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sábado, 10 de abril de 2010
Teatrinho
O fantoche para crianças estava indo bem. O que não estava indo bem era o casamento
Mauro e Mel eram casados. Faziam teatro e, para ajudar no orçamento, se apresentavam em festas de crianças. Levavam um pequeno palco e um elenco de fantoches para manipular: Chapeuzinho Vermelho, Lobo Mau etc.
Não ganhavam muito com isso, mas sempre ajudava. Convites para apresentações não faltavam. O teatrinho para crianças estava indo bem. O que não estava indo muito bem era o casamento dos dois.
Aquele dia já tinha começado mal. O Mauro amargurado, se queixando da vida e da falta de oportunidade para fazer teatro de verdade. Afinal, era um ator formado, não podia passar o resto da vida fazendo teatro de fantoches. A Mel, cansada das lamúrias do Mauro, rebatendo que os fantoches pelo menos pagavam as contas, e não deixavam de ser teatro.
Os dois tinham brigado desde o café da manhã, e continuaram brigando no carro, a caminho da festa de aniversário onde se apresentariam àquela tarde. E só não continuaram brigando enquanto montavam o palco porque a plateia já começava a ocupar seus lugares, as crianças maiores no chão, as menores no colo das mães, num clima de grande expectativa.
Chapeuzinho Vermelho apresentava o espetáculo.
– Alô, amiguinhos! Meu nome é Chapeuzinho Vermelho e...
A cabeça do Lobo Mau apareceu num canto do palco.
– Chapeuzinho... Isso lá é nome?
CHAPEUZINHO (depois de um segundo de hesitação) – Ih, o Lobo Mau já quer entrar na história. Ainda não é a sua vez, Lobo Mau. Vá embora e espere a sua deixa.
LOBO MAU – Lobo Mau... Isso não é um nome, é uma sentença. Eu não sou intrinsecamente mau. Posso decidir ser mau, ou não. A existência precede a essência, segundo Sartre. É a velha questão, to be or not to be.
CHAPEUZINHO – Amiguinhos, vamos dar uma vaia no Lobo Mau para ele ir embora e esperar sua vez? Vamos lá, todo o mundo... Buuuuuu!
As crianças vaiaram o Lobo Mau, que desapareceu.
CHAPEUZINHO – Meu nome é Chapeuzinho Vermelho, e eu estou levando esses doces para a vovozinha. Será que essa floresta é perigosa? Será que eu vou encontrar um...
Apareceu o Lobo Mau.
CHAPEUZINHO – Lobo Mau!
LOBO MAU – Em pessoa. Mas você, também, está pedindo, hein beibi? Sozinha desse jeito no meio de uma floresta escura... Você não lê jornal, não?
CHAPEUZINHO – Eu...eu... Eu estou levando esses doces para a vovozinha.
LOBO MAU – E como é que essa vovozinha mora no meio da floresta, em vez de um condomínio fechado? Me dá esses doces.
CHAPEUZINHO – Não! Por que você quer os doces da vovozinha?!
LOBO MAU – Para a sobremesa, depois de comer você.
CHAPEUZINHO – Você esqueceu? Na história, você primeiro tem que ir até a casa da vovozinha, comer a vovozinha, vestir a camisola dela e me esperar deitado na cama.
LOBO MAU – Esta é uma versão condensada, sem o travestismo. Prepare-se para morrer!
CHAPEUZINHO (correndo de cena) – Não! Vou chamar o caçador. Socorro!
Sozinho no palco, o Lobo Mau dirigiu-se à plateia.
LOBO MAU – Amiguinhos, desculpem-me. Vocês não têm nada com isso. É uma crise pessoal, entendem? Eu não sou mau. Aliás, não sou nem lobo. Sou um ator. Antes disso, sou um ser humano. Perguntem à mamãe o que é isso. É uma coisa complicada, é...
Entrou em cena o caçador, carregando uma espingarda, que apontou para o Lobo Mau.
CAÇADOR – Pare!
LOBO MAU – Você interrompeu meu solilóquio, pô.
CAÇADOR – Mãos ao alto!
LOBO MAU – Está bem, atire. Atire! Vamos acabar logo com isso. Aqui está o meu peito. Mire no coração, que não tem mais serventia. Atire, Mel!
CAÇADOR (fazendo o som do disparo) – Pum!
O Lobo Mau caiu para a frente, quase despencando do palco. Silêncio na plateia. Depois começaram as vaias – “Buuuuu” – não se sabe se para o desfecho abrupto da versão abreviada, para o fim do Lobo Mau ou para a condição humana. E depois começou a chuva de brigadeiros contra o palco.
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