terça-feira, 16 de agosto de 2011



16 de agosto de 2011 | N° 16794
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Não pisar, não se deixar pisar (II)

Tendo filhos pequenos só agora, depois dos 50, me pego frequentemente a tentar formular princípios que valha passar adiante. Sei que a maior parte da educação acontece quando a gente não está atento, quando a gente age e reage e os filhos entendem, sem doutrina explícita, o que é que somos, como pensamos, o que desejamos e o que repudiamos; mas nem essa consciência me impede de ficar rodeando o problema.

Em uma de suas crônicas imortais, Nelson Rodrigues relata uma despedida entre Otto Lara Resende e seu filho. Otto ia passar uma temporada em Portugal, e chegada a hora escolheu dizer umas palavras a quem ficava. Matutou, matutou, e saiu com esta, atravessado de emoção: “Ama teu próximo como a ti mesmo”.

Isso segundo o relato do Nelson, amigo e admirador do Otto, mas também um astucioso (adjetivo que minha vó materna gostava de usar nesse contexto), pronto para armar uma trampa para o outro, como fez naquele título de peça sua, Otto Lara Resende, ou Bonitinha mas Ordinária. Já pensou alguém escrever hoje uma peça chamada, digamos, Luis Fernando Verissimo, ou A Depravada da Auxiliadora?

Esses dias, numa curta viagem com as parceiras Katia Suman e Claudia Tajes para levar o nosso Sarau Elétrico a uma feira do livro no Interior (Lajeado, especificamente), lá pelas tantas fez-se o silêncio no carro, o motorista preocupado com a chuva, as duas e eu mergulhados na noite, apenas aguardando a chegada.

E foi então que, evocando umas cenas ocorridas com meu filho, agora com quatro anos e meio, me veio uma síntese dessas, uma verdade que eu gostaria de transmitir a ele, uma frase fulminante e total: “Não pisar nos outros, mas não se deixar pisar pelos outros”.

Fiquei com a frase na cabeça, polindo um pouco. Acrescentei um trecho: “Não pisar nos outros, especialmente os mais fracos, e não se deixar pisar pelos outros, especialmente os mais fortes”. Depois lembrei que também há a tirania dos fracos, que se aproveitam da bondade alheia e a exploram; então acrescentei: “Nem pelos mais fortes, nem pelos mais fracos”.

Tudo banal, como dá pra ver. Como o “Amai-vos uns aos outros”, é uma verdade gentil e talvez inútil, coisa de gente de classe média como eu. Mas olha só, Benjamim: é por aí.

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