sábado, 30 de janeiro de 2010



31 de janeiro de 2010 | N° 16232
MARTHA MEDEIROS


É impossível ser feliz sozinho?

Pense nos melhores momentos da sua vida: você estava sozinho ou acompanhado?

A limentar muita expectativa é o caminho mais curto para a frustração. Mais uma vez a máxima se confirmou: fui assistir a Amor sem Escalas, o badalado filme do mesmo diretor do excelente Juno, e não fiquei impactada como se prenunciava. Achei bom, apenas.

Tem alguns diálogos espertos e uma inversão de papéis inusual (no que se refere a relações entre homens e mulheres), mas, apesar do frescor que Jaison Reitman imprime a seus filmes, desta vez ele por pouco não escorregou pro sentimentalismo barato. Dentro do mesmo tema – é possível ser feliz sozinho? – prefiro Estrela Solitária, de Wim Wenders, que tratou sobre o isolamento do ser humano com muito mais poesia e beleza.

Ainda assim, uma frase me marcou. “Pense nos melhores momentos da sua vida: você estava sozinho ou acompanhado?”.

Pode não ser comum, mas há pessoas que não têm nenhuma vocação para constituir família, e nem por isso merecem a cadeira elétrica. Eles simplesmente preferem estar em movimento, não ter amarras, e essa liberdade cobra um preço que, se costuma ser alto para a maioria, para outros pode ser uma dívida fácil de quitar.

Eu bem que gosto de ficar sozinha. Já tive ótimos momentos comigo mesma dentro de um trem, em frente ao mar, lendo um livro. Mas reconheço que os momentos sublimes, aqueles eleitos como inesquecíveis, aconteceram quando eu estava “avec”. Reconhecer isso não faz eu desprezar a solidão, mas me impede de adotá-la como estilo de vida permanente.

Sozinha eu posso ser mais livre, mas não sou desafiada. Compartilhar a vida com alguém exige participação: a gente é impelido a se manifestar, a traduzir em gestos e palavras o que estamos sentindo, e isso engrandece o momento, cria vínculo, avaliza o que está sendo vivido, confere magia ao instante, credibiliza aquilo que está nos deixando emocionado.

Não precisa ser um momento repartido apenas com seu grande amor: pode ser também com os pais, com um irmão, um amigo, até mesmo com desconhecidos. Quando se olha nos olhos dos outros e se compreende o que se está passando, a sintonia se dá, mesmo silenciosa.

Lembrei de Scarlett Johansson sozinha num bar de hotel em Tóquio, percebendo o também solitário Bill Murray tomando seu uísque, em Encontros e Desencontros. A secreta comunicação do olhar entre ambos dava sentido ao que não havia sentido algum.

Pode acontecer entre dois, e também pode acontecer entre muitos. Um estádio de futebol lotado, com a massa gritando pelo mesmo time. Um show vibrante, todos cantando a mesma letra. Imagine se o espetáculo fosse exclusivo pra você: que graça teria?

Estando sozinhos, a sensação interna sobre o que está sendo vivido é quase triste, mesmo que não seja.

Juntos, até o que não parece alegre, fica.


31 de janeiro de 2010 | N° 16232
VERISSIMO


Padre Alfredo

O padre Alfredo estava ficando velho. Todos na paróquia concordavam: era triste, mas o padre Alfredo precisava se aposentar. Durante anos ele servira a comunidade com dedicação e sabedoria. Mas seu tempo estava acabando.

Era bonito vê-lo batizando netos de gente que ele também batizara, mas era constrangedor vê-lo se confundindo e derramando a água benta na cabeça do avô em vez do neto. E comentava-se que suas aulas de catecismo também tinham se tornado confusas. Por alguma razão, ele insistia que o pai de Jesus não se chamava José, mas Clóvis.

O primeiro sinal de que o padre Alfredo deveria ser substituído foi na inauguração do microfone, na missa. Ele resistira o quanto pudera, mas finalmente fora convencido a aceitar a novidade. Todos os padres estavam usando microfones durante o serviço religioso.

Alguns traziam o microfone preso no peito, para ficarem com as mãos livres. Quando empunhou o microfone pela primeira vez, o padre Alfredo examinou-o em silêncio por alguns minutos e depois levou-o à boca e começou a cantar um bolero. O que mais espantou os fiéis foi o padre Alfredo saber toda a letra de Tu me Acostumbraste.

O padre Alfredo dormia durante as confissões. Só acordava quando o penitente, estranhando o silêncio do outro lado do gradil, falava mais alto.

– E então, padre?

– Ahn?

– Qual é a penitência?

– Penitência?

– Pelos meus pecados.

– Dezessete Ave-Marias e vinte e nove Padre-Nossos.

– Mas padre, não houve penetração.

– Não interessa.

– O senhor nem ouviu os pecados!

– Mais trinta salve-rainhas pela insolência. E corta os doces por um mês.

Mas o que levou membros da comunidade a pedir a interdição do padre Alfredo foi seu comportamento na cerimônia de casamento do Agenor e da Maria Estela. Igreja lotada. Autoridades presentes. Grande pompa. O organista tocando seleções de Lloyd-Webber.

Entre aias, padrinhos, madrinhas e parentes, mais de cinquenta pessoas no altar. E o padre Alfredo, que aderira ao microfone preso no peito, perfilado no seu lugar, com os olhos fechados. Tensão na igreja.

Num casamento recente, o padre Alfredo lançara-se numa longa dissertação sobre o significado da união entre o homem e a mulher, começando com Adão e Eva, passando por Clóvis e Maria e chegando aos nossos dias, com o sacramento tão desprestigiado, e tanta gente vivendo junta sem benefício de matrimônio.

E terminara pedindo à congregação uma salva de palmas para o casal à sua frente, que decidira se casar na igreja. Ele mesmo liderara o aplauso, como um chefe de torcida. O que o padre Alfredo iria aprontar agora?

O padre Alfredo custou a começar a cerimônia. O pai da noiva já se preparava para cutucá-lo, temendo que o padre estivesse dormindo em pé, quando ele abriu os olhos, sorriu para os noivos, e perguntou:

– Vocês têm certeza?

Noivo e noiva se entreolharam. O padre continuou:

– Vocês sabem o que estão fazendo?

O Agenor se sentiu na obrigação de responder.

– Sim, padre.

– Já pensaram no que vem por aí? Uma vida inteira, juntos? As brigas, às vezes por mesquinharia? O ciuminho? Os sogros se metendo? As diferenças: filme de pancadaria ou filme romântico? Luz acesa para um ler quando o outro quer dormir? Um não podendo viver sem ar refrigerado, apesar da rinite do outro?

Já pensaram?

E um murmúrio de perplexidade percorreu a plateia quando o padre Alfredo acrescentou:

– E ainda por cima tem os filhos. Outra incomodação.

O padre retirou-se do altar com um abano, aconselhando os noivos:

– Pensem melhor, pensem melhor...

Não havia dúvidas. O padre Alfredo precisava se aposentar.

Por alguma razão, ele insistia que o pai de Jesus se chamava Clóvis


31 de janeiro de 2010
N° 16232 -MOACYR SCLIAR


Namorando homens mais moços

Na hora da conquista, é bom que as “panteras” saibam que “carros de praça” viraram “táxis”

Nos Estados Unidos, elas são conhecidas como “cougars”, palavra que designa um tipo de felino e que a gente pode traduzir como “panteras”. São mulheres de meia-idade que não têm qualquer problema em namorar homens mais jovens – às vezes, bem mais jovens.

Exemplos: Madonna, Mariah Carey, Demi Moore, além de Susan Sarandon casada com Tim Robbins, 12 anos mais jovem (os dois recentemente se separaram). Hollywood também abordou o tema em pelo menos dois filmes famosos.

Um deles é A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967) de Mike Nichols, no qual um jovem egresso da universidade (Dustin Hoffman, então um garoto) apaixona-se por Mrs. Robinson, a bela esposa do sócio de seu pai.

A outra película é Ensina-me a Viver (Harold and Maude, 1972), de Hal Ashby, mais caricatural ainda, porque o melancólico garoto Harold apaixona-se por uma mulher de 79 anos, Maude (magistralmente vivida por Ruth Gordon).

E agora está em cartaz Chéri, do excelente Stephen Frears, baseado no romance de Colette, uma autora que já foi best-seller e que conta a história da paixão de uma cortesã já aposentada, Léa, por Chéri, filho de sua antiga companheira de profissão e rival, Madame Peloux. Sucedem-se as cenas tórridas, mas no final o filme é uma bela meditação sobre o que, realmente, é o amor.

Estamos acostumados com casais em que o homem é mais velho do que a mulher (não muito mais velho: isso nós estranhamos). É uma escolha que, do ponto de vista do homem, e sob o enfoque evolucionista hoje em alta, faz sentido: o macho quer uma fêmea capaz de uma longa vida reprodutiva, garantindo, portanto, a continuidade da espécie. Acontece que não só a biologia condiciona nossa existência. Fatores psicológicos e sociais também estão em jogo.

No caso do rapaz apaixonado pela pantera, imediatamente pensamos numa fixação edipiana, aquela que, segundo Freud, faz com que alguém busque na mulher a imagem da própria mãe. Mas existem outras razões, de ordem, digamos, prática. Uma mulher madura não tem a insegurança e os temores das mulheres mais jovens.

Pode ser financeiramente independente, o que dispensa o companheiro da necessidade de sustentá-la. Por outro lado, existe o problema do envelhecimento, das rugas, dos achaques; e, se o rapaz pensa em filhos, a situação se complica.

De qualquer modo, e apesar de todos os obstáculos e preconceitos, o modelo pantera veio para ficar. Um estudo feito nos Estados Unidos com mulheres acima de 40 anos que viviam sós mostrou que 34% estavam namorando homens mais moços: Léa, Mrs. Robinson e Maude ficariam felizes.

Mas é preciso adotar algumas precauções, como descobriu, certa vez, uma amiga nossa. Mulher de meia-idade, separada, ela marcou um encontro com um rapaz bem mais jovem num bar. No final da noite, ele se desculpou: não poderia levá-la para casa porque não tinha carro.

– Não te preocupes – ela disse – eu chamo um carro de praça.

A surpresa dele mostrou que ela havia cometido um erro, ao menos de linguagem. Faz tempo que os “carros de praça” viraram táxis. É bom que as panteras saibam disso.


31 de janeiro de 2010 | N° 16232
PAULO SANT’ANA


Soneca na sinaleira

Aconteceu uma cena notável, quinta-feira passada, na sinaleira da Rua Bogotá, esquina da Avenida Assis Brasil, Zona Norte.

Eram sete horas da manhã e um motorista embriagado dormiu no volante, congestionando e atrapalhando todo o trânsito. Uma fileira imensa de carros ficou atrás do veículo dirigido pelo embriagado.

O nosso repórter de trânsito, Mauro Saraiva Jr., que chegou junto com a polícia, acordou o motorista embriagado e eu ouvi a entrevista na Gaúcha.

– O senhor está embriagado?

– Negativo.

– O senhor está se sentindo bem?

– Positivo.

– O senhor aceita se submeter ao bafômetro?

– Positivo.

– Por que o senhor ficou parado na sinaleira?

– Parei por causa da blitz.

O fato é que não havia blitz nenhuma na sinaleira, não se sabe como o bebum enxergou uma blitz.

