terça-feira, 20 de abril de 2010



20 de abril de 2010 | N° 16311
MOACYR SCLIAR


Brasília, 50 anos

Na primeira visita que fez ao desolado lugar onde seria edificada a futura capital do Brasil, o presidente Juscelino Kubitschek escreveu no Livro de Ouro de Brasília uma frase que ficou célebre:

“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”.

Improviso? Certamente não. Político experiente, Juscelino já deveria ter esse texto na cabeça. E não há dúvida de que ele resume a ideia de Brasília – e as fantasias geradas por Brasília. Juscelino está falando em planalto, numa região sobranceira, elevada; está falando do centro de um país que tinha nascido no litoral e do qual dificilmente saía. E, muito importante, está falando em solidão.

A solidão geográfica e também a solidão psicológica, que políticos às vezes conhecem bem e que levou Getúlio Vargas ao suicídio.

Mas a solidão a que JK se referia não implicava necessariamente desamparo; estava mais próxima daquele “esplêndido isolamento” que caracterizou o governo britânico na fase áurea do império. O isolamento de quem, graças ao poder, está por cima da carne-seca. No caso de Brasília, o poder viria do fato de que a cidade seria o “cérebro das altas decisões nacionais”, levando o Brasil a “seu grande destino”.

Uma grandiloquência que lembra outra frase famosa (e de certo também ensaiada), esta de 20 de julho de 1969, quando o astronauta Neil Armstrong, depois de dar os primeiros passos na Lua, disse: “Este é um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”.

Cinquenta anos depois do nascimento de Brasília, qual a atitude dos brasileiros em relação a sua surpreendente capital? Eu arriscaria a palavra “ambivalência”. De um lado, trata-se de uma arrojada criação urbanística e arquitetônica.

É verdade que muitos criticam o planejamento autoritário do Plano Piloto (uma alusão ao passado stalinista de Niemeyer), mas não há dúvida de que criatividade ali foi a regra. A localização também provou-se adequada; a Região Centro-Oeste hoje não para de crescer e a presença de importantes núcleos urbanos ali é fundamental.

De outro lado temos o conceito de ilha da fantasia, a ideia de que o esplêndido isolamento desliga as pessoas da realidade brasileira e faz com que vivam num mundinho à parte, gravitando em torno aos próprios interesses, o que frequentemente envolve corrupção e dinheiro na meia, o que, convenhamos, está longe de ser esplêndido.

A verdade é que Brasília, como o Brasil, está mudando. A prisão de Arruda serviu para mostrar que a impunidade já não é a regra. O país não chegou a seu “grande destino”, mesmo porque este correspondia à expectativa messiânica tão comum na tradição luso-brasileira (segundo o Padre Vieira, Portugal seria o mítico e grandioso Quinto Império mencionado na Bíblia), mas avançou muito no rumo da igualdade e da redução da miséria. De alguma forma o sonho de Juscelino contribuiu para isso.

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