terça-feira, 27 de setembro de 2011



27 de setembro de 2011 | N° 16838
DAVID COIMBRA


Anos dourados

Os tempos dourados sempre estão em alguma praia do passado. Do presente você tem queixas. Você faz planos, você espera que as coisas melhorem, você acha que mais adiante terá um emprego melhor, com um salário melhor, uma casa melhor, uma mulher melhor, uma vida melhor.

Aí os anos passam e aquele presente do qual você reclamava, transformado em passado, transforma-se também em “tempos dourados”. Você suspira e lembra de como era bom o seu emprego, a sua casa, a sua mulher, a sua vida... Mas agora tudo já se foi. Que pena. Que saudade.

Isso é assim com os homens e com as sociedades. Estava lendo agora que os egípcios de dois mil anos antes de Cristo recordavam cheios de nostalgia os tempos de 2.500 anos antes de Cristo, aqueles, sim, para eles, anos dourados.

Já os gregos da época de Péricles, no século 5 a.C., falavam com nostalgia dos gregos da época de Aquiles, que teria matado troianos por volta do século 12 a.C. Em compensação, os gregos do tempo de Alexandre, no século 3 a.C., chamavam o tempo de Péricles de “idade de ouro”, enquanto os gregos de hoje erigem estátuas para homenagear Alexandre, que , para eles, elevou a Grécia ao ponto mais alto a que chegou a Humanidade.

E assim por diante. O melhor da vida nunca é aqui e agora, sempre ficou para trás. Na verdade, esse culto ao tempo que já se foi não passa de uma perda de tempo.

É por isso que desconfio de quem fica suspirando por um passado inacessível. Em muitas coisas o mundo, hoje, está melhor. O mundo está mais igualitário. As pessoas que têm menos e que podem menos são protegidas por mais direitos. Certas crueldades são repudiadas quase que universalmente.

A democracia, a higiene e a liberdade transformaram-se em bens inquestionáveis. A natureza, a infância e as mulheres são defendidas institucionalmente. O mundo está menos supersticioso, menos moralista. O sexo é encarado com mais naturalidade. As relações interpessoais são menos formais.

Gostaria de ter nascido agora, para aproveitar melhor um tempo melhor que ainda virá.

Mesmo assim, reconheço que em alguns aspectos o mundo piorou. Tornou-se mais superficial, mais rasteiro, menos cordial, muito menos educado. As pessoas exercitam livremente sua agressividade, sobretudo sua agressividade verbal, são mais egoístas do que jamais foram, menos respeitosas, mais intolerantes, mais fúteis, e a vulgaridade transformou-se quase em um predicado.

A tal velocidade da vida não fez a vida mais ágil, só mais apressada. Ninguém hoje admite, por exemplo, passar uma semana sem ver seu time jogar pela TV. Isso, no âmbito do futebol, é bom: todos veem todos os jogos a todo momento. Ao mesmo tempo, o futebol, em especial o futebol brasileiro, também se tornou mais superficial e menos sofisticado. O século 21 não viu nenhum supertime no Brasil.

Nos anos 70 havia o Inter de Falcão, Carpegiani e Figueroa, havia a supermáquina do Fluminense de Rivellino, havia o Palmeiras de Ademir da Guia e Luizão Pereira, havia o Vasco de Roberto Dinamite, o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Tostão, o Atlético de Toninho Cerezzo e o chamado “time do bagaço” do Botafogo de Jairzinho.

Nos anos 80 havia o Grêmio de Renato, Paulo César Caju e De León, o Flamengo de Andrade, Adílio e Zico e o Corinthians de Sócrates e Casagrande. Nos anos 90, o São Paulo de Telê Santana, o Grêmio de Felipão e o Palmeiras de Luxemburgo.

Nos século 21, o que se vê são as forças do futebol brasileiro aos poucos atravessando o Atlântico e se dissolvendo na Europa. O que havia de requintado e diferenciado no futebol brasileiro foi incorporado pelos clubes europeus, ao passo que o futebol brasileiro perdeu a vitalidade.

O resultado é demonstrado claramente pela Seleção Brasileira, uma seleção comum, formada por jogadores comuns. Não há mais um Falcão, um Zico, um Rivellino, sem falar num Pelé ou num Garrincha. Sem nostalgia, com duro realismo, há que se admitir: foram-se os tempos dourados, eles estão lá atrás, no passado, e talvez não voltem nunca mais.

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