sábado, 24 de setembro de 2011



24 de setembro de 2011 | N° 16835
CLÁUDIA LAITANO


Branco como a asa da graúna

Salvo esforço de superação nos próximos meses, o mico do ano na categoria publicidade já tem um vencedor. Penhorada de constrangimento, a Caixa Econômica Federal foi obrigada a suspender esta semana a veiculação da campanha em que o escritor Machado de Assis (1839 –1908) aparece branco como a asa da graúna albina.

“O banco pede desculpas a toda a população e, em especial, aos movimentos ligados às causas raciais, por não ter caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com a sua origem racial”, disse o presidente da Caixa, Jorge Hereda, em nota redigida no mais castiço politicamente correto. (Não pude deixar de imaginar como um “R” no meio do “banco” deixaria a nota, se não mais honesta, pelo menos mais engraçada.)

Com todo o respeito aos movimentos que defendem a causa da igualdade racial, suspeito que o fiasco que acabou indo ar – depois de passar, imagino, pelo crivo de redatores, equipe de produção e funcionários da área de marketing da Caixa – tem menos a ver com qualquer tipo de discriminação do que com a democraticamente disseminada irrelevância da literatura no país – ou alguém imagina um comercial argentino mostrando Borges fazendo tricô?

O Machado branquela não é uma aberração racista, mas a consequência natural do analfabetismo literário da classe média – a extração social mais comum de publicitários, bancários, jornalistas, administradores e diretores de marketing.

Fato: a maioria dos que frequentaram boas escolas no Brasil nunca leu um livro de Machado por gosto e mal entende por que ele costuma ser acompanhado do epíteto de “maior escritor brasileiro”. Muitos leram Dom Casmurro ou Memórias Póstumas para preencher as questões da prova do vestibular, mas até esses leitores compulsórios correm o risco de desaparecer em breve, uma vez que as questões sobre literatura estão desaparecendo do Enem, conforme estudo sobre o assunto que está sendo coordenado pelo professor Luís Augusto Fischer na Pós-Graduação em Letras da UFRGS.

“O Enem tende a tratar o texto literário como um texto qualquer. Forçando um pouco, dá para dizer que o Enem tende a tratar um poema de Drummond ou um conto de Machado de Assis no mesmo nível de uma reportagem de jornal, uma tira em quadrinhos ou um anúncio publicitário”, afirma o professor em artigo publicado em agosto no jornal O Globo.

Além de branco, o Machado da Caixa é parnasiano nos modos e na pose – o bancário dirige-se a ele chamando-o de “doutor”, o que é muito sintomático da forma como o Brasil encara o mundo letrado: muito distinto e importante, mas ele lá, e eu aqui.

O verdadeiro Machado, o gênio em nada aborrecido, permanece à espera dos leitores brasileiros. São bem-vindos não apenas aqueles da nova classe média, que apenas agora podem começar a sonhar com a educação formal e a possibilidade de comprar livros, mas também os prósperos alunos de cursos de MBA mundo afora.

Dinheiro é bom e vai ajudar nosso país a crescer, mas só a cultura civiliza – e permanece.

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