segunda-feira, 12 de abril de 2010



12 de abril de 2010 | N° 16303
PAULO SANT’ANA


Igreja evoluindo

O bom senso manda que se torne legal e sensato o aborto quando a concepção do feto deu-se por estupro.

Não importa a idade da grávida, o que interessa é que ela não quer conviver com um filho que foi concebido por violência, contra a sua vontade.

Mas quando a paciente é menor de idade, como foi o caso daquela menina de nove anos, em Pernambuco, em março do ano passado, que foi submetida a aborto por ter sido estuprada por seu padrasto, então parece não ter dúvida de que se encaixa o aborto no plano moral e ético.

Pois a menina pernambucana de nove anos viu os médicos que praticaram o aborto e sua mãe excomungados pelo então arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho.

Não se sabe qual foi a violência maior, se a do estuprador da menina de nove anos ou se a do arcebispo ao excomungar os médicos e a mãe da menina que decidiram pelo aborto.

A decisão da Igreja Católica foi criticada na ocasião pelo presidente Lula e pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Mas o presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, cardeal Giovanni Battista, declarou que os gêmeos da menina estuprada “tinham o direito de viver” e que os ataques contra a Igreja Católica eram injustos.

Injustos? Mas como é que não entra na cabeça dos clérigos que qualquer mulher tem o direito de interromper sua gravidez pelo aborto quando o filho que está gerando foi concebido sob violência?

E não se entende também que a Igreja, defensora intransigente do direito à vida, não se comova com o risco de vida que corre uma menina de apenas nove anos em permitir que naturalmente nasçam dois gêmeos de suas entranhas.

Mas parece que a Igreja começa a evoluir nesses casos. Agora, também em Pernambuco, uma menina de 10 anos foi engravidada pelo padrasto e está sendo submetida a aborto.

Dom Fernando Saburido, arcebispo de Olinda e Recife, disse estar “triste” com a situação e acrescentou: “A decisão é dos pais, que têm toda a liberdade para agirem da maneira que entenderem ser a mais conveniente. Se há um consenso médico de que a vida da mãe corre risco, o aborto é algo a ser considerado”.

D. Fernando asseverou, no entanto, que a Igreja é contrária ao procedimento: “Defendemos a preservação da vida, de todas as vidas”.

O acusado, sempre o padrasto, foi preso.

Houve uma guinada na posição da Igreja, de um caso para o outro. Saudável guinada, a defesa do direito à vida do feto deu lugar à defesa do direito à vida da mãe, ameaçada diante da iminência do parto.

Falta a Igreja evoluir para a não proibição do aborto nos casos de concepção por estupro em geral, apiedando-se da mãe que não pode conviver para sempre com um filho indesejado, chama ardente da memória abjeta do estupro.

Uma criança nascida sob o signo do estupro, contra a vontade da mãe e obtida mediante a violência, não pode ver decorrer sua vida inteira mediante o ultraje e a vergonha permanente de sua mãe.

Se a Igreja é compreensivelmente defensora do direito à vida, nesses casos teria de ser também defensora da vida com dignidade da mãe estuprada.

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