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sábado, 17 de setembro de 2011
17 de setembro de 2011 | N° 16828
CLÁUDIA LAITANO
Um lugar no mundo
De vez em quando, no caminho para o jornal, cruzo por uma vendinha acanhada que soube sobreviver com intrépida valentia ao avanço dos supermercados e de um viaduto. Na parede externa, como chamariz para clientes em potencial que ainda se arriscam a caminhar pela calçada estreita e pouco frequentada, cartazes escritos à mão anunciam os produtos em oferta do dia : cuca, berga, salsichão, cacetinho...
Sempre que passo por ali, sinto um amolecimento de estrangeiro no exílio, uma ternura que sobrevive até mesmo à feiura do viaduto e do seu entorno. “Cuca”, “berga”, “cacetinho”, “salsichão” são palavras que despertam uma involuntária sensação de pertencimento: a uma língua, a uma cultura, a um lugar no mundo – o nosso. (Já pensei em parar para fazer uma foto e mandar como recuerdo para os amigos exilados, mas sempre desisto com medo de assalto, e isso também é muito pitorescamente local.)
Explico. Naquela parede descascada de um canto obscuro e sem charme da cidade, ali onde nada sugere beleza ou triunfo, ergue-se um pequeno monumento involuntário à nossa celebrada (por outros motivos) identidade regional.
Estão lá nosso jeito de falar encurtando as palavras, a culinária local e sua ênfase no básico consistente e até mesmo um desleixo estético nos cartazes que evoca nosso pragmatismo ostensivo. Nada de rimas alegres ou letras impressas com a fria eficiência do letraset: informação sem rodeios ou sedução mercadológica expressa com clareza de propósitos e concisão – a garranchos, por sinal.
Em um pedaço do mundo que se ocupa tanto da ideia que tem de si mesmo, é natural que surjam formas diversas de viver, ou celebrar, a própria identidade. O gauchismo que se comemora em setembro, esse do Acampamento Farroupilha e dos desfiles, é uma delas. Para quem está suficientemente de fora, olhando a distância a agitação em torno do parque crescer de ano para ano, fica claro que o nativismo nesse formato encontrou seu público.
Curiosos que passeiam por ali apenas no fim de semana misturam-se aos que tiram férias para viver mais intensamente esse grande parque temático da tradição campeira reinventada para a cidade. É difícil distinguir os dois públicos, o residente e o visitante, porque a vocação gregária do ambiente e seu tempero típico local impuseram-se acima da própria tradição cultuada.
O Acampamento Farroupilha é nosso fevereiro, nosso Arco do Triunfo, nossa Times Square – um lugar para levar as visitas e dizer: pois é, por aqui é assim.
Ao gauchismo de setembro, que mobiliza as multidões e atrai turistas, contrapõe-se, sem se opor, o que poderíamos chamar de gauchismo “íntimo”, esse campo magnético afetivo que nos liga a um lugar mais do que a qualquer outro – e não apenas porque nascemos nele, mas porque o escolhemos como ponto de referência e destino. Aquilo que nos comove num conto do Borges ou numa milonga do Vitor Ramil – e que de vez em quando até a palavra “berga”, solita, pode despertar.
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