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sexta-feira, 9 de setembro de 2011
09 de setembro de 2011 | N° 16820
PAULO SANT’ANA
O carneiro montanhês
Ontem, escrevi sobre as pessoas que parecem uma coisa e são outra bem diferente.
Vejam o caso de meu amigo Fernando Soler, da casa de tango Señor Tango, onde me chama para o palco para cantar, todas as vezes que vou a Buenos Aires.
É um homem encantador, poético, jovem, bonito, grande cantor. Então, o que há por trás dele?
Pois ele próprio me contou. Viaja duas vezes por ano ao Canadá, até Vancouver. Depois, fica três dias escondido em uma barraca, à beira de uma montanha.
E se arma de uma carabina com luneta, sobre a montanha. Lá, num lugar qualquer, fica à espreita de carneiros montanheses, um animal estupendo, do tamanho de um novilho.
E o momento de maior felicidade do meu amigo Fernando Soler é quando, de 150 metros a 200 metros de distância, deitado na mira, puxa o gatilho de sua espingarda e vê lá adiante, no seu alvo, o carneiro montanhês tombar morto.
E o meu amigo Soler me mostra a fotografia colorida dele ao lado de seu troféu. O carneiro parece vivo, tem os olhos grandes bem abertos, os chifres lindos e simétricos fazem uma volta esteticamente perfeita. Ali está, diante dos meus olhos, aquela cena horrenda: o meigo carneiro e seu assassino, o meu amigo Fernando Soler, que a mim parecia, antes de me contar esta faceta, ser um homem ideal, perfeito, chefe de família e grande cantor – tudo isto ele sempre vai ser.
Mas vejam como as aparências enganam. Ele mora em Buenos Aires e atravessa a América para caçar indefesos carneiros montanheses no Canadá.
Mesmo assim, continuo seu amigo, mas, sempre que me encontrar com ele, vou vê-lo também como abatedor de carneiros.
Vai aparecer para sempre esta sombra na nossa amizade.
Pois foi preciso ir a Buenos Aires para conhecer esta história que vou agora contar. Quem me passou foi o próprio Fernando Soler.
Num dia qualquer do século passado, numa aldeia chilena, estava uma mulher que mais tarde seria a grande poeta chilena Gabriela Mistral, como professora de uma escola primária.
E ela perguntou ao aluno que estava na fila da frente da aula o que ele queria ser quando fosse grande. E o aluno, com oito anos de idade, que mais tarde se chamaria Pablo Neruda, o maior de todos os poetas americanos, disse que queria ser poeta quando fosse grande.
Anos mais tarde, aconteceu uma incrível coincidência: tanto Gabriela Mistral, não mais professora, quanto Pablo Neruda, não mais aluno, receberiam, em datas diferentes, o Prêmio Nobel de Literatura.
Foram os dois únicos chilenos premiados com o Nobel de Literatura em todos os tempos. A professorinha e o aluno que se encontraram 60 anos antes naquela escola de aldeia.
Recebo um apelo desesperado: “Por favor, me ajude. Estou com problema grave de família, meu avô está com câncer. Ele não tem plano de saúde e tivemos de levá-lo até o Hospital Conceição. Fizeram exames nele, mas o hospital não possui leitos, todos os pacientes, inclusive meu avô, estão sentados em uma cadeira de rodas na área verde do Conceição. Peço socorro urgente. Me chamo Carla de Souza Medeiros e meu telefone é 51-9318-7151”.
E meu coração se fez em pedaços quando li. Porque eu também tenho câncer, mas pude fazer tratamento.
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