terça-feira, 27 de abril de 2010



27 de abril de 2010 | N° 16318
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Caiu a trapezista

Aquela foto de ontem, com um grupo de artistas do Cirque du Soleil de costas para a plateia, formando uma parede tão compacta quanto pode ser uma parede humana com indivíduos de pé, aquela foto de ontem me deixou meio daqui, como se dizia na minha adolescência e não sei se ainda alguém diz.

Na verdade eu a vi no domingo ainda, furungando na internet para esquecer a derrota do meu time no Grenal. E no clicrbs vinha ela e um texto dando conta do fato: caiu uma trapezista lá de cima, e imediatamente os parceiros improvisaram a parede.

Improvisaram mesmo? Logo me dei conta de que o movimento deve ser ensaiado – também esse movimento, quero dizer. Eles têm passo marcado para tudo, de forma a poderem conviver com saltos, elipses, intervalos, objetos ao ar, voos, deslocamentos rápidos, muito movimento de muita gente com muitos elementos cênicos.

Sem ensaio, não tem como fazer nada daquilo, daquela maravilha que todos conhecem, seja no Cirque du Soleil ou no Cirquinho Dudu. Então retifico: eles não improvisaram ao fazer aquela parede; eles cumpriram um dos passos ensaiados. Ensaiados para os casos de quedas ou passos em falso ou, no limite, tragédia, que espero não seja o caso atual.

Essa preparação não me sai da cabeça. Imagino aqueles artistas ensaiando para quando tudo dá errado. Se um escritor erra na concordância ou na escolha do vocabulário, nada de grave; mas se o músico erra uma nota em cena aberto, a coisa já complica, porque se trata de artista de performance, não de artista de gabinete como é o escritor.

E quando o erro é não de uma nota, mas de um movimento? E quando desse erro resulta machucado físico? “Vamos ensaiar, pessoal! Assim, ó: quando um de vocês se estabacar no chão...”

E para que fazem a parede, em casos como esse? Não para confortar ou curar o caído, é claro, porque disso se encarrega um pessoal com formação específica, enfermeiro, médico, sei lá. Então só sobra uma chance: para poupar o público do reverso do espetáculo, de seu lado escuro.

Assim como os palcos e teatros têm, em regra, uma face pública e outra privada, o bastidor, também a cena aberta pode ser subitamente fechada. Esfria-se na marra o que era até então chama viva.

É o mesmo, pensando bem, que acontece com o choro do palhaço, com a pereba da bailarina, com a dor de cabeça do músico, coisas que ninguém nunca viu. Essa gente que vive no calor das artes ao vivo, vou te contar.

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