quarta-feira, 14 de abril de 2010



14 de abril de 2010 | N° 16305
MARTHA MEDEIROS


Inocentes e culpados

Saudade da infância. A gente fazia molecagens e depois bastava confessar e rezar três ave-marias para ficar quite com Deus. Quando criança, meus pecados eram matar aula ou brigar com meu irmão, e eu imaginava que se meus pecados começassem a se tornar mais radicais, o pior que poderia me acontecer era ter a pena elevada de três para 18 ave-marias. Dava pra suportar.

E assim a Igreja ia me educando para a impunidade, bem diferente do que faziam meus pais: quando eu errava, eles me deixavam sem tevê, sem brincar na rua e sem refri. Isso, sim, era um castigo medonho, mas que visava à reabilitação.

Hoje leio que a Igreja, desastradamente, anda associando pedofilia a homossexualidade, e que um dos castigos propostos é fazer com que o clérigo pecador isole-se e passe a vida entre preces. Quantas ave-marias pra ele?

Abusar de crianças é um escândalo em qualquer circunstância, não importa o motivo do crime e quem o cometeu. Todos os perversos possuem suas razões: ou também foram abusados quando meninos, ou foram abandonados pela família, ou são cruéis por natureza, ou não receberam nenhum princípio moral ou ético, ou passaram por privações, ou são doidos de pedra. O que induz à ação criminosa não é a inclinação sexual do sujeito, mas sua ausência de civilidade.

O Vaticano tem se preocupado em explicar a quantidade incômoda de padres pedófilos denunciados, mas, antes de tentar explicar, deveria julgar e, comprovado o crime, condenar. Punir. Prender. O fato de serem representantes de Deus não pode servir como atenuante, ao contrário. Está-se diante da hipocrisia sacramentada, do “vinde a mim as criancinhas” sem levar em conta nenhum dos preceitos que regem (ou deveriam reger) a religião, qualquer religião.

Enquanto houver condescendência, não haverá paz. A redução da violência passa pela punição imediata.

Falamos muito em investir em educação e esse é o principal caminho, lógico, mas é uma solução a longo prazo.

Para corrigir o agora, tem que se dar o exemplo agora. Vale para o casal Nardoni, vale para o estuprador assassino de Luziânia, vale para o fazendeiro que matou a missionária Dorothy Stang, vale para os mandantes e executores de Eliseu Santos e vale para todos os que escapam da lei porque não há policiais suficientes, nem servidores, nem dinheiro, nem equipamentos, nem espaço nas cadeias e, principalmente, por não termos a cultura do Tolerância Zero. Tolera-se quase tudo e, o que não se tolera, esquece-se com o tempo.

Aquelas três ave-marias que me mandavam rezar por ter matado aula ou brigado com meu irmão eram inúteis. Não havia crime, não havia pecado: havia inocência.

Não sei o que os adultos hoje dizem no escuro dos confessionários, o que os padres escutam por trás das treliças, só sei que Deus, em sua infinita bondade, perdoa fácil qualquer delito, seja o de uma criança que disse um palavrão até o de um adulto que admite um estelionato, basta ajoelhar, rezar e declarar-se arrependido.

Não por acaso, Arruda saiu da prisão anteontem recepcionado por orações, abençoado seja. Mas, sinceramente, troco a redenção divina pela Justiça terrena, que está fazendo mais falta.

Uma gostosa quarta-feira pra você. Aproveite o dia

Nenhum comentário: