sábado, 6 de agosto de 2011



06 de agosto de 2011 | N° 16784
CLÁUDIA LAITANO


Vergonha, vergonha alheia e orgulho hétero

Nos últimos anos, a expressão “vergonha alheia” se espalhou na linguagem cotidiana e nas redes sociais como se nunca tivéssemos vivido sem ela. Os mais novos podem achar que o termo sempre esteve aí, à disposição de falantes, escreventes e tuitantes, mas o fato é que se trata de uma expressão recém-importada – coisa de menos de 10 anos para cá. O termo “vergüenza ajena” está para a língua espanhola mais ou menos como “saudade” está para o português.

Ou seja: não existe equivalente nacional perfeito – o que fizemos foi pegá-lo emprestado dada sua evidente utilidade semântica. (Com a multiplicação das ferramentas de transmissão de micos voluntários e involuntários, a vergonha alheia nunca esteve tão em voga.)

Darwin teria sido um dos primeiros cientistas a estudar o papel da vergonha no comportamento humano. No livro A Expressão das Emoções em Homens e Animais, o biólogo britânico dedica um capítulo inteiro à reação, exclusivamente humana, de corar em determinados momentos.

Para Darwin, sentimos vergonha em basicamente dois tipos de situação: quando expomos sem querer algum pensamento ou emoção íntimos ou quando intuímos que os outros condenam nosso comportamento. Para sentir vergonha, a pessoa deve chegar à conclusão de que fez algo que contraria um referencial próprio ou do grupo do qual faz parte – e isso deve ter lá sua utilidade evolutiva como recurso de adaptação ao grupo, suponho.

Aqueles que aparentemente não se incomodam com gestos ou palavras que a nós matariam de vergonha (ou vergonha alheia) tanto podem ser desviantes involuntários, gente que simplesmente não é capaz de seguir os códigos coletivos de comportamento (lavar os cabelos, por exemplo), quanto libertários: pessoas que subvertem as regras estabelecidas e ousam pensar/agir diferente (usando o cabelo comprido quando todo mundo usa bem curtinho, por exemplo).

Em momentos de ruptura, quando uma maioria é pressionada a começar a assimilar e respeitar a diferença, é comum inverter a equação e transformar a antiga inferioridade no sentimento que é o oposto da vergonha: o orgulho. Quando proclamamos o orgulho negro, o orgulho feminino, o orgulho gay ou mesmo o orgulho de sermos gaúchos (habitantes de uma província economicamente secundária), estamos propondo uma nova forma de ver o mundo – menos limitada, mais complexa.

Mas quanto mais atrasado for o ponto de vista (do país, da cidade...), mais difícil será aceitar que é possível sentir orgulho por fazer parte do grupo menos poderoso ou menos valorizado socialmente.

O fato de a Câmara de Vereadores de São Paulo ter instituído um bizarro Dia do Orgulho Hétero – fabricando um cerco imaginário à heterossexualidade típico da mentalidade paranoica que gera a violência – seria até cômico não fosse a combinação de falta de luzes com preconceito tão potencialmente perigosa.

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