Afora esse fato singular, as pessoas estão dormindo nas sinaleiras de Porto Alegre.

Conheço inúmeros motoristas que tiram sonecas nas sinaleiras. Um deles me disse que quando está com bastante sono se dirige para a esquina das Avenidas Princesa Isabel e João Pessoa e forra o poncho dormindo naquela sinaleira de três tempos. Demora, demora, o motorista tira uma pestana prolongada.

Para tratamento sonoterápico, sugiro aos motoristas que se dirijam à Rua Lucas de Oliveira, que atravessa a cidade do Partenon até a Auxiliadora: não existem sinaleiras mais demoradas e frequentes.

A Avenida Assis Brasil, onde em uma das sinaleiras o motorista bêbado foi apanhado em sono profundo, dá pra parar o carro na sinaleira, descer do veículo, ir comprar um refrigerante e frutas e voltar para o volante a tempo de seguir depois que o sinal abre.

Quem vem pela Avenida Praia de Belas na altura do Pão dos Pobres e quer converter à esquerda para entrar na Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, prepare-se para dormir na sinaleira. Quando passo por ali, vejo o ronco dos motoristas confundir-se com o do motor dos carros.

No Laboratório do Sono, o Dr. Dênis Martinez costuma receitar uma infalível receita contra a insônia: dirigir 15 dias seguidos no trânsito de Porto Alegre. Não há quem resista e não pegue no sono ao parar nas sinaleiras da Capital.

E há duas sinaleiras que estão ficando famosas pelo sono que provocam nos motoristas que as cruzam: a da Faixa Preta (Dr. Campos Velho), esquina da Avenida Cavalhada, e a da Avenida Ipiranga, esquina da Borges de Medeiros, que já ganharam até apelidos dos motoristas porto-alegrenses: Dormonid e Lexotan.


A Toyota na funilaria

A empresa revolucionou a maneira de fazer carros e tornou-se líder mundial. Agora enfrenta um recall constrangedor – que poderá arranhar a sua imagem

Luís Guilherme Barrucho - Redd Saxon/AP

PÁTIO CHEIO


Falha no acelerador interrompeu a venda nos EUA de oito modelos da fabricante japonesa


Foram necessários setenta anos para que a japonesa Toyota realizasse o sonho de seu criador, Kiichiro Toyoda. Em 2007, a empresa tornou-se a maior fabricante de carros do mundo, superando a americana General Motors.

O sucesso só foi possível graças à tecnologia que se tornou sinônimo de conforto e segurança, a preços competitivos. Na semana passada, essa reputação sofreu um golpe.

A Toyota convocou 2,3 milhões de proprietários nos Estados Unidos para solucionar um defeito no acelerador, produzido por um fornecedor canadense. Houve incidentes em que o carro continuava acelerando, mesmo depois de o motorista parar de pressionar o pedal.

O defeito envolve oito modelos da Toyota, entre eles seus dois sedãs mais vendidos nos Estados Unidos, o Camry e o Corolla. O mais constrangedor: incapaz de solucionar a falha, a empresa suspendeu a produção e a venda desses veículos.

O recall, que não afeta o Brasil, também foi estendido à Europa e à China. Ao todo, estima-se que mais de 4 milhões de automóveis terão de passar pelo conserto.

Foi a segunda grande falha registrada em menos de quatro meses no mercado americano. Em setembro, a Toyota já havia chamado 4,2 milhões de veículos de volta às concessionárias, por causa de um problema com o tapete do motorista, que se enroscava nos pedais. Como se não bastasse, a companhia tem perdido mercado para novatas, como a coreana Hyundai.

Para completar, padece de um equívoco estratégico: fez apostas tímidas nos mercados que mais crescem atualmente, como a China e o Brasil, ao contrário da alemã Volkswagen, que já dá sinais de superá-la.

O resultado é que desde que a montadora japonesa alcançou a liderança mundial, há dois anos, suas vendas caíram quase 20%. Estaria sob ameaça o reinado da marca? "Acredito que não", afirmou a VEJA Jeffrey Liker, da Universidade de Michigan. "Os princípios da Toyota são suficientemente fortes para evitar que dois problemas isolados contaminem toda a empresa."

A companhia cresceu seguindo catorze princípios criados por Kiichiro Toyoda e pelo engenheiro Taiichi Ohno, entre eles a busca pelo aprimoramento contínuo. A Toyota estabeleceu um novo modelo de administração, o just in time, em que a montagem e os embarques de carros são imediatos e correspondentes à demanda, o que reduz o custo para manter estoques.

As concorrentes a copiaram e se reergueram, enquanto a japonesa parece ter baixado a guarda. Diz Alan Middleton, da Universidade York, no Canadá: "Quando as empresas se tornam grandes demais, existe o risco de se acomodarem e deixarem a criatividade de lado". Para permanecer no topo, a Toyota precisará ter humildade oriental e reler os seus próprios princípios.

Junko Kimura/Getty Images
LÍDER CABISBAIXO



Akio Toyoda, neto do fundador e atual presidente da Toyota: críticas pela resposta tímida diante das falhas

Lya Luft

Educação de quarto mundo

"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"

No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional.

Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.

No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos.

Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.

Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão?

Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet.

Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?

Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação - palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência.

Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.

Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação.

Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.

Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?

RUTH DE AQUINO

Mulher tem que ser braba mesmo?

é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro

raquino@edglobo.com.brO presidente Lula foi internado com hipertensão. O nome já diz: é tensão demasiada, dez compromissos em cinco cidades numa semana, levando na bagagem sua pré-pós-candidata, a ministra Dilma Rousseff.

Num dia, Lula diz, orgulhoso, que “a bichinha está palanqueira”. Dias depois, em Pernambuco, pela primeira vez assume em comício o gênio forte da ministra: “As pessoas falam que a Dilma é braba. Vou lhe contar uma coisa. Mulher tem mais é que ser braba mesmo”.

Não sei o que será pior na campanha para Dilma: mudar ou não mudar o jeito, o tom, os temas. No fundo, colocou-se a ministra numa roubada. Seu amigo, o ex-guerrilheiro e ex-prefeito petista de Belo Horizonte Fernando Pimentel, afirma que ela deve assumir a fama de durona porque “tentar fazer Dilma parecer com Lula é ilusão”. É como diz Pimentel. Ela não é operária, não passou fome e não nasceu no Nordeste.

É mineira de classe média alta, educada nos melhores colégios. Quando se apresenta a círculos menores, Dilma conta que o pai é búlgaro. Não dá para dizer isso em palanque. Búlgaro de quê?

O desafio cada vez mais claro e árduo de transferir votos para Dilma pode estar na raiz da hipertensão do presidente. Não é preciso ser médico para desconfiar. Porque, quando Dilma se acredita popular e se solta... aí mora o perigo. Em Pernambuco, conta a repórter de O Globo Letícia Lins, a ministra cometeu gafe após gafe ao inaugurar um posto de saúde ao lado de seu padrinho.

Ela disse que o escritor Ariano Suassuna nasceu em Pernambuco – mas foi na Paraíba. Atribuiu a Suassuna a frase “nós somos madeira que cupim não rói”. A frase é do compositor Lourenço Barbosa, o Capiba. Errou o nome da cidade em que estava. Falou no prefeito “Romildo”, de Olinda. Só que ele se chama Renildo. Saudou Romero Jucá (PMDB) como líder do partido no Senado. Jucá é líder do governo.

Vamos dar crédito à ministra. É verão, faz muito calor. E o que lhe falta de traquejo lhe sobra em nervosismo. Não pode ser fácil mesmo tentar substituir Lula, o homem do povo que já governa o Brasil há quase oito anos e que, em Davos, na Suíça, receberia na sexta-feira o título de Estadista Global, caso a pressão não o traísse.

Não sei o que será pior para Dilma na campanha: mudar ou não mudar seu jeito e seu tom

O problema não são as gafes da ministra, ainda pequenas (quem será que está escrevendo os discursos de Dilma?). A pergunta é outra: o povo brasileiro quer mesmo uma dama de ferro no poder? Será que, como disse Lula, “mulher tem que ser braba”? “Quem tem que ficar arreganhando os dentes todas as horas é o homem.

A mulher tem que ser séria mesmo”, disse Lula. As urnas dirão se o povo concorda. Como Dilma se comportará, atacada em debate? O marqueteiro João Santana terá de fazer mágica. Amigos dizem que ela tem treinado postura e discurso. Só faltaria escolher “temas mais populares, deixando de lado o tom técnico”.

Na festa de 100 anos de dona Maria Amélia, a mãe de Chico Buarque, no Rio, Dilma estava lá, ao lado de Lula. O presidente foi um sucesso. E a ministra? Os convivas dizem que ela se esforçou para demonstrar simpatia.

Mas, em festa de bamba, clima pré-Carnaval, ninguém vai conversar sobre PAC, pré-sal ou etanol. Ou sobre “a comissão da verdade”. Nome complicado esse. Pois, se existe uma comissão da verdade sobre vítimas da repressão, imaginamos que as outras... Bem, as outras devem ser de mentirinha.

Lula, sempre galante em sua defesa de Dilma, chamou de “babaca” o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que não perde a chance de atacar o ponto fraco da ministra: “Foi ela quem liderou isso (o veto à suspensão de obras da Petrobras consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas) . Ela quer mandar em tudo. É autoritária”.

É pouco? Vem aí um trio da pesada para o diretório nacional do PT. Todos réus do mensalão: José Dirceu, cassado em 2005 e ex-ministro da Casa Civil; José Genoíno, presidente do PT até 2005, obrigado a sair pelo escândalo; João Paulo Cunha, presidente da Câmara no primeiro mandato de Lula. Objetivo: costurar alianças e articular a campanha da Dilma.

Um trio de ferro para uma dama de ferro.


30 de janeiro de 2010 | N° 16231
NILSON SOUZA


O objeto perfeito

O caderno Vestibular, encartado na edição da última quarta-feira deste jornal, apresentou uma desafiadora sugestão para estudantes do Ensino Médio: a leitura de um livro por mês. Educadores e especialistas selecionaram títulos por faixa etária, e o jornal apresentou um roteiro específico para jovens entre 15 e 18 anos, indicando um livro a cada 30 dias como receita, senão para uma formação literária excelente, pelo menos para uma vida prazerosa.

Li com atenção a reportagem, conferi os títulos que já fazem parte do meu currículo de leitor, mas fiquei pensando: que jovem da geração digital dispõe de tempo para devorar um livro por mês?

Os críticos mais rigorosos do admirável mundo novo em que vivemos certamente responderão que o problema não é tempo, mas vontade. Como diria aquele célebre dicionarista, discrepo. Vontade muitos têm. Mas os apelos da tecnologia são mais fortes.

Os celulares chamam, torpedeiam, vibram como pequenos terremotos da atenção. Os computadores brilham, emitem ruídos, falam e ouvem. Os tocadores de música ocupam os ouvidos e o cérebro. Os teclados chamam os dedos. Fica mesmo difícil exigir que a garotada se conforme em ocupar as mãos e os olhos com um objeto aparentemente inanimado como um livro.

E no entanto ele se move. O livro (de papel, bem entendido) é um daqueles objetos perfeitos – portátil, fácil de manusear, responde prontamente ao toque dos dedos que o folheiam, permite retrocesso nas páginas, dispensa o uso do mouse, não trava, o conteúdo não se apaga quando falta luz nem quando se toca numa tecla errada. Dependendo do operador, pode ser tão interativo como qualquer equipamento eletrônico, já que possibilita soltar a imaginação.

