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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Paulo Brossard*
Passou os limites conhecidos
É natural que pessoas amigas me perguntem o que penso a respeito de certos assuntos, especialmente acerca de fatos que, ultimamente, vêm ocorrendo em nosso país. E sou levado a dizer que, maior do que a indignação, sinto-me dominado pela perplexidade.
A minha é sem fronteiras, ainda que, em parte, se possa identificar nela algumas causas. Ao que penso, os fatos que têm chocado a sociedade não derivam de fenômenos da natureza, ingovernáveis, porque alheios à vontade e ação humanas, como as enchentes e vendavais, com seus impressionantes danos.
O que vem ocorrendo, em ritmo inédito, encontra explicação ou explicações, ainda que parciais. A primeira observação a fazer é factual. É incontestável o generalizado progresso material entre nós verificado nos últimos 50/60 anos.
O Brasil progrediu. No setor industrial, na medicina, na qualificação do emprego, na significativa elevação do setor de origem afro, e a enumeração seria interminável. Contudo, há setores em que o regresso é inegável.
A violência como a insegurança pessoal e coletiva são chocantes. Mas onde o contraste chega a ser gritante está entre os aspectos sociais em sentido amplo e o setor político especificamente, como se ele não fosse intrinsecamente social. No entanto, parecem dois mundos incomunicáveis. Em verdade, porém, eles são comunicantes. O que acontece no segmento público, geralmente denominado “político”, acontece porque a sociedade o suporta e convive com ele.
O leitor pode ter ficado surpreso com o que acabou de ler, mas lembro que no mesmo período de progresso notável o país conheceu sucessivas anomalias institucionais, algumas de suma gravidade e longa duração, nas quais houve de tudo, violência, exílio, tortura, arbítrio puro e insegurança ilimitada, e o mais que se imagine. E essas situações incompatíveis conviveram, despudoradamente, no tempo e no espaço, como se fossem naturais.
Era natural que a promiscuidade deixasse os seus estigmas. Em outras palavras, a descarada comborçaria não podia deixar de infiltrar-se nos costumes e nos conceitos, em que se misturavam o ético e o dissoluto, a fidelidade e a felonia. Em suma, uma espécie de ceticismo, para não dizer cinismo, ou desbragado relativismo, a contaminar tudo.
Não ignoro ser difícil quantificar os malefícios dessa descompostura praticada sem rebuços. Mas o fato, notório, não passou sem consequências e consequências perniciosas e duradouras, ainda que imperceptíveis ao desatento. Haveria outros fatores a considerar, dos mais relevantes, como a deterioração partidária resultante das duas dissoluções em meia dúzia de anos. Mas é hora de concluir. O que está acontecendo tinha de acontecer, diante dos cavilosos desígnios perseguidos quando o regime autoritário entrou a caducar.
O certo é que os últimos fatos referentes à capital da República, que, a despeito de sua divulgação documentada, não impressionaram o honrado presidente Luiz Inácio, porque “a imagem não fala”, para no dia seguinte, passarem a ser “deploráveis”, ultrapassaram a medida.
Aliás, o caso do mensalão é de ontem e o seu principal beneficiário não é outro que o nosso “Filho do Brasil”, incensado em filme laudatório, apoiado por empresas que têm interesses com o governo.
Desnecessário dizer que não posso emitir juízo sobre o caso relativo ao Distrito Federal. Contudo, são tantas e de tamanha gravidade as imputações à sua administração, que, observadas as formalidades legais, poder-se-á dizer que foi exaurido tudo quanto se conhecia a respeito de ilicitude e talvez venham a provocar uma reação viril da nação desrespeitada.
Ainda bem que as chuvas cessaram e a meteorologia vai parar de castigar o Rio Grande.
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