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terça-feira, 9 de agosto de 2011
09 de agosto de 2011 | N° 16787
CLÁUDIO MORENO
Uma fábula moderna
Nenhum pensador grego deixou de se ocupar com uma questão muito simples, mas essencial até hoje: o que nós temos que o animal não tem? Entre as várias respostas – a capacidade de rir, de fazer geometria, de usar as mãos, de andar ereto e de sentir vergonha, além da disposição para fazer sexo a qualquer momento ou estação (inclusive, se bem me entendem, com seres de outras espécies) –, uma foi unânime: só nós temos linguagem.
O animal não fala, não faz promessas, não mente, não tem crenças nem faz ironia, não tem ideia do futuro e não conhece o “se” das hipóteses, conceito que nos torna donos imaginários de todas as possibilidades do universo.
É verdade que nas fábulas ele fala, às vezes até demais, mas usando nossa voz e nossa gramática; o lobo e o cordeiro, o corvo e a raposa são seres humanos que Esopo e La Fontaine disfarçaram para melhor criticar nossos costumes. A própria mitologia grega, tão rica em prodígios, tem raríssimos bichos falantes.
O mais famoso foi Xanto, um dos cavalos de Aquiles, que resolveu tomar a palavra para avisar que em breve seu dono ia morrer – manifestação tão incomum que os deuses imediatamente o emudeceram, para que não esquecesse que aos animais não foi dado o dom de falar.
Conosco é diferente; podemos conversar com eles. Certos animais – o cavalo, o gato e, acima de tudo, o cachorro – terminaram se tornando nossos parceiros e confidentes. Contrastando com a efêmera e frágil natureza das relações humanas, eles oferecem – especialmente o cão – o tesouro de uma devoção completa, de um vínculo que só se romperá quando morrer um de nós, e por isso os elegemos como o ouvido ideal para as mais íntimas reflexões.
Não é um diálogo entre as espécies: ao falar com meu cachorro, é comigo mesmo que eu falo. Há quem afirme que ele pode me entender, mas, mesmo que o faça, sei que guardará para sempre um discretíssimo silêncio.
Pois no livro Amazing Dogs, lançado este ano, o prof. Jan Bondenson descreve a delirante experiência da Tier-Sprechschule, criada na Alemanha entre-guerras, que “ensinava” os cachorros a falar.
Dizem que um desses “alunos” articulava claramente “Mein Fuhrer”, enquanto outro, que usava as patas para indicar o alfabeto, confessava seu desprezo pelos franceses. Hitler e muitos de seus cientistas apoiaram a pesquisa com entusiasmo, pois o ideário nazista considerava fundamental a integração do homem com a natureza, especialmente com os animais.
“E onde fica a moral da fábula?” – pergunta Gaudí, meu pequeno shih-tzu – “Por acaso a adesão daqueles homens maus tornou menos nobre a nossa causa?”. É claro que não, inquieta criatura. O problema é bem outro: enquanto os nazis abarrotavam os trens da morte com o povo judeu, não houve dia em que a imprensa alemã não manifestasse sua grande preocupação com o destino dos cães abandonados por aquela gente toda...
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