Acho mesmo tudo isso, mas reconheço que esta é uma visão antiga. Estudiosos do cérebro dividem os leitores em contemplativos, fragmentados e virtuais.

Os primeiros são da época ancestral em que o livro era a principal fonte de conhecimento, consumia todo o tempo do consulente. O leitor fragmentado pegou o tempo do jornal, da televisão, do ambiente urbano cheio de placas luminosas, sinais que se movem.

Passou a consumir a leitura com pressa, em movimento, sem tempo para reler e meditar. E chegamos ao leitor virtual, que interage com som, texto, imagem, vídeos, telas planas, tudo misturado, numa celeridade quase alucinógena. É quase antinatural querer que essas criaturas multimídias desacelerem cérebros e dedos para ler um livro por mês.

Mas quem já leu vários daqueles títulos sugeridos pelo velho método de folhear página por página tem motivos para pensar que a garotada está perdendo algo muito valioso.

Um lindo sábado e um gostoso fim de semana


30 de janeiro de 2010 | N° 16231
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Verão, verão – parte 1

A vida das estâncias se transforma durante o verão, que normalmente é seco. Com isso, o campo se resseca, e o pasto não fornece os nutrientes que o gado necessita. E dá no campo uma roseta que a gurizada que gosta de andar de pés descalços amaldiçoa muito.

O gado perde peso e, se a estância não tem pastagens artificiais e açudes, termina passando fome e sede. O rebanho é tosquiado no começo do verão para que as ovelhas não enfrentem com toda lã o calor.

A tosquia das ovelhas é chamada pelos gaúchos de “tosa” ou “esquila” e, durante a II Guerra e logo após, quando a lã alcançou altos preços no mercado internacional, as ovelhas sozinhas garantiam a economia estancieira. Hoje, porém, graças aos fios sintéticos, a lã ovina está completamente desvalorizada.

Mas sou do tempo da lã valorizada. Nenhuma estância tinha a sua própria “comparsa”, a equipe formada pelos gaúchos que vão tosar as ovelhas. E mais: sou do tempo, durante a II Guerra, em que as “comparsas” ainda tosavam “a martelo”, isto é, manualmente, com a tesoura de “esquila” acionada pela mão do esquilador.

Nas grandes estâncias tosar cinco mil, dez mil ovelhas e até mais “a martelo” era uma operação demorada e complexa. Os integrantes da comparsa eram contratados pelo capataz que, conforme os convites que recebia, passava o verão de um lado para outro com a sua equipe.

Rebanho emangueirado, o trabalho começava às seis da manhã, depois de um chimarrão e de um café meio galopeado. Havia os agarradores (que agarravam as ovelhas com a mão, uma por uma), os maneadores (que maneavam três pernas do animal), o esquilador (o “tesoura”), que chegava a tosar sessenta ou mais ovelhas entre as seis da manhã e as seis da tarde. Havia o embolsador, que ficava em pé, seminu dentro de uma grande armação onde estava pendurada uma enorme bolsa.

Ali atiravam, transformados numa bola redonda, um a um os velos de cada ovelha tosada, e o embolsador pisava neles todos para que se ajeitassem na imensa bolsa de lã onde viajariam para a cidade.

O calor dentro da bolsa pendurada na armação era sufocante, e o embolsador cercado de lã transpirava em bicas. Ah, havia o “bocha” que não era membro da comparsa, mas normalmente um guri gaudério, que não deixar faltar água para os tosadores.

Todos eram remunerados. A cada ovelha tosada, “o tesoura” recebia uma “lata”. A lata era a moeda que servia para tudo nos dias da esquila, enquanto durava a presença da “comparsa” na estância. Era um pedaço de lata circular, às vezes com a marca da estância gravada, que o capataz da comparsa recebia do estancieiro e pagava o “tesoura”.

A “lata” sempre tinha o mesmo e único valor. O “bocha” não tinha remuneração estipulada, mas sempre recebia aqui e ali uma lata.

O agarrador, o maneador, o embolsador recebiam menos que o “tesoura”, a estrela maior da comparsa. Conheci “tesouras” famosos, como os meus tios Julio Machado e João Fagundes... (continua)


30 de janeiro de 2010 | N° 16231
PAULO SANT’ANA


Sístole e diástole

Descobrimos, ainda a tempo, que nós, brasileiros, estávamos descuidados com a saúde do nosso presidente Lula.

Assistimos ao esforço hercúleo do presidente atingir, só em 2009, 83 dias viajando pelo Brasil e ainda 91 dias no Exterior, visitando 31 países. Três meses viajando pelo Exterior, quase outros três meses viajando pelo Brasil.

São seis meses só de viagens. Só quem viaja sabe o quanto isso é desgastante.

E só agora, depois da crise hipertensiva de Lula às vésperas do embarque para Davos, na Suíça, é que fomos perceber que descuidávamos da saúde do presidente.

Esse incidente é que afinal nos levou a dar maior atenção à saúde presidencial.

Ficamos sabendo até o que vem a ser a pressão sanguínea, isto é, a pressão exercida pelo sangue contra a parede das artérias.

Soubemos até, só agora, depois do susto de Lula, que uma medida considerada ótima para pressão arterial é menor que 120mm/Hg na sístole (contração do átrio) e 80mm/Hg na diástole (relaxamento do átrio).

E que, quando a pressão está entre 140mm/Hg e 90mm/Hg, ou maior, já é considerada alta.

O normal (ideal) da pressão é, portanto, 12 por 8. E Lula apresentou esta semana 18 por 12, daí por que os médicos o impediram de ir a Davos receber o título de Estadista Global no Fórum Econômico.

Eu gostaria de saber como é que se decide suspender uma viagem dessas. Se o presidente está acima de todos, como podem os médicos ordenar que ele não viajará e não receberá um título importante desses?

O mais correto talvez fosse dizer que o presidente Lula foi quem decidiu não viajar, a conselho do médicos.

Desde 2003, quando assumiu, Lula passou nada menos do que 426 dias no Exterior, enquanto que às viagens nacionais dedicou quase 600 dias.

E, quando está em Brasília, Lula tem uma agenda diária de pelo menos 12 horas.

Bota trabalho e vigília nisso. É uma agenda apertada que exige saúde muito boa de quem a cumpre.

Agenda tão estafante, que o presidente não achou tempo para fazer o seu check-up de 2009.

Apesar de exercitar-se fisicamente todos os dias, quando não está viajando, mantendo hábitos morigerados, destoa no entanto o presidente quando fuma cigarrilhas.

Mas afirma o chefe do Departamento de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo, Dr. Décio Mion Júnior, que não foram o cigarro, nem o resfriado, nem a dieta à base de proteína, as causas da crise sofrida por Lula.

Mion disse que o excesso de sal na alimentação ou de álcool também só afetam pessoas que já tenham um quadro hipertensivo, o que não é o caso de Lula.

Acrescentou o médico: “Se a pessoa acender um cigarro após o outro, pode sofrer uma elevação muito discreta da pressão, mas não uma crise aguda. O cigarro leva ao enfarte, não é recomendável, mas não age diretamente sobre a pressão”.

Admirável opinião médica esta que singularmente, em oposição à cascata que vem ao contrário, não atribui ao cigarro a causa de uma doença importante.

O fato é que depois desse conhecimento do quadro geral de Lula, que sentiu um desconforto, uma dor de garganta e apresentava uma coriza, nós, brasileiros, estamos advertidos de que temos que cuidar melhor da saúde do nosso presidente.

Os cuidados médicos são os seguintes: melhorar a alimentação, evitar o consumo de sal, exercitar-se e parar de fumar.


30 de janeiro de 2010 | N° 16231
CLÁUDIA LAITANO


Os peregrinos

Uns rezam em direção a Meca, outros para o lado contrário. Alguns percorrem o caminho de Santiago, outros preferem Lourdes ou Aparecida do Norte. Há os que seguem seu time até o sertão do Ceará, e tem aqueles que transformam a própria casa em um lugar sagrado.

Minha peregrinação também era movida por uma espécie de fé – a do tipo que se alimenta não apenas da devoção individual, mas da sensação de pertencer a um grupo, de fazer parte. Mergulhar no senso comum, no gosto médio, e tirar disso, paradoxalmente, um prazer particular. É disso que se tratava.

Às vezes, ser “mais um” é uma experiência única – e qualquer pessoa que já se sentou na arquibancada lotada de um estádio ou sacudiu na avenida atrás de um trio elétrico sabe do que eu estou falando. Não gosto de Carnaval nem de futebol e meu último comício foi o da campanha das Diretas.

Talvez por isso valorize tanto a ideia de ser fã de uma banda que agrada a quase todos os gostos – como pôr do sol e pizza quatro queijos. O destino da minha peregrinação não poderia ser outro: Liverpool, Inglaterra.

Já havia visitado Londres em duas ocasiões, mas nunca com tempo suficiente para enfrentar a viagem de três horas de trem até a cidade sagrada de todos os fãs de Beatles. Tempo, desta vez, não era desculpa.

O maior obstáculo era meu próprio ceticismo com relação ao que me esperava em Liverpool. E se a coisa toda fosse uma imensa roubada turística, daquelas que nos deixam constrangidos e com remorso por todos os tostões gastos em lembrancinhas inúteis? Era um risco considerável – que eu decidi desconsiderar.

Acompanhada de um marido resignado, mas indiferente ao sentido mais profundo que movia a peregrinação, cheguei a Liverpool em meio à pior tempestade de neve dos últimos 30 anos. Ao contrário do que eu imaginava, não encontrei placas de sinalização indicando o caminho até Penny Lane ou sequer um modesto quiosque de informações na estação facilitando a vida do peregrino.

Foi preciso caminhar 15 minutos, sob e sobre a neve, até encontrar algum sinal de beatlemania – uma lojinha simpática, mas modesta. Comprei ali os ingressos para um passeio de ônibus de três horas pelos pontos obrigatórios (a casa onde John Lennon morou, Strawberry Fields, o túmulo da suposta Eleanor Rigby...) que aconteceria à tarde e marchei mais 15 minutos sobre o chão escorregadio até o museu The Beatles Story. A viagem começava a fazer sentido.

O museu, criado há 20 anos, lembra a história da banda com objetos, vídeos e a reconstituição de ambientes como o Cavern Club e os estúdios de Abbey Road.

É bem pensado e completo, mas poderia, em princípio, estar montado em qualquer lugar do mundo. Faltava “aura”. Minha expectativa passou a ser o passeio de ônibus pelos cenários que eu já conhecia de livros e filmes, e que eu veria de perto – mais ou menos – pela janela do ônibus.

Às três da tarde, estávamos todos, peregrinos e seus acompanhantes resignados, mal abrigados da nevasca, esperando nosso Magical Mistery Tour. Mas, pouco antes do horário marcado, soubemos que o passeio havia sido cancelado em função do mau tempo.

Voltei para Londres no mesmo dia, com uma coleção de CDs que eu poderia ter comprado em Porto Alegre e sem ter visto muita coisa de Liverpool além de neve.

