sábado, 10 de abril de 2010



11 de abril de 2010 | N° 16302
PAULO SANT’ANA


Morte teimosa

O pior na tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro são as casas que ainda não caíram e periclitam nas encostas.

E, entre sair de lá e não ter para onde ir, não ter onde morar, os favelados preferem ficar nas casas periclitantes.

Já quem vai morar nesses lugares conhece o perigo que corre e resolve continuar correndo perigo.

A maior parte das pessoas que moram nessas áreas de risco sabe que, se não desabar agora o morro, um dia vai desabar, mas teimam em permanecer em suas casas, meio que aceitando o destino cruel que as espera.

Dizem os que trabalham na Defesa Civil que não há nada mais difícil que convencer moradores de área de risco a deixarem suas casas.

Eles são imediatistas, têm consciência do perigo, mas se atiram a correr risco.

Tudo pela pobreza. O Estado não tem recursos (?) para transferir todos esses mortos-vivos para lugar decente e seguro.

Então, continuam a morar por ali, na esperança vã de que a encosta nunca deslize. Mas no fundo sabem que a encosta um dia deslizará.

Sexta-feira, no Jornal Nacional, pessoas que moram próximo a um lixão igual ao que deslizou e pode ter ocasionado 200 mortos disseram o seguinte: “Não temos para onde ir. Tudo indica que vai deslizar a nossa favela, por isso à noite não dormimos, dominados pelo medo”.

É impressionante a atração que os morros exercem sobre as pessoas. Há 30 anos, este Morro da Polícia que se debruça sobre Porto Alegre era inteiramente pelado de casas, havia somente vegetação em todas as suas imensas encostas.

Aos poucos, o Morro da Polícia foi sendo invadido por habitações. Hoje, o morro está quase que inteiramente coberto de casas.

A impressão que tenho é de que o morro atrai assim seus moradores porque é gratuito, não custa um vintém um terreno para erguer uma casa em cima.

E vão se criando as ruas, os becos, vão se povoando os terrenos firmes e os buracos. As pessoas espontaneamente erguem suas vilas, e o poder público, pela demanda social, vai urbanizando os morros.

De repente, já há ruas com calçamento, de repente são instaladas luz e água, até escolas e creches são criadas. E acredito que até imposto predial seja cobrado.

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É linda a paisagem lá de cima do morro, nas encostas de Niterói e do Rio de Janeiro. Linda a paisagem e escabrosa a expectativa de vida.

Um dia a casa cai. Quando se enfarrusca o tempo, os moradores das encostas sentem um arrepio de medo.

Será que não existe, entre tanto dinheiro gasto pelos governos com categorias privilegiadas de seu funcionalismo, entre montanhas de dinheiro consumidas pela corrupção, será que não existem verbas suficientes para construir conjuntos habitacionais que tirem os moradores das escarpas dos morros cariocas e fluminenses, daquelas suas antessepulturas?

Será que não existem verbas para transferir milhares de famílias com crianças e idosos das encostas perigosas do Rio de Janeiro para um lugar seguro?

Claro que existem. Mas há dias que essas cenas pungentes dos morros de Niterói e do Rio de Janeiro martelam a consciência política brasileira e a consciência dos políticos brasileiros.

Até quando?

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