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quinta-feira, 29 de abril de 2010
Os portugueses preferiram ir à praia
JOÃO PEREIRA COUTINHO - Folha de S. Paulo - 29/04/2010
Portugal está a caminho da falência. Basta lembrar o que se passou na passada terça-feira. Não falo do corte do "rating" da República pela Standard & Poor's, que aumentou dramaticamente o risco da dívida portuguesa.
Falo de coisas banais. O dia era de greve dos transportes públicos. E os portugueses estavam na praia. A uma terça? Exato. Entre procurar formas alternativas de transporte para irem trabalhar e simplesmente não irem, os portugueses optaram pelo mar.
Verdade que nós, portugueses, sempre fomos um povo de marinheiros. Mas não foram apenas as praias a se encherem em dia de trabalho. Em Lisboa, é praticamente impossível arranjar uma mesa a um sábado à noite. E, nas últimas férias de Páscoa, os hotéis e os vôos lotaram.
Seria fácil vestir a toga do moralista. Não consigo. A irresponsabilidade do meu povo é um produto direto da irresponsabilidade dos líderes, que há vários anos também vivem na sua praia. A praia da fantasia.
Escutá-los é o melhor retrato. O presidente da República, Cavaco Silva, economista reputado e antigo primeiro-ministro (1985-1995), afirma diariamente que está tudo bem e não há motivo para alarme.
O governo, reeleito há seis meses, diz o mesmo. "Fomos os últimos a entrar na crise internacional e os primeiros a sair", ufanava-se José Sócrates em campanha eleitoral. E acrescentava: "Ainda está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor no deficit do que eu".
Não duvido. Em 2009, Portugal começou com um deficit de 2,7%, passou para uma previsão de 5,9% e terminou nos 9,3%, o maior da sua história. E agora? Que fazer, quando os mercados olham para Portugal como se olha para um alcoólatra que precisa de empréstimos para pagar os empréstimos e continuar a beber?
Agora, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, está disposto a combater "o ataque dos mercados". E como se combatem essas naves espaciais de especuladores extraterrestres que não aplaudem o nosso crescimento medíocre (pior que o grego na última década) e a nossa carga de dívidas ainda mais pesada que a de Atenas?
Alguns lunáticos, entre os quais me incluo, responderiam: apresentando um plano credível, capaz de cortar na despesa de forma austera (como fez a Irlanda com os salários) e suspendendo obras faraônicas, como o TGV para Madri ou um novo aeroporto de Lisboa.
O governo discorda dos lunáticos. E, depois de apresentar um Orçamento e um Programa de Estabilidade e Crescimento que fariam as delícias dos estúdios Disney, Sócrates reuniu de emergência com o novo líder da oposição e propôs medidas de cosmética nos subsídios sociais. O líder da oposição concordou. Portugal, neste momento, não tem oposição.
Mas tem sol e mar. E a esperança, inconfessada, de que a União Europeia (e o FMI) faça com os portugueses o que promete fazer com os gregos. Salvá-los. Curiosamente, não parece passar pela cabeça de ninguém que, se a Alemanha salvar a Grécia, talvez não haja espaço para mais um.
Em 1975, Paulo Francis confrontava-se com os delírios lusitanos após a Revolução dos Cravos e escrevia nesta Folha: "Em Portugal há humor; falta governo".
Trinta e cinco anos depois, é difícil superar o Francis.
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