É possível que essa tenha sido minha primeira e última visita à cidade – nunca se sabe. Seja como for, a lembrança mais forte que vai ficar dessa viagem às geleiras da memória serão aqueles poucos minutos em que, sob o frio e o mau tempo, um grupo de estranhos unidos por uma paixão comum esperou pacientemente por um ônibus que nunca chegou.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010



Perdão, esquecimento y otras cositas mas

Todo mundo tá careca de saber que raiva, ressentimento, inveja, culpa, remorso e outros sentimentos negativos são péssimos para a saúde física e mental da gente e dos outros. Tudo bem, somos humanos, demasiado até, por vezes. Vingança, para quem ainda gosta disto, é um prato que se come geladinho.

Há quem sonhe em comer o fígado do inimigo bem friozinho, em forma de finas fatias, com azeite de oliva extravirgem, alcaparras e queijo grana padano, tipo um diabólico carpaccio. Para esses, não desejo buon apetito! Somos anjos e demônios, mas procuro acreditar mais no bem e na energia positiva.

Deus para mim é uma grande, misteriosa e infinita energia criativa e positiva. Melhor achar que a gente é anjo de uma asa só, que precisa de outro para voar.

Já perdoei um monte de gente por uma pá de coisas e espero que tenham me perdoado por muita coisa que possa ter feito. Não acho brega dizer “desculpe qualquer coisa”, mesmo depois de uma festa bem-sucedida. Brega é não sorrir, não se desculpar, não agradecer ou não pedir licença. Agora, esquecer já é mais complicado.

O grande ator Morgan Freeman, esses dias, disse que perdoar é mais fácil que esquecer. Concordo. Mas acho que a gente deve se esforçar para colocar pensamentos, emoções e palavras boas na vida e tentar esquecer certos atos, cidadãos, situações e outros lances baixo-astral que pintaram e pintam.

Conseguir esquecer certos acontecimentos e fazer uma faxina mental é o máximo. Só não se sinta Deus depois disso. Menos, né? Deepak Chopra, médico e pensador internacional e, inclusive, doutor do pegador anistiado Bill Clinton, está coberto de razão científica e filosófica quando diz que palavras, atitudes e pensamentos positivos fazem mal para nossa cabeça, tronco e membros.

Diz ele que se tu não abres teu coração, algum cardiologista vai ter que fazer isto por ti. Que fique para trás aquela história de que homem não chora, tem ataque cardíaco. Sim, mas, vamos combinar, também, que não precisa chorar em público por qualquer coisa.

Sorria, chore, agradeça, não fure a fila, peça licença, peça para Deus fazer justiça a teus inimigos e, se possível, esqueça das porcarias passadas e lembre aí que dá para se exercitar e brincar com a memória, onde as coisas acontecem, ou não, muitas vezes, de várias maneiras.

Jaime Cimenti

Um lindo dia pra vc. Um gostoso fim de semana.


Intricada rede de tipos de uma Buenos Aires decadente

Pele e Osso é o mais novo romance do consagrado escritor argentino Luis Gusmán, autor também de O vidrinho (1990) e Villa (2001), já lançados no Brasil pela Editora Iluminuras.

A narrativa apresenta, sobretudo, uma intrincada rede de tipos de uma Buenos Aires decadente e atual, onde se mesclam temas como a globalização, o aquecimento global, acontecimentos terroristas e outros aspectos da modernidade.

Um magrelo cinquentão e cocainômano, recém-convertido ao protestantismo, cujo sugestivo apelido - Osso - é justamente o que lhe resta quando perde a memória e acorda numa favela com uma gorda louca que diz ser sua esposa. Um pai de santo sedutor rouba a mulher de Osso.

Um vendedor de peles gordo e diabético, acossado pelo Greenpeace e o aquecimento global, numa cidade em que seu ofício herdado da família se tornou anacrônico, ao sair com prostitutas, mente que é advogado.

Uma bioarquiteta e radiestesista que fez plástica para mudar a energia do rosto. Uma bióloga ecologista que trai o marido com um professor de mergulho e se apaixona por um peleteiro que se diz advogado.

Um engenheiro que também é piloto de barco e muitas outras figuras se encontram pela habilidade narrativa ágil e econômica de Gusmán, que tem como uma de suas principais virtudes deixar que os personagens falem. A força do diálogo é recuperada neste livro, e cada um desses anônimos, com as suas palavras ditas à meia, se esconde e se mostra, em silenciamentos compartilhados pelo narrador, sempre comedido.

A fala fica reduzida ao essencial, em meio às vacilações, provocações mútuas, mal-entendidos, tudo envolto na trama que tem um plano terrorista delirante, interesses egoístas, fúria incendiária compartilhada e o misticismo e o charlatanismo que campeiam no mundo e na Buenos Aires desses nossos tempos tumultuados.

Enfim, uma vez mais, com seus personagens-marginais e sua narrativa forte, Luis Gusmán mostra porque é um dos nomes mais importantes da literatura argentina destas últimas décadas e revela mundos que não são exatamente aqueles que os milhões de turistas estão acostumados a ver.

Gusmán apresenta criaturas que podem trocar de nome, bandeira, fé e profissão, por conveniência ou necessidade. 224 páginas, R$ 44,00, tradução de Wilson Alvez Bezerra, Editora Iluminuras Ltda, telefone (11) 3031-6161.
Jaime Cimenti


29 de janeiro de 2010 | N° 16230
DAVID COIMBRA


Formas de crueldade

Dois brasileiros assaltaram um homem, dias atrás, e ele não tinha dinheiro para lhes dar, então eles o manietaram e atearam fogo em suas mãos. Isso ocorreu ainda esta semana, no interior do Estado.

Também no Interior, mais exatamente em Erechim, outros brasileiros pegaram outro homem e, por algum motivo, deceparam-lhe os dois braços e as duas pernas e o deixaram largado em um bueiro. Isso foi na semana passada.

Se lesse em um livro de história que algo desse quilate havia sido cometido na Antiguidade ou na Idade Média, suspiraria pelos tempos de trevas que já foram atravessados pela Humanidade. Mas essas barbaridades foram perpetradas agora, sob as luzes do século 21, bem aqui no Rio Grande do Sul, e os autores desses atos são brasileiros, como a maioria das pessoas que conheço.

Suponho que as vítimas desses brasileiros devam ter sofrido atrozmente, mas nem demos muita importância a elas. Mereceram citações pálidas na imprensa e no dia seguinte já estavam esquecidas. Não sei de ninguém que se comoveu pelo que passaram, ninguém que chorou por sua dor.

Há algo errado conosco.

Uma vez, Noé tomou um porre. Já não estava mais confinado na Arca, a havia deixado encalhada no alto do Monte Ararat, na distante Turquia. Desceu à terra, cultivou-a, plantou a vinha e fermentou o vinho. Exagerou ao experimentar sua própria produção, o venerando patriarca, e aí sabe como é: saiu dizendo para todo mundo te considero pra caramba, fez um strip e desmaiou de bêbado, peladão.

Um de seus filhos, Cam, flagrou a fiasqueira do velho, achou a maior graça e correu para contar a Sem e Jafé, seus irmãos. Sem e Jafé, porém, ficaram com pena de papai, tomaram um manto e com ele cobriram pudicamente Noé, tendo o cuidado de entrar de costas na tenda em que ele roncava, para não vê-lo nu.

Ao acordar, Noé ficou sabendo do comportamento de seus filhos. Enfureceu-se com Cam. Talvez até além da conta, suponho que por causa da ressaca de vinho, que, como se sabe, é a pior das ressacas. Esbravejou:

– Que seu filho seja escravo dos escravos de seus irmãos!

Os hebreus diziam que esse filho de Cam chamava-se Canaã, de quem descenderam os cananeus. Já os árabes dos séculos 8 e 9 garantiam que o neto amaldiçoado de Noé chamava-se Cush, que, em hebreu, quer dizer “preto”. A partir de Cush foi fundada a nação Cuxe, que era a Núbia, mais ou menos onde hoje fica o Sudão.

Essa suposta descendência forneceu aos árabes muçulmanos uma engenhosa justificativa para escravizar os negros africanos durante a Idade Média, já que os árabes, bem como os hebreus, se originaram de Sem, enquanto os indo-europeus vieram de Jafé.

Logo, os negros africanos tinham mesmo de ser escravizados pelos semitas e pelos europeus – de acordo com os semitas e os europeus, claro.

Mas o que interessa agora não é a lógica escravagista, e sim a maldição de Noé. Ele a lançou sobre o filho que o expôs. Noé não tinha feito mal a ninguém, apenas havia bebido demais.

Cam, no entanto, o ridicularizou e deu publicidade à humilhação do pai. Esses que filmam e fotografam com celular e expõem as pessoas na internet, esses não fazem hoje como fez o desgraçado Cam? Não merecem eles também uma maldição?


29 de janeiro de 2010 | N° 16230
PAULO SANT’ANA


O império dos ratos

É a verdadeira revolta dos ratos. O Posto de Saúde Ernesto Araújo, no Morro da Cruz, amanheceu fechado na terça-feira pela infestação de ratos.

Os ratos passeiam olimpicamente por todos os ambientes, na copa, nos corredores, na farmácia, no almoxarifado e nas outras salas.

Os pacientes estão sendo atendidos e de repente atravessa a sala um tremendo ratão.

E o pior: quando alguém tenta retirar ou espantar um rato, ele enfrenta quem faz isso, não se deixa atemorizar e cria um clima de guerra lá dentro do posto.

O que quer dizer que se trata de ratões nutridos, criados a toddy, prontos para encarar qualquer medida que pretenda tirá-los de lá, eles são donos do território.

Não tem explicação que a Secretaria Municipal de Saúde tenha permitido que a situação chegasse a tal ponto.

Assim é que estamos tratando a saúde dos nossos munícipes? Se lá no templo da saúde dominam os ratos, como anda a coisa aqui por fora?

Era governador da Guanabara Negrão de Lima. Um dia o seu secretário da Saúde veio lhe dizer algo que parecia estonteante:

– Não dá mais, governador, os ratos dominaram a cidade do Rio de Janeiro: já temos 100 milhões de ratos, são 10 ratos para cada habitante da cidade. Algo precisa ser feito.

E o governador perguntou ao secretário:

– O senhor podia me dizer como é que vocês fazem para contar os ratos.

Recebo do Dr. Amarílio Vieira de Macedo Neto, presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, uma reclamação sobre a coluna que escrevi domingo, em que disse que a Santa Casa e o Hospital de Clínicas têm “estupenda capacidade ociosa em suas emergências”.

Tem inteira razão o Dr. Amarílio, eu quis me referir somente a Santa Casa e incluí por equívoco o Hospital de Clínicas.

Peço desculpas, sei do quadro de superlotação permanente da emergência do Hospital de Clínicas, com 65 leitos, 49 para adultos, 13 pediátricos e três obstétricos.

Sei que é rotina a emergência efetuar o dobro de atendimentos de sua capacidade.

Quanto ao “silêncio” que reclamei do Hospital de Clínicas na questão das emergências, não me referi à rotina de comunicação do hospital com a mídia, mas por não ter vindo a público dizer o que exatamente agora está me dizendo o presidente: prestando contas dos serviços relevantes efetuados em sua emergência.

Eu queria apenas cutucá-lo, Dr. Amarílio, para vir para a planície, pois a superintendente do Conceição, Jussara Cony, soltou o verbo, gritando que o GHC lotava porque os outros hospitais fechavam suas emergências logo que excediam suas capacidades.

