Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 10 de abril de 2010
11 de abril de 2010 | N° 16302,
MOACYR SCLIAR
Os mendigos reivindicadores
No fundo, todos nós temos uma crença, e a pessoa que pede sabe disso
Estamos acostumados a associar mendicidade com humildade. Do pedinte, esperamos a frase clássica: Tio, me dá uma esmolinha, pelo amor de Deus. Notem os três componentes dessa solicitação. Em primeiro lugar, somos chamados de tio ou de tia, sugestão de um remoto parentesco que nem sempre nos agrada, mas que funciona como uma pequena chantagem.
Da qual os pobres, aliás, estão bem conscientes: não falam em Pai, me dá uma esmolinha, porque sabem que a isso reagiríamos com irritação. Tio não chega a provocar nossa fúria, e conforme o momento, podemos até mostrar benevolência.
Depois, temos a palavra “esmolinha”. De novo, um diminutivo que é sinal de resignação, de humildade. Não ocorre o mesmo quando o solicitante menciona a quantia: “Tio, me dá R$ 5”. Achamos que quer nos controlar, que quer mandar em nós, impondo-nos uma tabela cujos critérios ignoramos e que tendemos a não aceitar.
Finalmente a chave de ouro: o pedido é feito em nome do amor a Deus. Invocar a divindade sempre pega bem, mesmo com ateus. No fundo, todos nós temos um componente de crença, e a pessoa que pede sabe disso.
Isso corresponde a um quadro clássico. Mas o Brasil mudou, e os mendigos mudaram também. Boa parte deles optou pelo assalto direto, mais rápido, mais rendoso e facilitado pelo enorme tráfico de armas. Mas mesmo os pedintes clássicos agora adotam outro tom, menos suplicante, mais exigente.
Aos domingos de manhã, costumo caminhar pela Protásio Alves em direção ao parque Farroupilha. Para evitar qualquer tentação de consumo, que atrapalharia a caminhada, não levo dinheiro. Mas isto resulta num problema.
No caminho, sempre encontro um homem ainda jovem, que, sentado no degrau de um prédio, me pede um trocado. E sempre lhe explico que estou sem dinheiro. Até há algum tempo ele aceitava a ponderação, mas um dia perdeu a paciência: “Esse negócio de sair sem grana tem de terminar”, disse, irritado.
No humor judaico existe a figura do “schnorrer”, o mendigo que, com característica “chutzpa” (cara de pau) assedia seus doadores habituais. O “schnorrer” não pede, exige, e daí nascem muitas historinhas como aquela do pedinte que recebia regularmente uma contribuição semanal de um homem rico.
Uma vez, porém, este senhor desculpou-se por não fornecer a habitual quantia: meu filho está tendo um caso com uma mulher sem escrúpulos, contou, e isso está me custando muito dinheiro. Replicou o “schnorrer”: “Então gasta o dinheiro dele, não o meu”.
Um outro “schnorrer” foi encontrado, por seu benfeitor, num restaurante cinco estrelas, comendo caviar. Como o homem o repreendesse, respondeu: “Quando eu não tinha dinheiro, não podia comer caviar. Agora que tenho dinheiro, não devo comer caviar. Desse jeito, quando é que vou comer caviar?”.
Há, perto da Zero Hora, um flanelinha cujo pedido me deixa muito chateado. Esse homem não quer dinheiro; até aceita umas moedas, mas não é este seu objetivo principal. O que ele quer de mim é um livro autografado. E, para minha vergonha, eu sempre esqueço de seu pedido.
O que, no Juízo Final, poderá me custar caro. Constará nos meus registros: “Não deu um livro autografado àquele que poderia ser o seu melhor leitor, talvez o único”. E aí só me restará esmolar o perdão. Pelo amor de Deus.
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