedro e tem 19 anos.

Eu quase não acredito que aquele menino nascido há 19 anos e que na ocasião me inspirou uma coluna intitulada O anjo Gabriel seja já um adulto, esteja trabalhando na empresa do pai e na semana passada tenha apresentado a sua primeira namorada a seus pais.

Gabriel é muito inteligente, escreve bem, já andou publicando artigos no Kzuka e por onde foi, nesses anos todos de escola, os professores perguntavam a ele se tinha alguém que escrevia bem na família.

Minha filha Ana Paula tem 23 anos e me pregou a seguinte peça: estudou três anos Veterinária e se transferiu para o curso de psicóloga.

Tem um amor arrebatado pelos animais, os cães a comovem a ponto dela se acercar deles e ministrar-lhes carinho afetuoso e insistente.

Ela largou a Veterinária, mas quer ser voluntária num serviço municipal que cuida dos animais de rua, julga sua vida inseparável dos animais que necessitam da atenção humana para sobreviver.

Esses garotos se juntam ao meu filho Jorge Antônio, de 40 anos, que se formou em Direito e está estudando Jornalismo no IPA, acha que é essa a sua vocação e eu agora também acho, tanto foi dele a insistência de procurar seguir essa carreira e minha a insistência para que ele se embretasse pelo meio jurídico.

Eu aconselho os pais a não se meterem na escolha da profissão dos filhos, é exclusiva deles essa decisão.

O Jorge Antônio me deu um neto, Luca, um sujeitinho espertíssimo que tem tiradas muito inteligentes, que são corujadas pela sua mãe, Clarice.

Gabriel e Pedro são filhos de minha filha Fernanda junto com o pai Sérgio Wainer. Fernanda está montando sua loja comercial de doces em São Paulo.

Essa é a minha sucessão, que dá ares de que dominará este século que me servirá de sepultura.

Lá vão eles, resolutos, em busca do seu destino. A diferença que existe entre eles e mim é que são dominados por um entusiasmo marcado pela curiosidade do que a vida há de proporcionar-lhes no futuro, mas todos parecem munidos da certeza de que eles é que construirão as suas carreiras, eles manobrarão o leme na direção do seu rumo.

Eu só fico de olho neles, distante, tolamente preocupado, amorosamente dedicado a essa turminha do barulho.


26 de setembro de 2011 | N° 16837
L. F. VERISSIMO


Beijos

Queria ser um homem moderno, mas tinha alguma dificuldade com o protocolo. Por exemplo: não sabia quem beijava. Quando via aproximar-se uma conhecida do casal, perguntava para a mulher, apreensivo, com o canto da boca: “Essa eu beijo? Essa eu beijo?” Nunca se lembrava.

Para simplificar, passou a beijar todas. Conhecidas ou não. Quando lhe apresentavam uma mulher, em vez de apertar sua mão, beijava-a. Dois beijos, um em cada face.

– Muito (muá) prazer (muá).

Outro problema era a quantidade de beijos. Já tinha dominado os dois beijos, estava confortável com dois beijos, quando a moda passou a ser três. Um dia a mulher comentou:

– Não sabia que você era tão amigo da Fulana (o nome verdadeiro não é este)!

– Beijo todas.

– Quantas vezes?

– Quem está contando?

Às vezes ele partia para o terceiro beijo e a beijada não esperava. Ou então esperava e ele não dava, e quando ele voltava ela já recuara. Não havia nada mais constrangedor do que oferecer a face para o terceiro beijo (ou o quarto, quando a moda passou a ser esta) e o beijo não vir. Ficar, por assim dizer, com a cara no ar enquanto a mulher se afastava, rezando para que ninguém tivesse notado. O problema da vida, pensava ele, é que a vida não é coreografada.

Aí os homens começaram a se beijar também. Tudo bem. Seu lema passou a ser: se me beijarem, eu beijo. Mas não tomava a iniciativa. Quando chegavam numa reunião, fazia um rápido levantamento dos presentes. Essa eu beijo duas vezes, essa três, esse me beija, esse não me beija, aquele já está me beijando quatro vezes...

Na outra noite, numa recepção de casamento, a mulher comentou:

– Você enlouqueceu?

– Me descontrolei, pronto.

– Você beijou todo mundo.

– Todo mundo estava beijando todo mundo.

– Mas beijo na boca?

– Foi só um.

– Mas logo o padre?!

Tomado por uma espécie de frenesi, depois de beijar uma fileira de conhecidos e desconhecidos, ele dobrara o padre pela cintura e o beijara longamente, como no cinema antigo.

domingo, 25 de setembro de 2011


FERREIRA GULLAR

Quando o bicho nos pegou

Nada impediu que o show "Opinião" se tornasse sucesso de público, a ponto de lotar com antecedência

Thereza Aragão e eu, com nossos três filhos, morávamos num apartamento da rua Visconde de Pirajá, 630, no trecho de Ipanema chamado Bar Vinte.

Nesse apartamento fui preso pela primeira vez, no dia em que os militares impuseram ao país o famigerado AI-5, mas, quatro anos antes, em meados de 1964, pouco depois do golpe, houve uma reunião, convocada por Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho), que daria origem ao Grupo Opinião.