E o senhor está esclarecendo que no ano de 2009 a média anual de ocupação da emergência do Clínicas foi de 128%, ou seja, não só atendeu toda a sua imensa capacidade como ainda a excedeu em 28%.

Só peço, Dr. Amarílio, que, quando se comunicar com esta coluna, faça-o em texto com menor tamanho, o que o senhor mandou levaria várias colunas para divulgá-lo.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010



SAUDADES...

Eu não queria senti-la, mas é mais forte que eu, todas essas lembranças me escravizam, me tiram a paz, sinto saudades de você, saudades de nossas conversas, dos nossos carinhos, enfim, de tudo de bom que vivemos juntos e que a vida cruelmente roubou de mim.

Hoje, junto com a saudade, uma solidão terrível impera ao meu redor, tudo é vazio, tudo é triste; só a saudade de você que insiste em me machucar.

Quero reviver com você todos os nossos momentos, volta a conversar com você e sentir o seu carinho em cada frase escrita em cada mensagem trocada. Eu tentei te esquecer, mas não consegui, perdi as rédeas do meu coração, eu sei que preciso superar tudo isso, mas se tornou muito difícil, sinto saudades, muitas saudades.

Não sei se lhe verei novamente algum dia, mas gostaria que essas palavras chegassem ao seu coração e você entendesse que minha vida perdeu a cor e deu lugar a uma imensa dor.

Não sei quais foram os motivos que nos separaram, e até hoje não entendi da razão de tantas mágoas suas. Rancor até, e talvez seja por isso que essa saudade doa tanto.

A triste certeza de que não verei seu rosto, nem terei mais seu carinho em tantos momentos bons. Queria poder gritar, explodir essa angústia, mas ela se resume em um choro, onde a melancolia e a tristeza se misturam.

Queria lhe procurar, mas não posso, queria que houvesse uma maneira de erradicar esse maldito sentimento da minha vida, queria lhe ver, olhar seus olhos, mas esse desejo é o mesmo que tentar agarrar o sol.

Tanto amor não foi suficiente para evitar esse desfecho. Hoje sou sufocado pela saudade, e forçado a viver te vendo nas fotografias que ficaram guardadas e nas mensagens que recebi de ti.

CARLOS HEITOR CONY

A lágrima

RIO DE JANEIRO - Eu a encontrei numa reunião social. Era fácil saber quem era, todos a conheciam, uma profissional bem-sucedida, por todos admirada. De repente, reparei nos olhos dela e vi que eram feitos de água, uma água misteriosa, que parecia lágrima. Tive a impressão de que a moça não era feita de carne, mas de pranto que ela reprimia dentro de si.

A impressão passou. Outras pessoas se aproximaram, a moça voltou a ser o que todos pensavam que ela era, uma deusa, todos a devoravam, e ela parecia estar à vontade, fazia o jogo, ria e se divertia como todos. Mas guardei aquela impressão: a da lágrima que ela trazia, seca, nos olhos imensamente verdes.

Mais tarde, a conheci numa viagem. Tomei coragem e disse-lhe de minha primeira impressão, que ela parecia estar sempre na véspera do pranto, que as lágrimas ficavam imóveis, congeladas em seus olhos, não faziam o roteiro habitual das lágrimas, não desciam pelo rosto, ficavam estanques, dando brilho nos olhos que já brilhavam de tanto verde.

Ela me olhou surpreendida. "Mas como? Você me acha infeliz? Tenho tudo na vida!". Então eu disse: "Sei que você é feliz, uma deusa, mas talvez seja uma deusa com vontade de chorar um choro escondido".

A moça abriu a bolsa e me mostrou pela metade a foto de um menino. Era seu filho. Filho de uma deusa. Era um menino bonito, tinha mais ou menos o mesmo olhar da mãe, só que não eram líquidos, como uma lágrima.

Quis ver a foto inteira. Ela hesitou, pensou em me mostrar a foto, mas guardou-a na bolsa, num gesto quase involuntário. Com um sorriso triste sem tristeza, mas conformado, me explicou: "Ele nasceu sem as mãos. Tem 8 anos, é lindo, é o primeiro na escola. Mas não tem as mãos. E eu não nunca mais tive vontade de chorar".

CLÓVIS ROSSI

Da "Gallery" a Davos

DAVOS - Quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, um certo Luiz Inácio Lula da Silva foi visto na casa noturna da moda na época, a "Gallery". Desatou um escândalo à direita e à esquerda.

À direita choveu preconceito. Como um operário se atrevia a frequentar um "point" da elite? Claro que ninguém ousava fazer a pergunta de público, mas o espírito da reação era esse.

À esquerda chovia preconceito de sinal invertido: como o suposto líder da revolução que a classe operária estava inexoravelmente destinada a fazer se animava a frequentar um símbolo da burguesia? Sim, a palavra burguesia ainda frequentava o vocabulário; só agora, na entrevista a Kennedy Alencar, desta Folha, é que Lula disse que não a utilizava mais.

Lula reagiu com o pragmatismo que viria a ser a marca de seu governo: disse que não pretendia incendiar a "Gallery", mas criar as condições para que a classe operária a frequentasse.

A classe operária pode não ter ido ao paraíso, no discutível pressuposto de que uma boate possa ser o paraíso, mas Lula foi. O prêmio de "Estadista Global" que recebe amanhã da quintessência da "elite branca", como a chamaria o ex-governador Cláudio Lembo, é todo um compêndio sobre sua gestão.

Melhorou a vida de uma fatia considerável de brasileiros, em seus oito anos de governo, sem, no entanto, tocar em um único fio de cabelo dos amigos de Lembo. Por isso, conforme leio nos "on-line", pôde ser ovacionado no Fórum Social Mundial e, posso apostar tranquilamente, receberá idêntica ovação do público de Davos.

Não sei, francamente falando, se ser aplaudido por dois lados tão distintos é bom ou ruim. Mas é evidente que Davos o aplaude porque se conformou em frequentar antes a "Gallery" e agora Davos em vez de revolucionar uma ou a outra.

crossi@uol.com.br


Estado deve administrar estradas

Decisão do Tribunal de Contas manda o Piratini fiscalizar as rodovias pedagiadas que pretendia devolver ao governo federal

Passados cinco meses desde o início da tentativa de devolução pelo Estado de estradas pedagiadas ao governo federal, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que a governadora Yeda Crusius retome a fiscalização de trechos que são alvo de empurra-empurra entre os palácios do Planalto e Piratini.

Na sexta-feira, o conselheiro Cezar Miola expediu uma medida cautelar com validade imediata para evitar que motoristas sejam prejudicados pela falta de controle de cerca de 1,6 mil quilômetros de rodovias de seis dos sete polos concedidos no Estado. A ideia é que o Piratini se responsabilize até que haja um entendimento sobre quem tem de acompanhar a execução dos contratos.

A Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) e o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) também foram intimados para que atuem. Uma das preocupações é evitar que o conflito sobre competências entre esferas do governo gere o abandono de estradas.

Miola também determinou que não seja pago qualquer valor a concessionárias de rodovias, que alegam a existência de um desequilíbrio econômico-financeiro na prestação dos serviços previstos no contrato, uma vez que a forma de cálculo é questionada.

Conforme o relatório de 357 páginas, elaborado por técnicos, os supostos valores devidos, apurados em aproximadamente R$ 470 milhões, em números atualizados, baixariam para cerca de R$ 200 milhões, desconsiderando apenas um dos itens questionados por auditores. Miola acolheu a sugestão dos técnicos de que é necessário refazer a metodologia de cálculo da prestação de serviços.

O impasse sobre a responsabilidade em relação aos trechos surgiu após a governadora anunciar a transferência do bolo que inclui estradas estaduais e federais. Yeda confirmou a decisão de denunciar o convênio, que mantinha com a União, no dia 20 de agosto.

Um mês depois, o Estado deixou de fiscalizar as rodovias alegando que a responsabilidade agora caberia ao governo federal. O Ministério dos Transportes se recusa a receber os polos e a dívida cobrada pelas concessionárias. Não há consenso sobre qual é o tamanho da conta e se ela realmente existe.

A medida do conselheiro foi motivada pelas conclusões dos técnicos depois de uma auditoria operacional iniciada em 12 de novembro de 2008. Esse levantamento serve para avaliar o desempenho de programas, serviços e ações do governo estadual. Técnicos do TCE constataram que as estradas não estão sendo fiscalizadas por nenhum órgão.

Com uma amostragem de rodovias registrada em fotos, verificou-se a má conservação. Com a mudança de parâmetros de qualidade definidos nos contratos, houve aceitação pelo Estado de defeitos nas estradas que poderiam ser classificados até como péssimos.

Segundo o relatório, também não há um programa de investimentos em obras de conservação desde 2004. Toda a documentação de 11 anos envolvendo os contratos passaram pelo pente-fino do TCE.

O relatório será julgado pelo plenário do tribunal, que decidirá se mantém ou não a cautelar. O secretário de Infraestrutura, Daniel Andrade, disse ontem à noite que o assunto está sendo analisado.

marciele.brum@zerohora.com.br

Uma ótima quinta-feira - Aproveite o dia


28 de janeiro de 2010 | N° 16229
RICARDO SILVESTRIN


Profissão: artista

Não está muito associada à imagem do artista a ideia de trabalho. É comum achar que ele já nasceu talentoso. Como se uns fossem escolhidos pelos deuses para ser artistas e outros não. Ou seja, se nasceu com o talento, basta respirar que tudo vai dar certo.

Além disso, outra facilidade atribuída ao artista é a ideia da inspiração. Sugere uma noção passiva da criatividade. Não precisa o artista fazer nada. Vem a tal da inspiração até ele e tudo está resolvido. Ô, vida boa essa!

Lá na Grécia antiga, os poetas pediam auxílio às musas quando iam criar algo. As musas eram as filhas de Zeus na mitologia grega. Cada uma protegia uma arte ou ciência.

Segundo o mito, elas sopravam para os poetas a inspiração. Barbada! Esse mito até hoje está presente na imagem que se tem do artista. Não há uma entrevista em que ele não seja perguntado como vem a inspiração.

Mas, vendo o show Live at Last do Stevie Wonder no canal HBO, ficou evidente o quanto de trabalho deve ter havido para se chegar a tal perfeição cênica e musical. Comecemos pelo visual. Houve uma impecável seleção de figurino. A banda era composta por baterista, percussionista, baixista, dois guitarristas, dois no sopro, quatro backing vocals e mais o Stevie.

Doze pessoas no palco muito bem vestidas. Cada uma com um detalhe especial de acessório. Todas alternando elegância e descontração. Tons de preto predominando. Um conjunto visual harmônico, respeitando as individualidades. Quem fez esse trabalho? O figurinista ou o diretor de arte.

Atrás da banda, estavam lâminas em que passavam imagens em movimento se somando aos efeitos de iluminação. Já os arranjos trouxeram para o palco toda a beleza dos sucessos que nos acostumamos a ouvir e que foram primeiramente criados em estúdio. O que às vezes passa despercebido na equalização do disco, no palco é ressaltado pela performance do músico.

Mas houve também um trabalho de roteiro que fez das músicas individuais praticamente uma única peça sonora. Há mixagens, pontes entre cada canção. Termina uma, e algo por baixo já vai puxando outra. O som não para. Há um competente arranjador criando isso. Foi certamente muito tempo de ensaio para tudo sair e entrar no tempo exato.

