terça-feira, 27 de abril de 2010



27 de abril de 2010 | N° 16318AlertaVoltar para a edição de hoje
MOACYR SCLIAR

De um diário americano

Minha geração cresceu sob o signo de uma frase que, em praticamente todo o mundo, era repetida à exaustão: “Yankees, go home”.

Um protesto que tinha fundamento: autoinvestidos no papel de polícia do mundo, os Estados Unidos intervinham, direta ou indiretamente em qualquer lugar onde os interesses americanos pudessem, a critério deles, estar ameaçados.

Foi o que aconteceu na América Latina nos anos 60 e 70; as ditaduras militares receberam o apoio, aberto ou disfarçado, do grande irmão do Norte.

Mas o tempo passou, o mundo mudou, e os Estados Unidos mudaram também. A eleição de Obama foi disso uma prova decisiva, e bem assim a reforma do setor saúde, uma das grandes bandeiras do candidato.

Quem imaginaria o reduto do liberalismo admitindo um sistema assistencial no qual o Estado tem um papel importante? Foi uma grande vitória, e terá profunda repercussão. Como observou Thomas Friedman, o brilhante colunista do New York Times, os inimigos dos Estados Unidos (que não são poucos) aguardaram com muito interesse o desfecho dessa briga.

Uma derrota de Obama tiraria toda a autoridade do presidente e colocaria em xeque a liderança americana.

Que, aliás, já não é a mesma coisa; vivemos num mundo multicêntrico, com novas potências (entre elas o Brasil) emergindo. Mas ainda estamos falando do país mais rico e militarmente mais poderoso do planeta.

Não é mau que esse país tenha uma posição de liderança. Como diz Friedman, muitos se queixam do excessivo poder americano, mas o contrário seria pior. Já imaginaram um mundo comandado pelos aiatolás e pelo fundamentalismo?

Obviamente os Estados Unidos não são um paraíso democrático. A plataforma do movimento conhecido como Tea Party, comandado pela ex-candidata Sarah Palin, é assustadora. Para começar, a denominação reporta-se a um incidente do século 18, quando comerciantes de Boston preferiram jogar ao mar um carga de chá do que pagar à coroa inglesa os impostos.

Foi um gesto de autonomia, mas foi também uma mensagem antiestatal, que tem desdobramentos: o Tea Party acha que ajudar os pobres é contraproducente, que Obama dá demasiada atenção aos negros, e que o governo é socialista (sic).

Mas o Tea Party tem o apoio de uma minoria, menos de 18% da população. A democracia americana é uma garantia de que esse pessoal não imporá suas ideias ao país.

Mas não estamos falando só de política. A história americana é marcada por vários característicos importantes em nosso tempo: a criatividade, o pragmatismo, a tremenda disposição para o trabalho.

Ninguém obriga as pessoas a gostar dos filmes americanos, da música americana, da literatura americana: é uma escolha certamente condicionada por propaganda, mas basicamente espontânea. Yankees go home?

Pode ser. Mas o “home” americano (Nova York, por exemplo) está cheio de brasileiros. Que não parecem muito contrariados na Big Apple. Ao contrário: compram adoidado.

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