Ninguém naquela noite falou nisso, porém. O objetivo do encontro não era fundar um novo grupo teatral, mas, antes de mais nada, voltar à ativa após a liquidação do CPC da UNE pela repressão militar.

Além dos donos da casa e de Vianninha, participaram da reunião Armando Costa, João das Neves, Pichín Plá e Paulo Pontes, todos ex-integrantes da CPC, e mais Nelson Xavier, ligado ao Teatro de Arena de São Paulo.

O propósito do encontro era montar um show inspirado num disco que Nara Leão acabara de lançar (com capa de Jânio de Freitas) intitulado "Opinião".

Vianninha propôs fazermos um espetáculo musical que reunisse Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale -uma moça de classe média, um malandro do morro e um sertanejo nordestino. Até aí, tudo bem.

O problema é que, como tínhamos integrado o CPC, contra o qual os militares moviam um processo por subversão, não podíamos aparecer como produtores do espetáculo. A polícia o proibiria de imediato. Que fazer então?

Foi aí que alguém sugeriu pormos, como produtor do espetáculo, o Teatro de Arena. A sugestão foi aprovada, mas teria de ser aceita pelos companheiros do Arena. Feito o contato no dia seguinte, a proposta foi acolhida e, então, Vianninha, Paulo Pontes e Armando Costa começaram a inventar o show, que se tornaria a primeira manifestação pública contra o regime de 1964.

Certamente, isso não estava explícito no espetáculo, mas, entre canções e tiradas engraçadas, defendia-se a democracia e condenavam-se o latifúndio e a desigualdade social.

Tomada a decisão de escrevê-lo, surgiu a questão de onde montá-lo. Prevaleceu a sugestão de Vianninha: montá-lo no mesmo local onde o Teatro de Arena se apresentara no Rio em 1959, isto é, numa arena improvisada no shopping center da rua Siqueira Campos.

Fez-se contato com seu proprietário, o senador Arnon de Mello, e acertamos montar ali um pequeno teatro de arena na área originalmente destinada à instalação de uma boate.

Com uma grana que sobrara do CPC, mandamos fazer um estrado de madeira que serviria de palco. A plateia foi constituída pelas cadeiras do cinema de um tio de Vianninha que falira e nos chegaram cobertas de lama seca, pois haviam ficado meses ao ar livre, acumulando poeira, debaixo de sol e chuva.

Nós mesmos as lavamos e, com a ajuda de dois operários, as parafusamos e montamos. Por isso é que, durante os espetáculos, se alguém se mexia na cadeira, ela rangia, mas isso não impediu que o show "Opinião" se tornasse sucesso de público, a ponto de ter casas lotadas com um mês de antecedência.

Àquela altura, os milicos já se haviam dado conta de que aquilo era coisa de comunista, mas não se atreveram a tirar de cartaz um espetáculo com tal aprovação do público.

Em compensação, passaram a cortar e proibir quase tudo o que a classe teatral tentava montar.

Depois de "Liberdade Liberdade", chegou a vez de montarmos outra peça nossa, que foi "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come", escrita com o propósito deliberado de criar uma obra que, por sua qualidade estética, ganhasse os censores.

E os ganhamos: a peça foi montada sem cortes e mereceu todos os prêmios do teatro brasileiro naquele ano de 1966. Lembro-me de tudo isso com saudade, não daquela época de repressão e medo, saudade dos amigos, dos companheiros e companheiras, do nosso e dos outros grupos teatrais.

Lembro-me também de um fato engraçado. Ambrósio Fregolente, que fazia o papel de um coronel em "Se Correr o Bicho Pega", passou a trocar a fala "Comi a mulher de Brás das Flores" por "Comi o Brás das Flores", o que comprometia o herói da peça. Fui encarregado de falar com ele sobre isso, mas sua reação foi inusitada. Começou a gritar: "Kremlin, Kremlin, os comunistas estão querendo me censurar!".

É que dera para tomar umas e outras antes de entrar em cena.

DANUZA LEÃO

Perigosas tentações

O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas

ENCONTRAR UM antigo amor é sempre embaraçoso -e complicado. Um dos dois fez o outro sofrer, claro, por isso não dá para dizer (nem ouvir) um "oi, tudo bem?", que poderia soar como uma cruel indelicadeza.

Em lugares com muita gente é possível disfarçar, apertando os olhos e fingindo que ficou míope, por exemplo. Pode também atender o celular (que não tocou, mas dá para fingir que ele vibrou) e cortar a possibilidade de uma conversa.

E conversar sobre o quê? Política, o último filme? Sobre o passado? Difícil, um encontro desses, e quando essas duas pessoas tiveram um grande caso de amor há muitos e muitos anos, nunca mais se viram e o acaso fez com que eles se encontrassem, aí é muito grave.

Primeiro é o susto, seguido de uma fração de segundo para reconhecer -quem diria?- o que foi uma grande paixão.

Essa hesitação acontece com os dois; não que um tenha se esquecido do outro, mas tudo aconteceu há tanto tempo que, quando esse encontro acontece, a ficha leva alguns segundos para cair.