As coreografias dos backing vocals são outro show dentro do show. Os passos estavam perfeitamente sincronizados. Quantos anos de estudo do seu instrumento cada um tem ali? Quantas horas de estrada até chegar àquele nível de performance?

E o compositor, cego, quanta música ouviu na vida para decifrar como se constrói uma? E certamente continua ouvindo para seguir adiante seu trabalho.

Sim, trabalho. Como essas duas horas em que ficaram no palco fazendo todo mundo se divertir e dançar na plateia. É verdade que eles também dançaram e se divertiram trabalhando.


28 de janeiro de 2010 | N° 16229
PAULO SANT’ANA


O fim da vida

Logo que surgiu a notícia da morte de Marlene Sirotsky, todos associaram seu vulto a esta esplêndida figura humana que é seu viúvo, Jayme Sirotsky.

Não pudemos vê-lo, ele estava nos EUA com dona Marlene, desembaraçando os atos funerários que culminarão hoje à tardinha com o enterro, aqui em Porto Alegre.

Mas dá para calcular a dor em que estão imersos ele e seus três filhos, Marcelo, Sergio e Milene.

A mão sombria da morte atingiu-os depois de mais de 50 anos de relacionamento conjugal e filial, na rememoração de tantos momentos felizes do casal que se conheceu muito jovem, da mãe que foi embalando seus filhos desde o nascimento até a maturidade, surgindo os netos como recompensa a este convívio estreito e inseparável.

Resta-nos somente partilhar a dor do seu Jayme e de seus filhos com o passamento de dona Marlene.

A morte faz parte da vida. Ela decide que vai levar em seus braços a todos nós.

Melhor que o faça assim, depois de tantos anos de convivência familiar produtiva e afável.

A melhor homenagem que eu poderia prestar a dona Marlene é declarar que não tenho dúvida de que seu Jayme daqui por diante será um homem diferente sem ela, embora cada vez mais vivo e atuante, não lhe faltando virtudes e atributos que possam recuperá-lo do tremendo choque, principalmente a capacidade ilimitada que ele tem de fazer e encantar amigos.

Recebi e transcrevo por ser essencial para o SUS de Porto Alegre a participação da Santa Casa: “Prezado Paulo Sant’Ana: excelente a tua coluna ‘Energia desaproveitada’, publicada na edição do último domingo. Trata-se de mais um bem-vindo capítulo dessa tua incansável e tão necessária campanha pela crescente qualificação da assistência médica e hospitalar aos beneficiários do SUS.

Tens razão quando afirmas que a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre é destaque em nosso Estado no atendimento aos pacientes do SUS. Ao longo de seus 206 anos de história, a Santa Casa jamais deixou de cumprir sua missão de prestar assistência médica e hospitalar a pessoas de todas as condições sociais, sobretudo aos mais necessitados.

Em 2009, a instituição realizou 357.038 consultas, 26.454 internações, 30.990 procedimentos cirúrgicos e obstétricos e 2.078.361 exames diagnósticos e de tratamento aos beneficiários do SUS, o que consolida sua condição de hospital privado que mais atende a esse público no Rio Grande do Sul.

No entanto, a assistência prestada já foi maior, pois tem havido, em anos recentes, crescente diminuição nas cotas que os responsáveis pelo sistema público de saúde destinam aos hospitais privados que atendem ao SUS.

Em 2002, por exemplo, o SUS autorizou 37.175 internações hospitalares nas sete unidades do complexo da Santa Casa, volume que caiu para 26.454 no ano passado. Em 3 de fevereiro de 2009, protocolamos junto ao gestor municipal da saúde uma proposta para ampliação da cota de assistência ao SUS. Ainda não recebemos resposta.

Quanto à emergência SUS para adultos – oficialmente com oito leitos –, temos tido uma média diária de 30 pacientes internados, com os excedentes acomodados em leitos extras e em macas...

Um grande abraço (as.) Carlos Alberto Fuhrmeister – diretor-geral e administrativo da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre”.


28 de janeiro de 2010 | N° 16229
L. F. VERISSIMO


O verdadeiro George Clooney

Longe de mim querer difamar alguém, mas acho que no caso do George Clooney o que está em jogo é a autoestima da nossa espécie, os homens que não são George Clooney. Todas as nossas qualidades e todos os nossos atributos, físicos e intelectuais, desaparecem na comparação com o George Clooney. As mulheres não escondem sua adoração pelo George Clooney.

O próprio George Clooney nada faz para diminuir a idolatria e nos dar uma chance. Fica cada vez mais adorável, cada vez mais George Clooney. E se aproxima da perfeição. É bonito. É charmoso. É rico. É bom ator. Faz bons filmes. Está envolvido com as melhores causas. E que dentes! Não temos defesa contra esse massacre. Só nos resta a calúnia.

Os dentes são falsos. Ali onde elas veem pomos da face irresistíveis e um queixo decidido, há, obviamente, botox. Ele tem pernas finas e desvio no septo. É solteiro, portanto, claro, gay.

Tem casa num dos lagos italianos, o que já é suspeito, e dizem que anda pelos seus chãos de mármore depois do banho de espuma vestindo um longo caftan bordado e sendo borrifado com perfumes florais pelo seu amante filipino Tongo, enquanto seu amante italiano, Rocco, prepara a salada de rúcula completamente nu. George Clooney bate na mãe todas as quintas-feiras.

É extremamente burro. Só leu um livro até hoje e não lembra se foi O Pequeno Príncipe ou O Grande Gatsby. Nos filmes em que faz personagens mais reflexivos, contratam um dublê para as cenas dele pensando.

Foi ele que propôs a demolição da Torre Eiffel porque já era mais que evidente que não encontrariam petróleo no local. E sua sovinice é lendária. Levou nadadeiras quando visitou Veneza, para não gastar com táxi.

É notório, em Hollywood, o mau hálito do George Clooney. Quando ele fala em algum evento público, as primeiras três fileiras do auditório sempre ficam vazias. Atrizes obrigadas a trabalhar com ele têm direito a um adicional por insalubridade, em dobro se houver cenas de beijo.

Outra coisa: a asa. Não adiantam as imersões em espuma na sua banheira em forma de cisne, nem os perfumes florais borrifados, o cheiro persiste. Sabem que George Clooney e suas axilas se aproximam a metros de distância, e muita gente aproveita o aviso para fugir.

Além de tudo, tem seborreia e é republicano.

Passe adiante.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010



Mestres reprovados

40% dos temporários de SP fracassam em exame de certificação; saída são concursos regulares para estabilizar corpo docente

A PROVA para certificação de professores temporários na rede estadual de ensino de São Paulo originou uma situação esdrúxula.

O exame, criado para verificar o domínio do conteúdo a ser ensinado e afastar das salas de aula aqueles mestres com nota inferior a 5, terá efeito limitado, tamanha foi a proporção de docentes na ativa reprovados: 40%.

Com isso, a Secretaria de Educação não escapará de convocar pelo menos alguns professores com desempenho insuficiente.

Em particular nas escolas mais distantes e problemáticas, a carência de profissionais certificados disponíveis impedirá seguir a ferro e fogo o plano original de só atribuir aulas aos aprovados.
De outro modo, os alunos ficariam sem professores, o pior cenário possível.

A iniciativa de criar a prova, apesar de correta, representa só um paliativo para uma anomalia grave, o fato de haver 80 mil professores temporários entre os 210 mil da rede estadual de ensino. Tal desvio decorre da raridade dos concursos públicos para preenchimento de vagas abertas.

A administração José Serra (PSDB) já anunciou a intenção de organizar concursos de modo periódico, em intervalos não superiores a quatro anos. A promessa é reduzir a proporção de temporários para 10% do corpo docente, tida como aceitável.

O primeiro certame tem inscrições abertas até 11 de fevereiro. Mal começará a sanar a carência, pois são 10.083 as vagas em jogo, apenas um oitavo do necessário e do que foi aprovado pela Assembleia Legislativa.

Além disso, os aprovados em concurso -se efetivamente contratados- só entrarão em sala em 2011. Antes, passarão por treinamento e nova prova de verificação da capacidade.

Cuidados recomendáveis para ter em classe os melhores mestres, embora a velocidade do processo esteja muito aquém das necessidades de um sistema de ensino deteriorado como o paulista.

Não é trivial reverter o resultado de décadas de omissão e descaso, claro. Melhor fazer a prova para professores temporários do que não fazê-la.

Como ela foi aberta também para candidatos às vagas provisórias, e não só para os já atuantes, hoje é possível contar com um total de 94 mil professores qualificados. Não soluciona todas as situações locais, mas rompeu-se a inércia.

O remédio definitivo é conhecido: realizar mais concursos, estabilizar um corpo docente qualificado e bem remunerado e cobrar dele resultados. Falta aumentar a dose e diminuir o intervalo de aplicação.

RUY CASTRO

Ciberpegadinhas

RIO DE JANEIRO - Há meses, o departamento de informática de um grande banco me manda apelos desesperados para que eu atualize meu cartão, sob pena de vê-lo cancelado. "Basta clicar no endereço xis", diz o aviso. O estranho é que não sou cliente do tal banco, e ele, generoso, em vez de me cancelar logo o cartão, continua me dando oportunidades de me redimir.

Outra empresa, que não se identifica, insiste em me passar comprovantes de depósito pagando por serviços que não me lembro de ter prestado. Pede que eu clique no endereço ipsilone para checar os dados e o valor.

E ainda outra, também sem se identificar, avisa que tem um reembolso de dinheiro a meu favor e quer saber meu banco, minha agência e minha conta para o depósito.

Um plano de saúde de que não sou sócio me escreve repetidamente dizendo que posso reduzir o custo e manter todos os serviços do plano, bastando clicar para descobrir como. Já o Correio avisa que tenho um Sedex retido em meu nome e, se eu clicar assim ou assado, eles mandarão entregá-lo.

Uma mensagem cruel, porque apela para nossos bons sentimentos, é a do desempregado que pede ajuda para arranjar "uma colocação" e anexa o currículo para meu exame.

É tão difícil de ser ignorada quanto a da mulher que diz: "Amooor, foi maravilhoooso, veja nossas fotos, você estava demaaais, não deixe ninguém ver". Você não se lembra de ter protagonizado nada tão espetacular nos últimos tempos, mas, quem sabe...

A internet está cheia de pegadinhas como essas. Um clique em falso e sua vida financeira estará em mãos de pilantras. Eu próprio, às vezes, quase sucumbo à curiosidade.

Mas sou alertado pelo uso rude da língua portuguesa nas ditas mensagens. Os piratas do ciberespaço não conseguem disfarçar seu semianalfabetismo crônico.

ANTONIO DELFIM NETTO

O dólar ou a Babel

O IRREQUIETO presidente francês, Nicolas Sarkozy, afirmou que, "se fabricamos em euros e vendemos em dólares, com o dólar que cai e o euro que sobe, como vamos compensar o deficit de competitividade?" Qual é a sua solução para o dilema?

Como "o mundo tornou-se multipolar, o sistema monetário também deve tornar-se multipolar", proposta que apresentará na próxima reunião dos G20.

Deixando de lado a ambiguidade da sugestão, é claro que ele não pensou seriamente no assunto. Em primeiro lugar porque as operações comerciais de bens e serviços não chegam a 5% do movimento de câmbio mundial.

