sábado, 10 de setembro de 2011



10 de setembro de 2011 | N° 16821
DAVID COIMBRA


Quem é a corja

Agora mesmo estudantes brasileiros fizeram uma passeata “contra a corrupção”. O bom desse tipo de passeata é que não existe oposição a ela. Quem será a favor da corrupção? Fazer uma passeata contra a corrupção é como fazer passeata contra o Mal, contra as doenças, contra o envelhecimento, contra os terremotos, contra o mau hálito. O Planeta Terra, unanimemente, é contra tudo isso. E também é contra a corrupção.

Já a parte nem tão boa desse gênero de passeata é que ela é inofensiva. A população brasileira já fez passeatas contra e a favor da ditadura, contra o governo Collor, a favor da entrada do país na II Guerra etc. Eram manifestações com propósitos objetivos. Com alvos objetivos. Mas contra a corrupção...

Quem será sensibilizado por uma passeata contra a corrupção? Imagine um servidor público qualquer prestes a cometer um superfaturamento. Ele está com a caneta na mão, vai adulterar a nota fiscal e então vê as cenas da passeata contra a corrupção pela TV, paralisa-se e pensa: “O povo brasileiro não quer mais corrupção. Vou parar”. E aí escreve o valor correto na nota. Não, não consigo imaginar a cena.

Vi, na passeata contra a corrupção, um cartaz empunhado por um dos manifestantes: “Contra a corja”. Quem é a “corja”? Alguém responderá, rapidamente: “Os políticos”. Ou seja: deputados, senadores e vereadores. O parlamento. Ora, uma manifestação contra o parlamento é uma manifestação contra a democracia. Logo, uma manifestação a favor da ditadura.

E as ditaduras do mundo todo, de fato, sempre que se instauram definem como um de seus objetivos prioritários o combate à corrupção. Aí ocorrem os expurgos, os banimentos e até as execuções. Em seguida, limpa dos corruptos inimigos, a ditadura implanta o seu próprio sistema de corrupção, só que com os amigos.

Espero, portanto, que os brados do país contra a corrupção não sejam contra as instituições que sustentam a democracia, por mais corruptos que eventualmente as componham.

Mas acho que não existe esse risco. O povo brasileiro não quer um “regime forte”, como já quis. O povo brasileiro quer apenas um regime que funcione bem, sem desvirtuamentos. Como isso será feito? É isso que o povo brasileiro não sabe. Nenhum povo sabe.

As massas se movem por percepções, não por conceitos. Por isso são tão voláteis. A opinião pública muda ao sabor das impressões, e muitas vezes essas impressões estão equivocadas.

A opinião pública europeia, na primeira década do século passado, era favorável à guerra. As declarações de guerra de 1914 foram festejadas como se fosse a conquista da Copa do Mundo. Em Londres, as filas de alistamento eram tão compridas que serpenteavam por quadras.

Em Munique, o povo se reuniu na praça central e comemorou com alegria juvenil. Há uma foto célebre desse evento. Em meio a tantos rostos sorridentes surge o de um rapaz de bigode, um pintor frustrado nascido na Áustria cheio de ideias nacionalistas na cabeça ariana. Ele se tornaria bastante famoso 20 anos depois.

A opinião pública brasileira, em 1904, era contra a vacina obrigatória imposta por Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro. Os jornais clamavam contra a lei opressora. Rui Barbosa discursou com a veemência habitual da tribuna do Senado, criticando Oswaldo Cruz.

A população, finalmente, se rebelou, saiu às ruas, formou barricadas, armou-se de navalhas, pedras e paus, e enfrentou os soldados do governo. Muitos morreram na revolta, outros tantos foram deportados e presos. Porque eram contra a vacina, que, afinal, saneou o Rio de Janeiro.

Citei dois casos em que a opinião pública estava rotundamente equivocada. Há vários outros. E há, também, outros tantos em que ela está certa. Um líder, por tudo isso, não deve fundamentar suas decisões na opinião pública. A opinião pública deve ser UM dos diversos fatores que o levam a tomar uma decisão.

Pesquisas de opinião, enquetes, manifestações de rua, ou nas chamadas “redes sociais”, tudo isso tem o seu valor. Mas é um valor relativo. Não raro, o líder consciente analisa a opinião pública e toma a decisão de enveredar pelo caminho contrário ao que ela aponta.

Não faz muito, Fernando Carvalho fez isso: contratou Celso Roth, quando nenhum colorado queria Celso Roth. Com Roth, Carvalho levou o Inter ao campeonato da América. Fosse atrás dos outros, não do seu julgamento, Carvalho falharia.

Hoje, vejo a direção do Inter movendo-se de acordo com os movimentos da opinião pública, sensível às pressões da torcida, sejam elas manifestadas por vaias no estádio ou por protestos no tuíter ou no Facebook.

É preocupante. O líder tem que estar acima da massa. O líder tem de conduzir a massa, não ser conduzido por ela. Ou ele, rapidamente, deixará de ser líder.

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