Ele vai tentar reconhecer nela aquela mulher que tanto amou -sem conseguir. Ela vai achar que o tempo foi cruel com ele, esquecida de que o tempo passou para ela também.

Mais do que qualquer ruga, foi a expressão do olhar que mudou. Por expressão do olhar entenda-se o brilho das ilusões dos 30 anos, das esperanças, da certeza de que o amor seria eterno.

O tempo passa e a vida vai nos fazendo menos crédulas e mais práticas; menos românticas, sobretudo.

Quando eles se olham, se dão conta de tudo isso e de muito mais; sabem que cada marca no rosto, cada fio de cabelo branco, é resultado de outros amores que aconteceram desde a última vez em que se viram, das experiências pelas quais passaram, um sem o outro. É a dolorosa constatação de que a vida passou. Para elas, é sempre pior, já que as mulheres costumam ser dramáticas.

Como é possível perguntar a um ex-grande amor o que aconteceu nos anos em que não se viram, se ele sofreu quando se separaram, se esqueceu, se se apaixonou de novo?

E não poder dizer que em todo esse tempo nunca surgiu outro homem que apagasse a lembrança de tudo que eles foram, que quando toca a música que era a deles seu coração ainda bate forte, e que ela nunca perdeu a esperança de que ele um dia aparecesse dizendo que foi tudo um grande erro, que queria ela de novo para sempre; como dizer isso a um homem que não vê há 20 anos?

Não dá, simplesmente não dá.

Quando esse encontro acontece e os dois vão, civilizadamente, tomar um vinho, a conversa pode ser perigosa, e é melhor que mintam e não mostrem fotos dos filhos. O que está feliz não fala, por delicadeza. E o outro, que não é infeliz nem feliz, também se cala. Problemas sentimentais podem ser contados a amigos, não a ex-amores.

Mas tem pior. É quando ela reencontra esse homem que não vê há tanto tempo, esse homem por quem teria feito todas as loucuras, e não sente absolutamente nada. E pensa: "Como é que eu perdi tanto tempo com esse cara?" A autoindulgência a poupa de pensar "como eu era boba".

Por essas razões e mais umas 500, é prudente deixar o passado em seu devido lugar; mas se acontecer um desses encontros e pintar a vontade de voltar no tempo, é melhor ser forte e resistir à tentação. Mesmo sofrendo, se for o caso.

Em certas coisas não se deve mexer, e o passado é, decididamente, uma delas.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Anomia e lei da selva

BRASÍLIA - O que significa anomia? Ausência de lei ou de regras. É exatamente o que ocorre quando o Legislativo se omite e não legisla. O que vive acontecendo.

Como um erro puxa outro, o Judiciário preenche o vácuo e acaba assumindo o papel de legislador. O que ocorre cada vez mais.

O último exemplo é o do aviso prévio. A constituinte de 1988 determinou que fosse proporcional ao tempo de serviço, com um mínimo de 30 dias. O Congresso teve 23 anos para regulamentar e não o fez, o mercado ajustou pelo mínimo e ficou por isso mesmo, até a Câmara, na última quarta-feira, estabelecer aviso prévio de até 90 dias.

Sem regulamentação, o Supremo pode fazer mandado de injunção ou ação direta por omissão, além de notificar o Congresso para corrigir a falha. No caso do aviso prévio, houve uma notificação em 1993, mas entrou por um ouvido dos parlamentares e saiu pelo outro. Havia cerca de 40 projetos, sem votação.

Segundo exemplo: o julgamento de greve no serviço público. A falta de regulamentação também criou uma situação esdrúxula e obrigou o STF a "legislar", transpondo a lei de greve da iniciativa privada para o setor público. Um quebra-galho.

Terceiro: o FPE (Fundo de Participação dos Estados), que pode chegar a 60% da receita de algumas unidades da Federação, como o Amapá. Como nunca foi regulamentado, não pode, ou poderia, ser aplicado.

Mas... ou muitos Estados vão à falência ou a Justiça fecha os olhos e o que é ilegal passa a ser corriqueiro.

Os exemplos são extensos e comprovam: 1) a desarticulação política entre os governos e o Legislativo; 2) o desvio de foco dos partidos e seus membros, mais ocupados com as disputas políticas do que com as leis; 3) o jeitinho brasileiro.

O Brasil, que caminhou tão bem em várias direções, continua assim vivendo a lei da selva.

elianec@uol.com.br

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Dilma e o cavalo de Troia

SÃO PAULO - Dilma Rousseff recebeu aplausos generalizados da imprensa brasileira. Veículos e colunistas em geral refratários a Lula e ao PT se derramaram em elogios ao discurso da presidente na ONU. Entre os chamados formadores de opinião, mesmo (ou sobretudo) os conservadores, essa atitude de quase espanto positivo em relação a Dilma -uma espécie de "Oh, muito bem!"- tem sido recorrente.

Não é o caso de retomar os tópicos da sua fala em Nova York. Basta dizer que ficou visível em várias passagens o acento pessoal do pronunciamento. Dilma fez questão de escrever ela própria certos trechos.

