quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010



10 de fevereiro de 2010 | N° 16242
PAULO SANT’ANA


Ai de quem for alegre!

Temos uma confraria, uns oito amigos, que se reúne uma vez por mês num restaurante, onde ficamos em média três horas e meia.

São médicos, comerciantes, pequenos empresários e profissionais liberais.

Intuitivamente, fomos percebendo, com o passar das reuniões, que nos encontrávamos para nos queixar da vida.

O denominador comum das manifestações era o lamento das coisas, os problemas conjugais, a rotina massacrante. Enfim, as dificuldades todas que a gente enfrenta para levar adiante o barco.

Quem fala mal da vida, quem prega que não há horizontes para a existência, é ouvido com reverência e só falta arrancar aplausos dos outros confrades.

Até que um dia, inadvertidamente, um dos confrades atreveu-se a fazer um discurso otimista.

Disse que era feliz com a sua mulher, que seus negócios iam de vento em popa e que tudo dava certo para ele na vida.

Os outros sete confrades restaram estupefatos. Com que audácia, num auditório de pessimistas e queixosos da vida, aquele integrante do comitê do desânimo e da tristeza contrariava todos os cânones sobre os quais foram erigidas as reuniões mensais!

Era de se ver no semblante dos confrades a desilusão com o otimista. Como era possível existir alguém feliz entre nós? Que peito, que coragem desafiar aquela plateia de céticos e desmoronados e, ainda por cima, jogar nas nossas caras que era um homem realizado, contrariando toda a construção filosófica da roda, baseada no lema de que a vida é uma droga.

Foi evidente e amassante o mal-estar que se formou na nossa roda de pesarosos.

Os descrentes resolveram agir e consideraram aquela manifestação de hino à vida um desaforo.

Aos poucos, o otimista e feliz foi deixando de ser convidado, restando tacitamente expulso da confraria.

Ficamos nós, os queixosos e pessimistas, a desfiar todos os meses as nossa mágoa, a nossa náusea existencial, a nossa descrença.

Mas na nossa confraria, como em todas, a gente só conversa. E a conversa vai girando naturalmente, sem censura, até que esses dias um outro conviva, em meio a uma conversa, disse o seguinte: “A vida é bela”.

Foi um alvoroço. Outro dissidente? Como ousara pronunciar frase tão acintosa.

Todos se voltaram para ele revoltados. Urgia uma explicação, numa sociedade de desanimados, era uma afronta emitir tal conceito.

Acabou aquela reunião num mal-estar nauseante, decidindo os outros membros que na próxima reunião o apóstata teria de dar explicações sobre a sua frase subversiva.

Além disso, o companheiro que arriscara dizer entre nós que a vida é bela é muito querido entre nós, seria uma lástima e um desastre expulsá-lo do nosso convívio.

Deliberou-se então que ele destrincharia o seu conceito no jantar do mês seguinte, explicando como a vida pode ser bela.

Veio o outro jantar e todos ficamos ansiosos sobre as explicações do rebelde.

Ele não se fez de rogado e explicou a sua frase hedionda: “A vida é bela, nós é que a estragamos”.

Todos se sentiram aliviados e desculparam o herege. Afinal, constava de seu conceito que a vida era uma instituição estragada e inviável.

Segue avante a confraria com seus lamentos e desilusão.

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