O resto é movimento de capitais em tempo real (diariamente equivalente ao PIB brasileiro anual) realizado por agentes especializados em mercados que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana...

Em segundo lugar (e se estou lembrado do meu cálculo combinatório), se cada país tentasse realizar as operações de bens e serviços em sua própria moeda, com 20 países, seria necessário que existissem mercados capazes de estabelecer simultaneamente 190 taxas de câmbio que obedeçam a 3.420 taxas cruzadas de equilíbrio.

Com 170 países (mais ou menos o que existe no mundo), seria preciso construir mercados capazes de estabelecer 14.365 taxas de câmbio, que obedecessem a nada menos do que 2.413.320 taxas cruzadas de equilíbrio! Seria a Babel e o paraíso dos arbitradores.

Por que não vamos diretamente ao problema, que é: 1º) exigir que o organismo internacional, a OMC, obrigue os seus membros a obedecerem seus compromissos (o que não ocorre com relação à China); e 2º) desestimular o livre movimento de capitais especulativos?

Por que temos de continuar poetizando sobre a substituição do dólar como moeda de referência internacional? Isso um dia vai acontecer naturalmente (ou artificialmente com uma "moeda fictícia").

Por definição essa nova moeda deverá:
1º) ter poder liberatório (ser universalmente aceita);
2º) ter a confiança dos operadores (que devem manter nelas suas posições futuras); e
3º) ser a moeda em que se realizam as operações de Bolsa (à vista e futuro) que estabelecem os preços internacionais.

Em uma palavra: deverá ter a confiança irrestrita dos agentes econômicos. A coisa mais ridícula é supor que a moeda chinesa possa, num horizonte visível, substituir o dólar.

Logo a China, que viola todas as regras do comércio internacional e cujas instituições obedecem ao arbítrio do PC Chinês. A moeda é uma instituição social apoiada na confiança. Não pode ser criada por um ato de vontade!


27 de janeiro de 2010 | N° 16228
MARTHA MEDEIROS


De braços abertos

Eu não costumava prestar atenção nessas coisas, mas certa vez caiu no meu colo uma dessas reportagens que falam sobre nossa linguagem corporal, e me dei conta de que eu andava mandando um recado muito malcriado para as pessoas com quem eu me relacionava: tinha mania de conversar com os braços cruzados. O problema disso? Segundo os entendidos, todos.

Quem cruza os braços demonstra uma certa resistência em se entregar, não está querendo que invadam seus domínios, assinala que não quer muita aproximação. Dependendo do caso, até que os braços cruzados servem mesmo como um bom escudo, mantém cada um no seu quadrado, mas pô, na maioria das vezes, minha alma, silenciosamente, abraçava a pessoa querida com quem eu conversava, por que nem assim eu desamarrava os braços?

Hábito. Um mau hábito. Hoje estou atenta à linguagem corporal e mantenho os braços soltos, e se me descuido sou até capaz de conversar apoiando minha mão no ombro da pessoa, feito uma comadre abusada. Não tenho mais o corpo fechado, estou desprotegida para o que der e vier.

Toda essa introdução pra dizer que, mesmo me esforçando para abraçar a vida, ainda tenho um longo caminho a percorrer até chegar à exaltação carnavalesca de Kiki Joachin, o menino de sete anos que foi resgatado dos escombros do Haiti semana passada e que foi responsável pela cena mais doce dessa tragédia infame.

Kiki, morrendo de fome, morrendo de sede, morrendo de medo, morrendo de dor – morrendo –, não esperou nem meio segundo para, fora do buraco, esticar seus braços feito um mestre-sala na avenida, feito um artilheiro que fez seu gol mil, feito o azarão de todas as apostas que conseguiu vencer o campeonato.

Driblou todos os prognósticos, viveu. E comemorou imitando o Cristo Redentor, só que com muito mais alegria – santos fazem milagres, mas jamais sorriem, não entendo por quê.

Então, em homenagem ao Kiki, que a gente nunca mais cruze os braços pra nada, a exemplo também de outro menino de sete anos, dessa vez o britânico Charlie Simpson, que se propôs pedalar sua bike por oito quilômetros em volta de um parque para conseguir doações para o Haiti. O tiquinho de gente arrecadou 132 mil libras, cerca de R$ 390 mil.

Descruzando os braços, a gente se desarma e participa mais da sociedade. Se aproveitarem nossa vulnerabilidade para nos atingirem, a covardia será dos outros, não nossa.

Uma linda quarta-feira aproveite.


27 de janeiro de 2010 | N° 16228
PAULO SANT’ANA


A vida das abelhas

Um jovem haitiano de 24 anos foi salvo dos escombros depois de permanecer 11 dias em um espaço de apenas um metro quadrado.

Deve ter sido um sofrimento terrível. Ele trabalhava no bar de um hotel, que caiu todo sobre seu corpo.

Completamente coberto pelo pó dos destroços, declarou, ao ser salvo, que sobreviveu comendo pequena quantidade de biscoitos durante os 11 dias, mas principalmente bebendo Coca-Cola.

Sabe-se que o organismo humano sobrevive a dezenas de dias sem alimentos sólidos, mas perece se não tomar líquido.

Calculei que a Coca-Cola que esse homem bebia para sustentar seu metabolismo não era Coca Light nem Coca Zero. Era Coca normal mesmo. Só com muito açúcar, ele pôde manter firme seu esqueleto.

Cismei também sobre a sorte desse rapaz: ele ficou restrito a espaço de apenas um metro quadrado e os refrigerantes que lhe restaram ali não eram dietéticos. Fossem-no e ele teria morrido.

Sobre refrigerantes dietéticos tenho um depoimento que pode alterar a ciência da apicultura.

Estava tomando minha Coca Zero no famoso Miau da Cabral, que serve, ali naquela rua com esquina para Miguel Tostes, deliciosos espetinhos de picanha, queijo, toscana, xixo, calabresa e outros, quando percebi que um bando de abelhas voejava em torno à minha mesa.

Pensei comigo que aquelas abelhas estavam loucas, a Coca-Cola que eu bebia não era normal, não havia açúcar nela.

Então por que estavam sendo atraídas pelo líquido?

Elas foram levitando como helicópteros em direção à lata de Coca-Cola, uma a uma iam pousando no bojo da lata e penetrando pelo furo, desaparecendo no fundo.

Daí que cheguei a uma conclusão laica: o que atrai as abelhas não é o açúcar, mas o doce. O líquido melífluo da Coca Zero é também saboreado pelas abelhas, o que quer dizer que o aspartame ou outro ingrediente das substâncias dietéticas são do interesse proteico das abelhas.

Fiquei intrigado sobre se o mel que aquelas abelhas produzirão depois de terem ingerido Coca Zero será dietético ou não.

E, na minha investigação alienada sobre a origem do mel, cheguei à conclusão de que as flores onde as abelhas vão buscar o néctar para produzir o mel contêm forte quantidade de açúcar.

Nunca reparei quando mastiguei pétalas ou cílios de flores que eles eram doces. Será que o pólen é doce? Vou prová-lo uma hora dessas nas margaridas que tenho na sacada da minha casa.

Fico sabendo à última hora que as abelhas têm cinco olhos, três deles no topo da cabeça e dois olhos compostos, maiores, na frente.

E que uma abelha produz cinco gramas de mel por ano. Para produzir um quilo de mel, as abelhas têm de visitar 5 milhões de flores.

E que só as abelhas fêmeas trabalham, os machos servem apenas para fecundar a abelha rainha. E, se nascerem duas abelhas rainhas, elas entram em luta, até que uma delas morra.

E que, no fim do verão, depois que os machos já tenham fecundado a rainha, as operárias fecham a porta da colmeia e deixam os machos lá fora morrerem de frio e de fome.

A abelha rainha vive durante quatro anos e as operárias apenas 45 dias.

Dizer que eu só fui adquirir esse conhecimento a partir da minha Coca Zero!


27 de janeiro de 2010 | N° 16228
JOSÉ PEDRO GOULART


Sufoco

“As ideias perturbam a regularidade da vida.” Isso ficou escondido no diário da Susan Sontag por dezenas de anos (saiu agora no Brasil pela Companhia das Letras). Ela tinha 16, quando rabiscou a frase. Dezesseis. Em seguida ela se pergunta: “...E o que é ser jovem durante anos e de repente despertar para a angustia, a premência da vida?”. Dezesseis anos...

E eu me ponho a pensar. Não somente sobre a Susan Sontag, mas sobre as Susans Sontags que sempre pontificaram a minha imaginação. Onde elas estão? Onde elas andam? Qual a razão de muitas dessas mulheres brilhantes optarem, invariavelmente depois de casamentos intrincados, por relacionamentos homossexuais?

Sontag terminou a vida ao lado da fotógrafa Annie Leibowitz. Simone de Beauvoir tinha um casamento “fraterno” com Sartre. Durante a vida dividiu o leito com homens e mulheres com intensidade.

A Clarice Lispector, que amou o romancista Lúcio Cardoso, que era homossexual, decretou: “a vida conjugal sufoca”.

O sufoco é um clássico, para homens e mulheres, claro. Mas especulo se esse veneno não é mais venenoso para as mulheres Especulo se toda essa futilidade que vemos nas novelas da TV, nas capas das revistas femininas, se todo esse consumismo boboca, não é uma resposta – meio histérica, meio neurótica – das mulheres ao sufoco da vida conjugal. (Onde andam as Susans Sontags de agora?)

Em Cenas de um Casamento, do Bergman, a personagem da Liv Ullmann se surpreende ao se identificar com uma mulher mais velha, que diz que depois de anos de casamento “tudo parece insignificante, cinzento, indigno”.

O casamento foi tido sempre como um projeto feminino. Como se numa relação familiar estável todas inquietações “delas” se resolvessem. Mas mesmo que o folclore diga o contrário, mesmo que os homens jurem o reverso, talvez a vida conjugal tradicional seja muito mais uma necessidade masculina.

Semana passada um homem executou a tiros, à queima-roupa e à luz do dia, diante de testemunhas, de câmeras, a mulher que não o queria mais. A faísca da loucura resolvendo a tragédia que é para um homem abandonado existir.

“As ideias perturbam a regularidade da vida.” Em parte talvez isso explique o fato de algumas mulheres de ideias, como a Susan Sontag, optarem por um outro tipo de vida conjugal. É que homem sufoca.


27 de janeiro de 2010 | N° 16228
DAVID COIMBRA


O nome do homem

Lembro de uma tarde de sol, estava em aula no primeiro, ou talvez segundo, no máximo terceiro ano primário. A professora virou-se de costas para nós e escreveu um nome no quadro negro, na verdade quadro verde. Guardo recordação nítida até do desenho da letra da professora. Ela escreveu o seguinte:

“EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI”.

Depois, voltou-se para nós e disse, o toco do giz entre o polegar e o indicador:

– Este é o nome do nosso presidente!

O orgulho escorria da voz da professora e esparramava-se pelo parquê. Fiquei pensando naquele nome. Emílio Garrastazu Médici. Nosso presidente. Homem importante.

A professora começou, então, a enumerar as façanhas do Brasil regido pelo presidente Médici. As grandes obras. O desenvolvimento frenético. Aquele era um país que ia para frente.