O ponto aqui é outro. FHC estava, afinal, certíssimo quando alertou o PSDB, naquele texto famoso sobre "O Papel da Oposição", de que era preciso encontrar formas inovadoras de conexão com as classes médias, caso contrário elas seriam atraídas para o campo petista. O tucano se referia à classe C emergente, com suas demandas novas, mas o raciocínio também se aplica ao eleitor tradicionalmente simpático ao PSDB.

A defesa intransigente dos direitos humanos, a imagem de quem combate a corrupção, o recato e os contrastes com o estilo de Lula -tudo compõe uma figura que é do agrado do mundo social a que pertencemos.

Mas é difícil discernir entre os que gostam de Dilma e os que gostam de gostar de Dilma porque não gostam de Lula. Nesse universo, de cada dez pessoas que batem palmas para a presidente, nove parecem fazê-lo exatamente porque ela seria uma espécie de negação do padrinho.

Diferenças entre eles existem, mas seria ingênuo demais pensar que Dilma e Lula se distanciam ou não estão jogando juntos. Isso não é verdade. Inclusive porque para cada admirador novo que Dilma conquista, Lula não perde nenhum que já tinha.

Quem sabe Dilma não seja, à revelia dela própria, o cavalo de Troia de que o PT precisava para conquistar a cidadela da classe média.

sábado, 24 de setembro de 2011



25 de setembro de 2011 | N° 16836
MARTHA MEDEIROS


O medo de errar

A gente é a soma das nossas decisões.

É uma frase da qual sempre gostei, mas lembrei dela outro dia num local inusitado: dentro do súper. Comprar maionese, band-aid e iogurte, por exemplo, hoje requer expertise. Tem maionese tradicional, light, premium, com leite, com ômega 3, com limão, com ovos “free range”. Band-aid, há de todos os formatos e tamanhos, nas versões transparente, extratransparente, colorido, temático, flexível.

Absorvente com aba e sem aba, com perfume e sem perfume, cobertura seca ou suave. Creme dental contra o amarelamento, contra o tártaro, contra o mau hálito, contra a cárie, contra as bactérias. É o melhor dos mundos: aumentou a diversificação. E com ela, o medo de errar.

Assim como antes era mais fácil fazer compras, também era mais fácil viver. Para ser feliz, bastava estudar (magistério para as moças), fazer uma faculdade (Medicina, Engenharia ou Direito para os rapazes), casar (com o sexo oposto), ter filhos (no mínimo dois) e manter a família estruturada até o fim do dias. Era a maionese tradicional.

Hoje, existem várias “marcas” de felicidade. Casar, não casar, juntar, ficar, separar. Homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher. Ter filhos biológicos, adotar, inseminação artificial, barriga de aluguel – ou simplesmente não tê-los.

Fazer intercâmbio, abrir o próprio negócio, tentar um concurso público, entrar para a faculdade. Mas estudar o quê? Só de cursos técnicos, profissionalizantes e universitários, há centenas. Computação Gráfica ou Informática Biomédica? Editoração ou Ciências Moleculares? Moda, Geofísica ou Engenharia de Petróleo?

A vida padronizada podia ser menos estimulante, mas oferecia mais segurança, era fácil “acertar” e se sentir um adulto. Já a expansão de ofertas tornou tudo mais empolgante, só que incentivou a infantilização: sem saber ao certo o que é melhor para si, surgiu o medo de crescer.

Todos parecem ter 10 anos menos. Quem tem 17, age como se tivesse 7. Quem tem 28, parece ter 18. Quem tem 39, vive como se fossem 29. Quem tem 40, 50, 60, mesma coisa. Por um lado, é ótimo ter um espírito jovial e a aparência idem, mas até quando se pode adiar a maturidade?

Só nos tornamos verdadeiramente adultos quando perdemos o medo de errar. Não somos apenas a soma das nossas escolhas, mas também das nossas renúncias. Crescer é tomar decisões e, depois, conviver pacificamente com a dúvida. Adolescentes prorrogam suas escolhas porque querem ter certeza absoluta – errar lhes parece a morte.

Adultos sabem que nunca terão certeza absoluta de nada, e sabem também que só a morte física é definitiva. Já “morreram” diante de fracassos e frustrações, e voltaram pra vida. Ao entender que é normal morrer várias vezes numa única existência, perdemos o medo – e finalmente crescemos.


25 de setembro de 2011 | N° 16836
TEMA PARA DEBATE


Educação: equivocados na base

Interessante, parece que os meios de comunicação estão fazendo eco às manifestações que, principalmente no início do atual governo federal, vêm sendo feitas de que a educação formal em nosso país está mal e que precisamos encontrar soluções para melhorá-la. Será que acordamos para o grave problema?

Entretanto, não vi e nem ouvi um comentarista ou político sequer apontar onde está o cerne do problema da nossa educação formal. Vários afirmam que devemos dar maior atenção ao ensino básico, no que estão certos. Outros insistem em que devemos melhorar os salários dos professores e as condições de trabalho dos mesmos, o que também é uma verdade.

Mas o mais grave, o pior e o mais urgente problema a ser corrigido na área educacional em nosso país está na alfabetização das nossas crianças.

