sábado, 13 de agosto de 2011



13 de agosto de 2011 | N° 16791
DAVID COIMBRA


A mulher do colorado

Eles se odiavam. Eles eram inimigos desde a infância. Mas as vidas deles estavam sempre se cruzando. Nasceram e cresceram no mesmo bairro, estudaram na mesma escola. Quando meninos, jogavam bola em times adversários.

Quando jovens, disputavam as mesmas mulheres. Fizeram a mesma faculdade, formaram-se publicitários. Mas trabalhavam em agências rivais e, além disso, cultivavam a mais acre das rivalidades no esporte: Róbson era colorado; Rodrigo, gremista. Rodrigo vivia na esbórnia. Não tinha mulher: tinha mulheres. Róbson, ao contrário, casou-se e teve três filhos. Sua esposa, Gabrielle, era uma bela mulher, uma mulher sorridente e doce. Uma mulher fiel.

E agora havia sido contratada para trabalhar na agência de Rodrigo.

Quando o gremista descobriu que a mulher do colorado seria sua colega, que eles se veriam todos os dias e que, melhor ainda, ele seria chefe dela, quando ele descobriu isso, pensou: “Eis uma mensagem d’O Senhor. Ele, com E maiúsculo, está me dando uma oportunidade rara de atacar meu inimigo e derrotá-lo para todo o sempre”. Decidiu que assediaria Gabrielle sem trégua, até finalmente atarraxar dois cornos bem polidos na testa do colorado.

Foi o que fez.

Aproximou-se dela devagar, sem pressa, mas com determinação, como um leão acercando-se do gnu na savana africana. Todos os dias ele pespegava um pequeno elogio no lóbulo da orelha macia de Gabrielle.

Vez em quando, deixava um Sonho de Valsa sobre a mesa dela. Outro dia deixou uma flor, uma violeta delicada plantada em um vaso. Foi ganhando terreno aos poucos, ocupando território em silêncio, foi chegando sorrateiro, até que, numa festa da firma, aconteceu: Rodrigo prensou-a numa parede e beijou-lhe a boca com sofreguidão. Gabrielle era uma esposa. Esposa não são beijadas na boca com sofreguidão. Por isso, aquele beijo a enfeitiçou. E Gabrielle cedeu.

A cidadela da fidelidade espatifou-se e e ela se entregou à paixão proibida, que é a melhor das paixões. O gremista Rodrigo, quando finalmente teve-a nua e ondulante em seus braços, exultou de alegria: tantos anos de rivalidade e agora ele alcançava a vitória! Gol do Grêmio!, gritava, para dentro de si mesmo. Gol do Grêmio!

O caso foi em frente. Rodrigo envolveu-se seriamente com a mulher de Róbson. Viam-se todas as semanas, volta e meia duas, três vezes por semana. Em alguns meses, Gabrielle era sua única amante. Ele não tinha mais tempo para nenhuma outra. Como trabalhavam juntos, ela sabia de todos os seus movimentos. Rodrigo sentia-se... casado. O que ele menos queria na vida era sentir-se casado. Aquilo o incomodava, mas, ao mesmo tempo, ele não queria magoá-la. Era uma mulher tão boa, tão gentil, tão ingênua...

Uma noite, Rodrigo estava em seu pequeno apartamento, finalmente sozinho, pensando em como resolver a situação, quando a campainha da porta soou. Foi atender sem suspeitar quem poderia ser. Espiou pelo olho mágico e o que viu petrificou-lhe o sangue nas veias: Róbson! Seu inimigo eterno, seu maior rival, o maldito colorado Róbson!

Jesusmariajosé! Ele havia descoberto tudo, claro que havia! Rodrigo encostou-se à porta, suando e tremendo. Será que Róbson estava armado? E agora? Como fugir? Ele morava no oitavo andar, não poderia saltar da janela. A campainha soou novamente.

– Rodrigo! – gritou Róbson do outro lado da porta. – Abre. Pode abrir.

Pode abrir. Não parecia haver agressividade em sua voz. Seria um truque? Que fosse, ele não tinha para onde fugir. Ainda tremendo, Rodrigo abriu a porta. Então, nova surpresa: ela também estava lá. Gabrielle. Ela, os três filhos e muitas, muitas malas.

– Vão entrando – disse Róbson, empurrando a mulher e as crianças.

Entraram, todos. Colocaram as malas no tapete da sala. Rodrigo olhava aquilo tudo, estupefato.

– Essa é a nova casa de vocês – comunicou Róbson para a mulher e os filhos. Depois, voltando-se para Rodrigo, avisou, agora, sim, com muita, muita agressividade na voz: – Cuida bem deles. Se eu descobrir que foram maltratados, eu volto. E não vai ser uma visita agradável.

Dito isso, bateu a porta e foi-se embora para viver sua nova vida de solteiro. Hoje, o colorado Róbson não tem mulher: tem mulheres. Sai com os amigos, diverte-se todas as noites, está livre, livre, livre... O gremista Rodrigo ainda vive com a mulher e as três crianças no apartamento de um único quarto. Já faz dois anos, isso. E parece que ele envelheceu dez.

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