Lembro também do nosso desfile no 7 de setembro daquele ano. Nós, que digo, éramos os alunos. Usávamos tênis Conga. Diziam que Conga dava chulé, não sei se era verdade. Talvez fosse, porque quem tinha um Conga tinha só um Conga, nenhum outro tênis. Tênis era um artigo caro, e também não havia muitas marcas à disposição: o mais barato era o Conga, depois vinha o Bamba e no alto da cadeia alimentar dos tênis reinava o Ki-Chute.

Então, num colégio público como o nosso, que aliás também levava nome de presidente do regime militar, Costa e Silva, hoje chamado mimosamente de “Costinha”, não sei se o sisudo general-ditador aprovaria, então, como ia dizendo, num colégio público como o nosso todo mundo usava Conga, e o mau cheiro, se sobreviesse, era combatido com talco.

Enfim.

Não queria falar dos tênis, mas de outra parte do uniforme, o blusão de mangas compridas no qual se lia no peito, impresso em dourado sobre fundo azul:

“Estudantes do Brasil”.

Bonito aquilo, estudantes do Brasil. Sentíamos estar participando de algo grandioso. O Brasil dava a impressão de ser algo grandioso. Ou prestes a se transformar em algo grandioso.

Não se transformou.

Nada do que sentíamos correspondia à realidade. Todos os agudos males econômicos que afligiram o país nos anos 80 e foram mais ou menos corrigidos pelo Plano Real, todas as profundas misérias morais dos anos 2000, que parecem não ter correção, tudo estava sendo cevado nos anos 70.

A dívida pública fermentava a inflação galopante, assim como a redução dos investimentos na educação e a lógica canalha do funcionamento da ditadura fermentavam a decadência do caráter do brasileiro. Claro, só soubemos disso mais tarde, quando não estávamos mais vivendo a época, olhando de longe, dos píncaros da perspectiva histórica.

É sempre assim, é difícil analisar o tempo em que se vive. Eric Hobsbawn já disse que o historiador não pode nunca escrever sobre sua própria época, sob pena de ser ridicularizado pela posteridade. Verdade que disse isso como uma desculpa por escrever sobre o “Breve Século 20”, o século dele, mas, ainda assim, tinha razão.

Reduzindo ao ambiente do futebol, e reduzindo ainda mais ao ambiente do futebol gaúcho, vê-se que até nesse caso faz falta a perspectiva histórica.

Porque a cada começo de ano festeja-se supostos craques e imaginários supertimes. Bastam meia dúzia de jogos do Brasileirão para que se descubra que uns eram realmente supostos e outros de fato imaginários.

O Gauchão serve para que se identifique o que vai dar errado. Como o Grêmio de agora. Se o Grêmio não se fortalecer rapidamente em movimentação, em marcação, em empenho e em alma, a primeira crise do ano já tem até hora para começar: 21h30min de domingo, logo após o Gre-Nal.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010



26 de janeiro de 2010 | N° 16227
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Sobre uma foto

No outono de 1964, a noite acabara de cair sobre o Brasil. Inauguravam-se os Anos de Chumbo. Por mais de duas décadas, todas as leis se submeteriam a uma só – a do arbítrio.

Acabei de revisitar a inauguração daquela era de autoritarismo. O Jornal do Povo, de Cachoeira, mantém uma seção dominical chamada Olho Mágico, em que se publicam fotos e notícias antigas da cidade. E é nela que me deparo com um flagrante da vida real: um instantâneo do coral da Escola Normal João Neves da Fontoura no dia 22 de maio de 1964.

Em Brasília, em Porto Alegre, em centenas de lugares, brasileiros tramavam a perenidade do golpe de 31 de março. Rompia-se o Estado de Direito, rasgava-se a Constituição. Quem era contra a nova ordem submetia-se à violência, à cassação de mandatos, à perda de prerrogativas de cidadania.

Mas havia uma lógica estranhamente perversa no processo. Funcionava um simulacro de instituições democráticas. Mesmo mutilados, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados mantinham uma aparência de normalidade. Mesmo desfigurada, a Assembleia Legislativa realizava sessões com discursos e moções. Era a comédia trágica dos parlamentos amputados.

Tempos piores ainda viriam, de mais violência. Mas naquele 22 de maio de 1964, as meninas do Coral do João Neves ainda podiam sorrir para a câmera, alheias ao que se passava ao seu redor. Como a maioria das pessoas, estavam algo distantes do que sucedia em sua cidade, em seu Estado, em seu país.

Olhadas agora, são belas em seus uniformes, em seus sorrisos, em seu amor pela vida. Conheci várias delas, tão bonitas, em festas, bailes, reuniões dançantes. Acompanhei de perto muitas de suas alegrias, vários de seus romances. De algumas me perdi, de outras sou amigo até hoje.

Mas o que mais me toca é vê-las nesta foto, como se séculos não houvessem transcorrido. Estão aqui no zênite de sua lindeza, os corações cheios de esperança.

O país ia mal ou andava confuso? Não era culpa delas. Elas tratavam de sobreviver. Pois sobreviver para contar também é uma forma de luta.
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26 de janeiro de 2010 | N° 16227
CLÁUDIO MORENO


Lobo na pele de cordeiro

As fábulas de Esopo sempre trazem algum singelo ensinamento. Embora os personagens sejam na sua maioria animais, é das fraquezas humanas que nos falam essas pequenas histórias educativas.

Nosso velho conhecido, o lobo que veste uma pele de cordeiro para iludir o rebanho, simboliza os que tentam mudar a aparência para simular algo que na verdade não são. Neste jogo entre o ser e o parecer, a opinião de Esopo continua moderna: censuramos os que não são autênticos, pois todo aquele que tenta parecer o que não é deve ter alguma intenção suspeita ou algum motivo nem sempre confessável.

O mundo da fábula, contudo, era simples e singelo; Esopo ficaria confuso se viesse a conhecer Cinderela, cuja história inverte o caminho do lobo. O seu verdadeiro “eu” (seja lá o que isso quer dizer) estava escondido sob uma aparência inexpressiva; foi só quando a fada boa forneceu uma aparência luxuosa – o vestido, a carruagem, os sapatinhos e tudo mais – que seu lado exterior passou a ser compatível com a princesa que ela sempre tinha sido.

O pobre lobo se disfarçou para esconder o que era; Cinderela se disfarçou para tornar-se ela própria. O mundo, realmente, foi ficando mais complexo.

Agora não fingimos ser outra pessoa, pois estamos ocupados demais em fingir que somos nós mesmos – seja para reforçar o modo como nos imaginamos, seja para mostrar às pessoas que nos cercam a versão a que elas se habituaram.

O fotógrafo Richard Avedon deu um depoimento impressionante sobre sua mais famosa modelo: “Marilyn Monroe era alguém que Marilyn Monroe inventou, assim como um autor e seu personagem. Durante horas ela cantou, dançou, piscou o olho, sorriu e tudo o mais que se esperaria de Marilyn Monroe. Depois, seu rosto ficou vazio”. Em geral, não chegamos a este extremo, mas reconhecemos muito bem a situação.

O mundo de Esopo virou de cabeça para baixo. Não existe mais um limite nítido entre o ser e o parecer. Na peça A Importância de Ser Ernesto, de Oscar Wilde, o personagem, que sempre tinha usado o nome falso de Ernesto, descobre finalmente que este era mesmo o seu nome verdadeiro.

Ele diz à sua noiva: “É terrível para um homem descobrir de repente que em toda sua vida sempre disse a verdade. Você me perdoa?”.

A resposta dela é perfeita: “Perdoo, sim – pois eu sinto que você vai conseguir mudar”. Nem o lobo, nem o cordeiro escaparam da indecisão geral. Winston Churchill comentou, a respeito de Clement Attlee, seu oponente político:

“Ele é um cordeiro na pele de um cordeiro” – enquanto um cordeiro pós-moderno vai acabar confessando a seus pares: “Às vezes desconfio que sou um lobo vestido de mim mesmo”.


26 de janeiro de 2010 | N° 16227
PAULO SANT’ANA


Bombaram as pernas grossas

Não sei bem a que propósito escrevi a coluna de ontem, que está bombando em todos os blogs, que foi discutida ontem no rádio e na televisão. O assunto era o surto atual de mulheres de pernas grossas na televisão.

Mas eu sei, em verdade, qual era o meu propósito. Era o de encorajar as mulheres de pernas finas.

E consegui o meu objetivo: inúmeras mulheres de pernas finas me escreveram exultantes, declarando que se envergonhavam de suas pernas finas, mas que a coluna veio afinal a valorizá-las.

Algumas mandaram me dizer que suas pernas finas se traduziram em trauma para elas, sentiam-se inferiores vendo essa onda assustadora de mulheres de pernas grossas na televisão, parecendo que não havia mais no mundo lugar para elas.

Salvei-as, disseram todas. Elas acham agora que vão ter coragem de enfrentar a vida.

O objetivo da coluna, em suma, era filantrópico.

Mas não entenderam assim as mulheres de pernas grossas. Quase me encheram de desaforos, como esta aqui: “Tenho as pernas grossas, bem sei, mas meu marido gosta de minhas pernas, e você, colunista, não tinha nada de se meter”.

Eu não queria criar polêmica, acabei construindo um bafafá.

Eu queria escrever sobre senso estético, sobre harmonia corporal. Queria escrever também sobre os exageros da malhação, sobre os excessos da musculação nos corpos das mulheres, que as tornam menos femininas.

Longe de mim classificar as mulheres somente entre as de pernas finas e as de pernas grossas.

Evidentemente que a minha coluna continha também o meu gosto pessoal, não tenho o direito de tê-lo?

Mas acertei na veia com a coluna. Muitas leitoras concordaram comigo e disseram que há uma tendência estranha de engrossamento das pernas das mulheres. Quando se fala nisso, está se falando no que se vê na televisão, que é o que interessa: todo o Brasil, sobre quase todos os assuntos, se baseia em seus gostos pela televisão.

Houve também os que me escreveram dizendo que a nova tecnologia de imagem na televisão, inclusa nela a TV digital, engorda as pessoas e engrossa as pernas das mulheres.

Isso é verdade, mas no Big Brother as pernas são grossas mesmo, a equipe que tratou da escolha das participantes, nitidamente, baseou seu critério estético por mulheres possantes, de pernas grossas, praticantes da malhação.

Mas, se o conteúdo estético dominante pendeu para as pernas grossas, o que seria das mulheres de pernas finas?

Eu ainda tentei dizer que meu tipo era o de pernas esbeltas, esguias, o padrão clássico de beleza a que estávamos acostumados até surgir esta nova onda de mulheres estivadoras, que parecem erguer halteres ou sacos cheios de areia com as pernas para agradar aos homens.

Também timidamente alertei para o perigo e o contrassenso de as mulheres estarem programando seus corpos para somente elas se acharem bonitas, não lhes importando a opinião dos homens a respeito.

Quando, na verdade, se algum padrão deva ser buscado em matéria de estética corporal, por homens e por mulheres, deve ser o de agradar aos seres do sexo oposto.

Eu não desconhecia que há homens que preferem pernas femininas grossas, outros finas.

Mas, afinal – este foi o elemento fulcral da minha coluna –, o que é afinal o belo?

O senso de beleza é que me preocupava. E eu só achei que as pernas grossas, como as que deram para aparecer agora, estavam agredindo este senso.

Mas é só uma opinião. E muito pessoal.