A Comissão de Educação da Câmara Federal em 2003, na conclusão do seminário que realizou afirma: “Dentre os graves problemas que afetam a qualidade da educação no Brasil, nenhum é maior do que o da alfabetização das crianças”.

Em abril de 2006, o MEC torna público que: “O péssimo desempenho do Brasil nas avaliações nacionais e estrangeiras que medem a capacidade de leitura e escrita dos estudantes levou o Ministério da Educação (MEC) a questionar oficialmente a eficiência do modelo de alfabetização mais aplicado no país”.

As pesquisas nacionais e estrangeiras, há anos, comprovam que somos um país de analfabetos funcionais, pois quase 80% da população se encontra nesta condição, confirmando o que a Comissão de Educação afirma e respaldando a posição do MEC.

O principal método de alfabetização aplicado no Brasil é o do construtivismo e que se encontra estratificado em nosso país, “formando” analfabetos funcionais, alfabetizadores que não sabem instrumentalizar os novos cidadãos e atrasando o progresso da nação.

Se não houver uma mudança pedagógica, particularmente em relação à alfabetização, pouco resolverá pagar bem professores, equipar melhor as escolas, pois continuaremos com uma população majoritariamente de analfabetos funcionais, tendo em vista que nos encontramos pedagogicamente equivocados na base ou seja, na alfabetização.

Países desenvolvidos dispõem de ação pedagógica específica para a primeira série do Ensino Fundamental, por ser a base para tudo o que virá após, pois alfabetizar não é um processo que se desenvolva por anos, mas é função específica para o início da educação formal, na primeira série do Ensino Fundamental.

É possível termos perspectivas positivas se possuímos uma nação cuja população não sabe ler ou, se consegue ler, não entende o que leu, tendo como causa principal uma alfabetização malfeita?

Como corrigir esse equívoco? Ora, aplicando o construtivismo lógico, que em quatro meses as crianças são corretamente alfabetizadas. Mas isto não interessa para o status quo dirigente na área da educação.

Não temos escolha: ou mudamos na base, ou o país será travado em seu desenvolvimento, inicialmente de cada cidadão e por consequência da nação.

Qualquer argumento esmorece diante deste fato. Esta é a realidade que nos aflige e que os dirigentes da área educacional e dos cursos de magistério não conseguem ou não fazem questão de enxergar.

Portanto, mudemos para melhor a base que o resto melhorará por consequência.

AGENOR BASSO* | *Professor alfabetizador por mais de uma década, bacharel em Direito pela UFRGS


25 de setembro de 2011 | N° 16836
VERISSIMO


Revelações

Biografia sem uma revelação antes suprimida não tem graça

A posteridade não é mais um lugar seguro. Com a nova liberalidade, principalmente em matéria de sexo, as biografias agora contam tudo. Biografia sem uma revelação antes desconhecida ou suprimida não tem graça, ou não é biografia. Até as autobiografias precisam incluir confissões reveladoras, para serem confiáveis.

Existe um livro que diz explicitamente o que todos já desconfiavam: que J. Edgar Hoover, eterno diretor do FBI, defensor da lei, da ordem e dos bons costumes, caçador de comunistas e um notório durão, ia a festas vestindo um tutu rodado. John Kennedy, sabe-se agora, jamais perguntava a americanas o que seu país poderia fazer por elas, mas o que elas poderiam fazer pelo seu país ali mesmo, em cima da mesa do Gabinete Oval.

Durante os anos Kennedy, a maior ameaça à segurança dos Estados Unidos era alguma moça disparar foguetes nucleares contra a União Soviética com sua bunda, sem querer.

(E quando os mísseis soviéticos começassem a cair sobre Washington em retaliação, se ouviria da Casa Branca a voz de Kennedy gritando: “My God, isto é o que eu chamo de orgasmo!”.)

Em breve saberemos que Cristóvão Colombo desembarcou no Novo Mundo de mãos dadas com um marinheiro.

Que Átila, o Flagelo de Deus, era secretamente chamado pelos seus comandados de Rainha dos Hunos e vivia maritalmente com seu cavalo. Que mesmo durante a guerra Winston Churchill continuou reunindo-se todas as quintas com ex-colegas de escola para relembrarem as festas no dormitório, inclusive com as ligas pretas. E que certa vez Charles de Gaulle foi convidado para a reunião, chocou-se com o que viu, mas no meio da noite já estava só de combinação.

Alguns detalhes históricos serão esclarecidos. Napoleão enfiava a mão dentro da túnica seguidamente para ajeitar o soutien. Stalin tinha um bigode cor de rosa para usar em ocasiões especiais. Monsieur e Madame Curie eram a mesma pessoa. O doutor Frankenstein inventou a história do monstro criado no seu laboratório para justificar aquele halterofilista morando com ele.

Etc. etc.

Telefone (Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Isto é uma gravação.

Eu não estou aqui.

Fui pra rua, viajei

ou quem sabe morri.

Depois do sinal

deixe o recado.

Se não for palpite pra Sena, explicação do mundo, samba da Maria Rita, convite pra festa ou declaração de amor,

será desconsiderado.


25 de setembro de 2011 | N° 16836
PAULO SANT’ANA


Quem nos faz infeliz?

