domingo, 14 de agosto de 2011


CARLOS HEITOR CONY

Uma fábula

RIO DE JANEIRO - Parece que foi na antiga Rússia dos tzares. Todo documento público precisava de estampilhas para ter valor legal.

Ivan Petrocivich perdeu a mulher e precisou comunicar o fato ao Registro Civil. Entrou na papelaria e pediu os selos necessários. O empregado lamentou não poder atendê-lo, não havia selos nem estampilhas, a Casa da Moeda estava fechada, todos os funcionários, do diretor ao faxineiro, estavam afastados ou presos por corrupção.

Ivan Petrocivich foi ao primeiro cemitério que encontrou, explicou a impossibilidade de legalizar a certidão de óbito, mas o coveiro que o recebeu nada pôde fazer: a instituição que explorava os cemitérios estava toda demitida por corrupção, vendia túmulos, mármores, enterravam quem bem entendessem, o jeito foi fechar os cemitérios.

Meio desesperado, Ivan Petrocivich apelou para a polícia. Pediu audiência ao chefe do sistema da Polícia Central, mas não foi atendido. Na véspera, o aparelho policial estava fechado, o Estado havia demitido toda a cúpula da instituição a bem do serviço público, dada a corrupção em todos os níveis.

Um vizinho o aconselhou a procurar o ministro da Justiça. Ivan Petrocivich chegou ao ministério e ali encontrou grande agitação. O ministro acabava de ser preso, estava algemado, dentro de uma troica que pertencia ao palácio do tzar. Mas a troica não saía do lugar porque faltavam os três cavalos de praxe, que na véspera haviam sido vendidos na bacia das almas, enriquecendo o noivo de uma das princesas da corte.

Desesperado ficou também o tzar. Garantiu que continuaria a combater a corrupção doesse a quem doesse.

Só não aprovou o uso das algemas, que começavam a escassear no mercado, uma vez que a principal fábrica de algemas estava sob intervenção federal devido aos frequentes casos de corrupção.

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