sábado, 17 de setembro de 2011



17 de setembro de 2011 | N° 16828
DAVID COIMBRA


A grande aventura

Não é por acaso que o Vasco da Gama, o clube, se chama Vasco da Gama. Vasco da Gama, a pessoa, foi talvez o maior herói português. É, por assim dizer, o protagonista de “Os Lusíadas”, de Camões. Também não por acaso. A viagem de Vasco da Gama para descobrir o famoso caminho das Índias foi uma das aventuras mais dramáticas e façanhosas da história da humanidade.

Durante dois anos, no fim do século 15, Vasco atravessou meio mundo (mesmo): contornou a África de leste a oeste, passou o temido Bojador, enfrentou todo o gênero de perigos e chegou a Calicute com um navio a menos (eram quatro) e metade dos seus homens (eram 170).

Os que sobraram estavam em condições precárias, a maioria vitimada pelo escorbuto, com as juntas inchadas, as gengivas putrefatas e os dentes moles na boca. Para sorte dos portugueses, um sultão amigos os acolheu, ofereceu-lhes laranjas frescas e eles puderam repor a vitamina C de que precisavam para se curar.

Mas nem todos os sultões foram amistosos. Quando Vasco da Gama apresentou aos indianos as mercadorias que havia trazido para trocar pelos seus valiosos temperos, as tais especiarias, os indianos rolaram de tanto rir. Eram capuzes, miçangas, azeite, bacias, bugigangas inúteis que encantavam os índios americanos, mas que nada valiam nas terras muito mais desenvolvidas do Oriente.

Por pouco, os portugueses não foram chacinados ali mesmo. Como não passavam de homens aos andrajos, o sultão permitiu que eles esmolassem nas ruas para sobreviver. Foi o que fizeram, humilhados. Conseguiram fazer algumas trocas, amealharam alguns sacos de pimenta, cravo e canela e partiram o mais rápido que puderam.

Quando a expedição voltou para Portugal, restavam pouco mais de 50 homens. Até o irmão de Vasco da Gama morreu no fim da aventura. Mas ele se consagrou, virou “dom” e preparou seu retorno à Índia em situação diferente. Bem diferente: antes de se reapresentar às autoridades indianas, agora comandando 20 naus, capturou 50 pescadores, estripou-os, decepou-lhes as mãos e os pés e os enviou a Calicute com o recado de que gostaria imensamente de abrir comércio com os indianos, sugerindo que, caso não fosse atendido, muitos outros pés e mãos se separariam de seus donos.

Os indianos, que não queriam ficar longe de seus pés e das suas mãos, ponderaram a respeito e aceitaram a proposta portuguesa.

Li certa feita uma descrição de Vasco da Gama aos 37 anos de idade. Diziam que ele tinha “aparência terrível”, com um grande nariz acoplado no meio do rosto sempre sério, uma bocarra ameaçadora rasgando a barba negra e hirsuta, e olhos penetrantes que metiam medo no interlocutor. Vasco da Gama era conhecido por sua arrogância e crueldade. Um dia, durante o interrogatório de um prisioneiro, derramou-lhe azeite fervente na barriga para obter algumas informações. Obteve-as.

Vasco da Gama estava acostumado a conseguir o que queria. Um clube com esse nome merece respeito.

A ação do Senhor

Em 1441, Nuno Tristão armou suas caravelas, rumou de Lisboa para Cabo Branco e lá capturou alguns negros robustos, os primeiros africanos tornados cativos pelos portugueses. Chegando à Europa, a primeira atitude dos portugueses, piedosos que eram, foi batizar os prisioneiros e transformá-los em legítimos cristãos. A segunda foi escravizá-los. Três anos depois, o capitão Lançarote voltou à África e de lá trouxe o primeiro carregamento significativo de escravos. O relato da ação, escrito por um de seus homens, é chocante e comovedor:

“Nossos homens, gritando: ‘Santiago! São Jorge! Portugal!’ caíram sobre eles, matando ou capturando todos os que podiam. Então podiam-se ver mães agarrando os filhos e os maridos as mulheres, e cada um fugia como pudesse. Alguns atiraram-se ao mar; outros pensaram em esconder-se nos cantos das choças; outros escondiam os filhos sob os arbustos, onde nossos homens os encontravam. E finalmente Nosso Senhor, que dá a tudo a devida recompensa, deu aos nossos homens nesse dia uma vitória sobre os inimigos; e em recompensa a todo o trabalho que tiveram a Seu serviço apanharam 165 homens, mulheres e crianças, sem contar os mortos”.

A desgraça daquelas tristes famílias africanas, portanto, deu-se por graça de Nosso Senhor – na visão dos portugueses, é claro. Para você ver como os portugueses podem ser perigosos quando querem. Que o Grêmio se cuide no reduto do Vasco, neste sábado.

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