Ninguém tem o direito de tornar os outros infelizes.

A minha felicidade, de alguma forma, eu tenho a chance de construí-la, mas ela não pode ser destruída pelos outros. Se isso acontecer, está se verificando um desastre.

Há pessoas que tornam outrem infeliz sem consciência do dano tremendo que causam ao alvo do seu ataque.

Mas, muitas vezes, quem faz outra pessoa infeliz o faz por crueldade.

Eu não gosto de me fixar muito na maldade, ela é uma doença de quem a pratica.

Quero, no entanto, me fixar em quem infelicita os outros não tendo consciência disso.

Esse fato é muito frequente nas relações humanas.

Quero dirigir minha palavra para os chefes e para os que de alguma forma exercitam liderança no emprego, na família, em qualquer agrupamento social.

É muito difícil e delicado ser chefe ou líder. O centro dessa dificuldade é que o chefe tem o dever de respeitar a remota soberania dos seus liderados.

Deve auscultar a capacidade criativa e construtiva dos liderados e não permitir que ela seja desperdiçada. Quando isso acontece, o chefe está tornando infeliz o seu chefiado.

Eu diria que a melhor virtude de um chefe, de um líder, é tanto saber interpretar o silêncio dos seus liderados quanto fazê-los por alguma forma menos silenciosos. O chefe tem o dever de demonstrar a sensibilidade de permitir o desabafo dos seus chefiados.

A relação entre o chefe e o chefiado jamais poderá ser presidida pelo silêncio. Se o for, estará cavado o abismo. E o que me interessa é que esse abismo significa diretamente a infelicidade completa e lamentável do chefiado.

O pior é quando o chefe faz desse silêncio o seu método.

A fonte de infelicidade de uma pessoa não pode ser seu pai ou sua mãe.

Pai e mãe nasceram para fazer felizes os seus filhos, não há trauma maior na vida de uma pessoa que ser infelicitada por seu pai ou por sua mãe. Esse é um desastre tão imenso e, na maioria das vezes, irreparável quanto o de uma pessoa ser infelicitada por seu filho ou por sua filha.

A vida consiste também em ter-se a habilidade e a arte de não infelicitar os outros.

Não temos o direito de infelicitar ninguém. Só temos o direito de infelicitar a nós próprios.

Deus nos livre da sorte de infelicitarmos os outros.

E o pior é quando nas últimas contas, sem nos darmos conta, estamos infelicitando os outros no afã da nossa própria felicidade.

Cuidado, examine bem a vida que está vivendo e procure notar se você está infelicitando alguém. Se isso estiver ocorrendo, salde essa dívida com o seu infelicitado.

Há sempre tempo para parar de infelicitar os outros.

Por Altamiro Silva Junior

Fundos de pensão apostam em empresas menores

São Paulo e Florianópolis - Com a alta volatilidade da bolsa, os fundos de pensão resolveram reforçar as apostas em ações de empresas de menor porte, as small caps. Tradicionais compradores de ações mais líquidas, como da Petrobras e da Vale, os fundos estão se reunindo com empresas e analistas em busca de ações com potencial de valorização para melhorar os ganhos com a renda variável. As small caps, como são papéis com menor liquidez, costumam ser menos voláteis.

O interesse por esses papéis ocorre em um momento ruim para os fundos de pensão. Nenhuma fundação deve bater a meta atuarial em 2011, segundo estimativas da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar).

Mesmo no cenário mais otimista desenhado pela Abrapp, com a bolsa fechando o ano em 70 mil pontos, a previsão é de que os fundos tenham rentabilidade inferior à variação do INPC mais 6%, meta de rentabilidade da maioria deles.

Somente em 2008 é que os fundos não conseguiram superar a meta. Os fundos de pensão têm nada menos que R$ 545 bilhões de ativos aplicados no mercado financeiro, dos quais R$ 174 bilhões estão na bolsa.

O índice da Bolsa de Valores de São Paulo formado só por ações de empresas de menor porte (o índice de small caps) acumula queda de 12% nos últimos 12 meses, resultado melhor que o Ibovespa, o principal índice da bolsa, nesse período (queda acumulada de 23%).

Consultados pela Agência Estado, os executivos responsáveis pela carteira de investimento de vários fundos de pensão citaram alguns papéis que consideram interessantes. Entre algum dos nomes citados, estão Odontoprev, Kroton Educacional, Fleury, SulAmérica, Lojas Marisa, Multiplus.

Mercado interno

"Na bolsa, estamos procurando papéis principalmente ligados ao mercado de consumo interno", destaca Carlos Costa, diretor financeiro da Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, que conta com ativos de R$ 53 bilhões - dos quais 35% estão aplicados na bolsa. É em empresas ligadas a esse segmento que o executivo acredita estarem as maiores oportunidades em tempos de bolsa volátil. "Muitas empresas foram castigadas e estão com preços atrativos."

De acordo com o executivo, a Petros tem estratégias diferentes para aplicar na bolsa. Uma delas é comprar papéis de empresas como investimento de longo prazo, com participação maior e até assento no conselho de administração. É o caso, por exemplo, da BRF - Brasil Foods, Petrobras e da Ultrapar. A outra é buscar oportunidades de ganho no dia a dia do pregão, atrás de pechinchas. Nesse caso, estão incluídas as empresas de menor porte.

