sexta-feira, 16 de abril de 2010



16 de abril de 2010 | N° 16307
DAVID COIMBRA


Para uma mãe que chora

Agora mesmo ouvi falar a mãe daquele rapaz que morreu fulminado por uma descarga elétrica em uma parada de ônibus no centro de Porto Alegre. Eva, seu nome, e na verdade ela não falava. Enquanto assistia ao sepultamento do filho único no Jardim da Paz, Eva urrava de dor.

– Não quero o dinheiro deles! – gritava, entre soluços. – Quero justiça! Quero vingança!

Eu também, dona Eva. Eu, a senhora e seu marido, o zelador aposentado Inácio, eu e quem me lê neste momento, eu e milhões de brasileiros trabalhadores e contribuintes, nós todos queremos justiça.

Falei em trabalhadores e contribuintes, dona Eva, e a senhora, em meio ao pranto, falou “deles”. São termos relacionados. “Eles”, o poder público, sobrevivem graças ao trabalhador contribuinte. “Eles” vivem do trabalho do contribuinte.

Neste exato instante, inclusive, a eficiente máquina do poder público está funcionando para arrecadar mais dinheiro do contribuinte. A senhora já percebeu como essa máquina é eficaz, dona Eva? Nenhum assalariado lhe escapa. Nenhum!

O governo brasileiro, em todas as suas instâncias, coleta impostos com a competência de um governo alemão. É exemplar. É admirável.

A EPTC inclusive.

Isso mesmo, dona Eva, essa empresa que deveria ter isolado o ponto de ônibus que havia um mês dava choque nas pessoas, essa empresa é toda ela voltada para extrair dinheiro dos porto-alegrenses. Todas as suas energias são canalizadas para a multa, e isso é feito com perfeição digna de loas.

Bem, pode acontecer de a empresa relaxar em algum setor secundário, como a segurança do usuário do transporte coletivo, e aí pode acontecer de alguém levar um choque e morrer, aí, bom, paciência, a empresa ganha bastante dinheiro com as multas e garante que pagará o funeral e dará uma gorda indenização aos pais da vítima. Tudo certo.

A não ser que...

A não ser que os pais da vítima sejam como a senhora, dona Eva, que não quer o dinheiro “deles”. Que só quer justiça.

Nesse caso, o que será feito?

Lamento, dona Eva. Nesse caso, não há solução. Eles deixarão que a morte de seu filho seja esquecida lentamente, dona Eva, e tocarão a vida, seguirão arrecadando com rigor e trabalhando com brandura, que ninguém é de ferro.

É isso, dona Eva. Querer, nós queremos, mas por aqui não existe justiça. Eles continuarão atrás de suas mesas, uns pedindo votos, outros reivindicando cargos. Eles esquecerão a morte de seu filho, dona Eva.

Todos esquecerão. A indignação das pessoas continuará sendo canalizada para assuntos que lhe são mais relevantes, como seus clubes de futebol e os adversários de seus clubes de futebol.

Ainda que seja duro, repito, dona Eva: todos, todos esquecerão seu filho morto por ter se encostado em um ponto de ônibus. Exceto, é claro, a senhora e seu marido, Inácio. Mas vocês são apenas dois em milhões que trabalham para “eles”. Não têm nenhuma importância. Ninguém tem, dona Eva.

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