sexta-feira, 30 de abril de 2010



30 de abril de 2010 | N° 16321
DAVID COIMBRA


Boa bobagem

Atolice mais perigosa é a bem-intencionada. O pior burro é o burro bom. Porque o altruísmo lhe justifica a estupidez, as pessoas olham para sua ingenuidade dourada, sorriem para ela e suspiram: “Ele é do bem...”

Caso desse projeto Ficha Limpa, que irá à votação daqui a dias. Em um breve resumo, trata-se de um projeto de lei que proíbe a candidatura a cargos públicos de quem tenha sido condenado pela Justiça, diminuindo a possibilidade de recursos a instâncias superiores.

Muito bonito.

E muito equivocado.

O autor desse projeto, digamos que ele pretenda resolver as questões de segurança pública e descubra que a maioria das pessoas é assaltada depois das 22h, como de fato é. O que ele vai propor? Que as pessoas sejam proibidas de sair de casa depois das 22h.

O Ficha Limpa tem a mesma lógica. Em nome da presumida garantia de honestidade dos candidatos, ele retira do eleitor a prerrogativa de votar em quem quiser; assim como, em nome da segurança pública, o hipotético projeto contra assaltos retiraria do cidadão a prerrogativa de sair à rua quando bem entendesse.

O raciocínio é o seguinte: o eleitor não tem capacidade de avaliar se o candidato merece ou não o seu voto. Não sabe, por exemplo, pesquisar na internet, informar-se pela imprensa ou perguntar ao vizinho se o candidato está sendo processado ou se foi condenado em qualquer instância. Assim, o eleitor deve ser impedido de votar em quem tem possibilidade de ser mau candidato.

Uma proposta antidemocrática, embora sua intenção seja proteger a democracia. Uma tolice trágica, porque parece honesta.

E mais:

1. Quem garante que quem não está sendo processado é honesto e bom candidato?

2. Quem garante que quem está sendo processado é desonesto e mau candidato?

3. Quem garante que o autor do processo ou o juiz que condenou o candidato sejam honestos, tenham boa intenção e não sejam inimigos pessoais do candidato?

É um projeto ingênuo, mas não apenas ingênuo: é contraditório. Porque confia demais na Justiça ao supor que basta a condenação para classificar um candidato como mau, e não confia na Justiça ao impedir o julgamento em instâncias superiores.

O Ficha Limpa quer apressar a Justiça. E eis outra bobagem consagrada em território nacional. O brasileiro acredita que a Justiça é lenta. Não é. O defeito da Justiça brasileira é ser rápida demais. Provo: li que, em um ano, o Supremo Tribunal Federal julgou 145 mil processos.

No mesmo período, quantos processos analisou a Suprema Corte Americana? Cento e quinze. Não são 15 mil. Não são 1.500. São 115. Há 11 juízes no Supremo. Portanto, cada um, em média, apreciou uns mil casos por mês. O juízes americanos apreciaram... dois.

Como já disse, o defeito da Justiça brasileira é ser rápida demais.

Lenta é a lei.

Existem leis em excesso no Brasil. Leis, algumas dispensáveis; outras danosas inclusive a quem tentam defender. Como a proposta da Ficha Limpa, tão bem-intencionada. E tão tola.

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