A CSU CardSystem, empresa que faz processamento de operações com cartões de crédito e débito, tem reuniões agendadas na próxima semana com alguns fundos de pensão em Brasília. "Vimos que os fundos estão interessados em ações de empresas menores e resolvemos fazer algumas apresentações", diz a diretora de relações com investidores da CSU, Mônica Molina.

Na avaliação de Mônica, um dos atrativos da CSU é exatamente o fato de a empresa operar com cartões, mercado que vem crescendo cerca de 20% ao ano há mais de dez anos. Há pouco mais de um ano, a CSU lançou uma plataforma para prestar serviços para novas empresas que entrarem no mercado de credenciamento de lojistas para bandeiras de cartões.

Eustáquio Lott, presidente da Valia, fundo de pensão dos funcionários da Vale, entende que, nesse novo cenário econômico, com juros em queda e bolsa oscilando, os fundos terão mesmo de buscar novas alternativas de investimento.

Entre essas alternativas estão as ações de empresas menores e outras opções de papéis emitidos por empresas, como debêntures. A Valia tem ativos de R$ 14 bilhões. "Vai ser muito difícil superar a meta (atuarial) este ano", disse Lott.

O Metrus, fundo de pensão dos funcionários do Metrô de São Paulo, com R$ 1,2 bilhão em ativos, também está aplicando em empresas de menor porte. A fundação pode comprar os papéis tanto de forma direta, via corretora, quanto por meio de aplicação em fundos de investimento dedicados a small caps, segundo seu presidente, Fábio Mazzeo. "São papéis interessantes e com potencial de valorização", disse o executivo.

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RUTH DE AQUINO

A paz é feminina?

Mulheres israelenses e palestinas cansaram de perder filhos e maridos. A solução depende delas

RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br

Helena, Júlia, Nadine. Três mulheres a favor da tolerância religiosa e contra o absurdo da guerra. Helena Salem, judia sefardita, teve de se passar por árabe para cobrir a Guerra do Yom Kippur como jornalista, em outubro de 1973.

Júlia Bacha dirigiu um documentário revelador sobre a resistência pacífica num vilarejo palestino, Budrus, que será lançado em DVD no Brasil em outubro.

Nadine Labaki, libanesa cristã, ganhou no domingo passado o Festival de Toronto, com seu filme encantador numa aldeia remota onde uma mesquita e uma igreja ficam lado a lado.

“O que é ser judeu? E árabe? E judia com nome árabe? Que guerra é essa? Só pode ser assim?”, escreveu Helena Salem em seu belo livro Entre árabes e judeus, publicado em 1991. “O que faz com que me sinta tão próxima do soldado israelense como do egípcio?

Será que eles não sabem que são tão parecidos? Como juntar aquela menininha que jurou nunca se casar na sinagoga com a mulher que agora assume uma identidade de árabe para poder circular livremente por Egito, Síria, Jordânia, Líbano, sem medo de ser molestada? Como ser, ao mesmo tempo, alvo de repúdio da colônia israelita e de desconfiança dos árabes? O que fazer com meus véus interiorizados de mulher judia oriental, que reconheço tão próximos dos véus que recobrem a face das mulheres árabes?”

Aos 22 anos, jornalista, Helena Salem foi conhecer o Cairo. Três dias depois, estourou a Guerra do Yom Kippur. Ela insistia em dizer que os palestinos não deveriam ser outro povo nômade, sem o chão de uma pátria. Ficava impressionada em como se sentia em casa numa mesquita no Cairo: “Mulheres em cima, homens embaixo, o canto choroso, conhecia tudo isso”. Divertia-se também em descobrir comidas parecidas: o folheado árabe semelhante à bureka, “a maior iguaria oferecida na casa de vovó Judith”.

Agnóstica, carioca, Helena teria hoje 63 anos. A injustiça da vida a levou precocemente, aos 50. Seu livro, que ela me deu num jantar em sua casa e que li de um trago só, traz muitas luzes para o que está em jogo na ONU: o reconhecimento do Estado palestino.
Mulheres israelenses e palestinas cansaram de perder filhos e maridos. A solução depende delas

Quando a carioca Júlia Bacha, de 30 anos, foi a Israel, tinha a mesma idade de Helena no Cairo: 22 anos. Fez a assistência de direção de Encounter point, documentário que mostra como mães israelenses e palestinas se reúnem em ONGs para buscar uma saída de paz. Júlia também dirigiu Budrus, que registra como um vilarejo palestino de 1.500 habitantes resistiu pacificamente ao muro planejado por Israel.

A cerca dividiria o cemitério ao meio, destruiria 3 mil oliveiras e ficaria a 40 metros da escola. Jovens ativistas israelenses e europeus aderiram ao movimento. E Israel mudou o muro de lugar depois de 55 manifestações ao longo de um ano.

