sexta-feira, 23 de setembro de 2011



23 de setembro de 2011 | N° 16834
DAVID COIMBRA


Uma bandeira fincada no morro

Lembro daquela bandeira do Brasil hasteada bem alto em um morro do Rio no ano passado. Os brasileiros olhavam para aquela bandeira e se emocionavam. Ali tremulava o símbolo do Estado que retomava o território outrora ocupado pela bandidagem. O povo simples e ordeiro enfim podia andar em paz pelas favelas, livre do exército do tráfico que o oprimia diariamente.

Lembro do país em uníssono festejando as ações das forças de segurança, as cenas que deixaram o mundo perplexo: bandidos aos milhares esgueirando-se feito baratas pelos caminhos de terra dos morros, fugindo sem camisa, mas com fuzis nos ombros nus, embretando-se nos matagais, empoleirando-se em camionetes, sumindo. Houve quem proclamasse a “vitória do Bem sobre o Mal”.

Não sou mais esperto do que ninguém. No entanto, sobre esse assunto específico, tinha lá outra opinião. Uma opinião pessimista, cética, francamente desmancha-prazeres. Na época escrevi:

“Se todos aqueles milhares de bandidos forem mortos ou presos, todos eles sem exceção, se TODOS forem eliminados, nada mudará. Em seis meses, os níveis de criminalidade retornarão aos atuais patamares. Porque o fornecimento de material humano para a bandidagem não foi interrompido”.

O fornecimento de material humano não foi interrompido, como se sabe e, como se sabe, dias atrás os bandidos reagiram, travaram combate com a polícia no Morro do Alemão supostamente pacificado e mostraram que continuam fortes e ativos. Desta vez, não se fez tanto alarde. A notícia foi tratada como corriqueira. Pelo seguinte motivo: trata-se mesmo de uma notícia corriqueira.

A ação do Estado, no ano passado, foi elogiável, sim, porque cabe ao Estado a repressão. Mas a repressão incide só sobre a consequência, não sobre a causa. E a causa está, exatamente, no corriqueiro da vida, no que se repete lentamente, inexoravelmente.

O Brasil é um país de famílias desintegradas, de escolas mal geridas e de um Estado sem plano a longo prazo. Parece heroico mandar tropas morro acima para enfrentar o tráfico. Não é. É fácil. Assim como é fácil distribuir o dinheiro como doação em forma de bolsas.

A República romana já fazia isso 2 mil anos atrás. O difícil é traçar projetos claros de infraestrutura; é tirar as crianças da rua para colocá-las em escolas sólidas que não sejam conduzidas pelo democratismo; é transformar o problema das drogas em caso de saúde, não de polícia.

O Brasil está sempre combatendo a febre, jamais a infecção. Nunca na história deste país, se prendeu tanto, e a criminalidade continua firme. Nunca na história deste país, o Estado distribuiu tanto dinheiro aos pobres, e a pobreza continua firme.

Nunca na história deste país, se protestou tanto contra a corrupção, e a corrupção continua firme. As causas continuam lá, impávidas, mesmo que as consequências desapareçam por algum momento. Um breve momento. Tudo voltará a ser como sempre foi, no Brasil, porque, na essência, o Brasil continua o mesmo.

Nenhum comentário: