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quinta-feira, 4 de agosto de 2011
04 de agosto de 2011 | N° 16782
L. F. VERISSIMO
O platinado
Sei tão pouco do motor de um carro quanto sei da alma humana. Olho o que tem debaixo do capô como se olhasse um abismo sem fundo e só peço do motor do meu carro que funcione, sem precisar entrar na sua intimidade. Conheço algumas partes do motor de ouvir falar, claro, como o radiador e a bateria, e simpatizo com o virabrequim apesar de não ter a menor ideia do que seja.
Mas o virabrequim é o limite do meu envolvimento com o abismo. Não sei o que é o platinado, por exemplo. E me surpreendo com o número de vezes em que o platinado é citado quando busco ajuda profissional para um motor com defeito.
Muitas vezes, a opinião do mecânico precede um exame do motor.
– Talvez seja o platinado...
Outras vezes, o exame confirma o diagnóstico precoce:
– É o platinado.
E é raro se ouvir que o platinado tem conserto.
Normalmente, a única solução para um problema com o platinado é um procedimento radical. Transplante.
– Tem que trocar o platinado.
Cheguei a desconfiar que, como tenho cara de quem não sabe nada de motores, estavam me enganando, e trocar o platinado fosse só uma maneira de me cobrar mais. Talvez o platinado velho estivesse em perfeitas condições. Talvez nem existisse o platinado! Ou então a troca do platinado era a maneira prática de dispensar uma intervenção mais trabalhosa. Na falta do que fazer, trocava-se o platinado.
Penso no platinado sempre que ouço que mais um técnico de futebol foi trocado por outro, para melhorar a produção do time, acabar com uma fase má ou simplesmente aplacar uma torcida revoltada. A conclusão em todos os casos é que a culpa é do platinado e a solução é um platinado novo.
Quase sempre, a culpa real é de uma administração incompetente ou um time irreparavelmente ruim, mas trocar isto equivaleria a ter que trocar todo o motor. E trocar o platinado adquiriu até uma conotação mística. Um novo técnico teria, como um deus, a capacidade de mudar o clima no vestiário.
De fazer pernas de pau acertarem chutes, jogadores cegos enxergarem a bola e ameaçados de sepultamento na zona de rebaixamento ressuscitarem. Raramente consegue, o que não diminui o poder da ortodoxia: quando as coisas vão mal, troque-se o platinado.
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