sexta-feira, 30 de setembro de 2011



30 de setembro de 2011 | N° 16842
DAVID COIMBRA


A liberdade desprezada

Dias atrás, o jornal publicou uma notícia espantosa: um americano que havia sido preso nos anos 80, tendo cumprido a pena e vendo-se enfim em liberdade, estranhou o mundo exterior, sentiu saudade da vida na prisão e resolveu voltar. Para tanto, ateou fogo a uma casa vazia, apresentou-se à polícia e confessou o crime. Como queria, foi preso mais uma vez. Agora está na cadeia novamente, realizado e feliz.

Histórias do gênero são mais ou menos comuns. Algumas pessoas ficam tanto tempo presas, que a readaptação à sociedade se torna quase impossível. Mas não é isso que espanta nesse caso, e sim o que o ex-presidiário alegou ter impedido a sua reintegração à comunidade. Disse ele que não conseguia aprender a usar computador, internet e telefone celular.

O significado disso é de arrepiar: as pessoas estão de tal maneira vinculadas às tecnologias de informação, que os excluídos do mundo virtual se sentem excluídos do mundo real. Ou seja: as pessoas, hoje, se relacionam muito mais via internet ou celular do que fisicamente, olho no olho. Fenômeno que, é óbvio, ocorre muito mais nos Estados Unidos, mas cada vez mais também no lado de baixo do Equador.

Tenho alguns amigos que padecem desse mal. Precisam estar sempre conectados, ou sentem que estão perdendo alguma coisa importante que está acontecendo em algum lugar. Você está diante deles, olhando para eles, mas eles têm de ficar passando o dedo no celular, conversando via mensagem escrita com alguma outra pessoa que, decerto, está falando algo muito mais interessante. É irritante. Dá vontade de levantar e ir embora.

Sei, portanto, como se sentiu o infeliz ex-presidiário norte-americano. Ele estava na rua, tentando se comunicar com as pessoas, mas ninguém lhe dava bola, não prestavam atenção ao que ele dizia, só se concentravam no Facebook, no MSN, no Twitter ou no que quer que estivesse acontecendo nesse mundo de éter e fibra óptica. Mas não era éter e fibra óptica que ele queria. Não é o que quero, tampouco. Quero, queremos, carne e osso. E algum coração.

O homem que se separa age como o ex-presidiário. Enquanto ele está casado, suspira de nostalgia pela feérica e docemente irresponsável vida de solteiro. Então ele se separa, está livre, tem o mundo inteiro a conquistar. Mas a liberdade, em vez de torná-lo leve, o oprime.

Em seis meses, o homem separado se casa de novo. Por quê? Porque, entre as paredes do presídio ou entre as paredes do matrimônio, o homem encontra a segurança dos dias sempre iguais. A rotina, o homem anseia pela rotina, porque, na rotina, ele sabe o que vai acontecer, ele não corre riscos. A liberdade é perigosa porque, em liberdade, o homem está exposto ao desconhecido.

Há quem diga que a liberdade é o bem maior do ser humano. Bobagem. A liberdade é superestimada. O maior bem a que aspira o ser humano é a segurança. Mesmo que seja atrás das grades de uma cadeia. Ou na prisão matrimonial.

Nenhum comentário: