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domingo, 11 de setembro de 2011
FERREIRA GULLAR
11 que parece 13
Que algo iria acontecer, não tinha dúvida. Mas não me passou pela cabeça que seria no dia seguinte
Eu, modéstia à parte, não nasci no dia 11 de setembro, mas no dia 10. Logo, meu aniversário foi ontem. Felizmente, porque, hoje, dia 11, há dez anos, ocorria o atentado que destruiu o World Trade Center, em Nova York. Esse dia 11 de setembro me deixa grilado. No dia anterior, em 2001, pela enésima vez, minha amiga Ceres Feijó tinha reunido nossos amigos em sua casa para comemorarmos meus 71 anos.
Embora eu não seja de tomar porres, bebi cerveja e vinho naquela noite e acordei com uma leve ressaca. Foi quando tocou o telefone: era Ceres me avisando de que alguma coisa muito errada estava se passando e pedindo que eu ligasse a TV. Liguei, vi um avião arremessar-se contra as Torres Gêmeas e explodir. Mal acreditei no que via e, ainda assim, outro avião se aproximou e também se chocou contra o edifício. Naquela manhã de 11 de setembro, o mundo assistira perplexo a um fato que mudaria a sua história.
Passado o espanto inicial, me dei conta de que, naquela mesma data, 28 anos atrás -ou seja, em 11 de setembro de 1973-, um golpe militar pusera abaixo o governo de Salvador Allende, presidente do Chile.
A diferença é que não assisti a esse fato de longe, pela televisão: eu estava em Santiago e aquele golpe punha em risco a minha própria segurança. Na véspera, eu completara 43 anos de idade, sem festa.
Sem festa e sozinho naquele apartamento do conjunto residencial de Providência. Chegado de Moscou havia apenas cinco meses, mal tomara pé na situação, senti no ar um cheiro ruim: cheiro de golpe militar.
Nem todo mundo concordava comigo, uns porque acreditavam no caráter profissional do Exército chileno, outros porque não queriam admitir o desfecho previsível.
Já eu, recém-chegado de fora, tinha mais isenção para ver o que acontecia. Era insustentável um governo de esquerda com uma inflação que me permitia pagar cinco dólares pelo aluguel de um apartamento de três quartos, com uma greve de caminhoneiros que já durava meses e um desabastecimento que tornava quase impossível comprar arroz, café, açúcar; carne, então, nem falar. É que a burguesia chilena, anti-Allende, comprava tudo o que era posto à venda, esvaziando as prateleiras dos supermercados.
A senhora chilena que cozinhava para mim e arrumava a casa um dia confessou: "Se soubesse que ia dar nisso, não tinha votado no doutor Allende". Sem falar nos atentados de Patria y Libertad, organização de extrema-direita. Por outro lado -fora o partido comunista chileno, que mantinha os pés no chão-, os demais aliados do presidente socialista tudo faziam para provocar os militares.
Chegaram a publicar um livro insultando o general O'Higgins, pai da pátria chilena. Como se não bastasse, clamavam pelo fechamento do Congresso e tornaram obrigatório o ensino do marxismo nas escolas. Era mesmo cutucar a fera com vara curta. Assistia a tudo aquilo apreensivo, sem saber o que seria de mim quando Allende caísse.
E foi assim que chegamos ao dia 10 de setembro de 1973. Tereza, minha mulher, que ficara no Brasil com nossos filhos, me telefonou. Não foi uma conversa muito alegre, mas era confortante ouvir a voz dela e de meus filhos, suas palavras carinhosas. No final, ela me disse que estava disposta a vir com eles para me encontrar em Santiago. "Vamos marcar a data", sugeriu ela. Respondi que era melhor esperar mais um pouco. "Mas esperar por quê?" "Porque a coisa aqui está preta", respondi eu. "Tudo pode acontecer. Vamos dar um tempo."
Que alguma coisa iria acontecer, não tinha dúvida. Mas não me passou pela cabeça que seria no dia seguinte àquele telefonema, como foi.
Acordei cedo naquele 11 de setembro e saí para comprar leite na esquina. Ao cruzar a rua, vi um sujeito dizer alguma coisa a outro, que saiu andando apressado.
Aproximei-me e perguntei se tinha havido alguma coisa. "Derrubaram Allende", disse ele. Corri para casa e liguei o rádio. Allende conclamava o povo a resistir. A rádio saiu do ar. Pensei um instante, pus meus poucos dólares sob a palmilha do sapato e saí ao encontro dos companheiros para resistirmos ao golpe, conforme o combinado... O resto já se sabe. Acho bom cruzar os dedos, porque hoje é 11 de setembro de 2011.
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