“Tanto israelenses quanto palestinos vivem em sociedades machistas onde o Exército ou a luta armada acabam por valorizar os homens”, diz Júlia. “As mulheres e as mães estão cansadas de perder seus filhos e maridos. Em Budrus, a cena mais tocante acontece quando a menina Iltezan, de 15 anos, se joga no buraco feito pela escavadeira do trator e ali se senta, pequena e impassível, diante da máquina.” Iltezan arriscava a vida para defender as oliveiras. Sem jogar uma pedra, uma granada.

Na semana passada, assisti ao filme E para onde vamos agora?, de Nadine Labaki, libanesa de 37 anos. Numa aldeia, as mulheres cristãs e muçulmanas se unem para evitar novos lutos. Desligam os fios da única televisão da praça. Queimam os jornais que relatam conflitos. Escondem as armas.

Contratam dançarinas ucranianas para distrair os maridos. Mas palavras ou gestos enviesados continuam a provocar brigas entre os homens. Um dia, as cristãs despertam com véus pretos e chamam seus maridos para a mesquita. E as muçulmanas acordam de vestidos leves, braços e pernas de fora, chamando os maridos para a igreja. Eles acham que todas enlouqueceram.

Não sei se a paz é feminina. Mas talvez dependa, sim, da força, da persuasão e da tolerância das mulheres. E do desejo profundo de não mais chorar por seus homens.


24 de setembro de 2011 | N° 16835
DAVID COIMBRA


Como um homem escolhe o amigo

Há quem diga que os amigos de verdade se mostram nas horas difíceis.

Bobagem.

É muito fácil ser amigo nas horas difíceis. A pessoa está frágil, está precisando de ajuda, e você lhe dá uma esmola de atenção, ou se torna presente num determinado evento, e é o que basta.

Não. Isso não basta. O amigo de verdade você conhece no dia a dia, nas pequenas ocorrências da vida. O amigo de verdade é aquele que demonstra respeito por você, que demonstra prazer com sua companhia e que demonstra interesse em partilhar com você os episódios comezinhos da vida dele e da sua.

Não falo de dividir sentimentos. Não. Dividir sentimentos também é fácil. Qualquer mulher divide os seus sentimentos com outra mulher. E você acha que elas são amigas? Nada! Ela vai lá, queixa-se para a outra, desabafa e, quando segue cada uma para um lado, ela chama a outra de falsa. Falar sobre sentimentos é tão fácil que você pode fazê-lo com um completo desconhecido, alguém que o escuta a soldo e com diploma na parede.

O amigo está acima disso. O amigo jamais será grosseiro com você, mesmo quando você está de mau humor; o amigo estará sempre pronto sentar à mesa com você e falar de todas as pequenas coisas desimportantes da existência; o amigo entenderá quando você desmarcar o compromisso 15 minutos antes da hora marcada; o amigo aceitará marcar o compromisso 15 minutos antes da hora marcada; o amigo preocupa-se com você, mas não se importa com os seus erros; o amigo ri de você na sua frente e briga quando alguém ri de você às suas costas.

Esse é o amigo.

O amigo será sempre leal, mesmo que não esteja sempre presente.

Como é que um homem escolhe outro homem para ser seu amigo? Não é uma opção intelectual, nem lógica.

Estava vendo agora os resultados das pesquisas que indicam os motivos que fazem um homem escolher um clube para torcer. Por causa do pai, por causa do amigo, por causa das vitórias. São razões plausíveis. Mas existem algumas imponderáveis, algumas que um torcedor não sabe explicar.

São razões que estão além das afinidades eletivas, razões semelhantes àquelas que um homem tem para escolher o seu amigo. São razões da alma, profundas, secretas, que o homem nem sabe direito quais são, mas que estão lá. Que fazem com que ele se torne um torcedor fiel e um amigo leal. Para sempre.

O melhor time do mundo

O esquema de jogo que é o pai de todos os esquemas de jogo é o 4-3-3. Esse sistema é o que dispõe de forma mais equilibrada os jogadores num campo de futebol. Mas o 4-3-3 ideal é o que conta com alguns jogadores bem característicos. De preferência assim:

Dois brutamontes dentro da área, ambos altos e bons cabeceadores. Um mais técnico, “o que fica”; outro mais rápido, “o que sai”. Nas laterais, dois jogadores de fôlego, que conseguem ir ao ataque e voltar para a defesa sem se cansar. Os dois marcam bem e cruzam bem. Mais não precisa.

O centromédio é forte, alto e tem bom passe. Tudo de bom começa por ele e tudo de ruim termina nele.

Os meias têm de ser movediços, têm de correr muito, os tais que “estão em toda parte”. Não precisam ser marcadores implacáveis como o centromédio, mas têm de combater, têm de ir e vir como os laterais. Só que os laterais vão ao fundo do campo e os meias entram na área. Os meias TÊM de entrar na área e saber fazer gol.

Os pontas, ou atacantes, como preferir, haverão de ser rápidos. Um deles tem de voltar para ajudar no meio campo. O outro tem de ser artilheiro.

O centroavante pode ser pequeno ou grande, pode ser lento ou rápido, pode ser o que quiser, desde que faça gol.

Pronto. Esse é o melhor time que se pode fazer. O velho 4-3-3, sem mistérios, sem dores. O resto são variações com outros nomes. É assim, sempre foi, sempre será.