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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
10 de dezembro de 2009 | N° 16181
LETICIA WIERZCHOWSKI
Da minha madrinha cartomante
Minha madrinha olha o futuro nas cartas. Ela tem um baralho muito velho e manuseado, que às vezes dispõe em cerimonioso silêncio. Nesse baralho que conheço desde a infância, a madrinha espia uns laivos de porvir para aqueles que lhe pedem muito, mas muito mesmo. Ultimamente, ela diz que esses exercícios premonitórios se tornaram exaustivos.
Também, depois dos anos e da comprovação de uma infinidade de acontecimentos que ela fisgou com sua vara de pescar peixes não nascidos, muitos de nós já não lhe pedimos previsões, encarando seu discreto e certeiro dom com o necessário respeito. Riam, leitores céticos, mas digo-vos que cada família tem lá as suas peculiaridades, e tive certa vez um amigo cuja mãe costumava vasculhar o futuro no fundo das xícaras de café. Depois do almoço, quando a senhora recolhia a mesa, era uma tensão generalizada... Enfim, a madrinha, neste quesito, parece-me bastante tradicional.
Nem sei porque penso nisso agora; talvez seja porque o ano está no final. Dezembro já escorre pela calha dos dias (calha que tem trabalhado muito nesses tempos de chuvas históricas), e logo estaremos às portas de 2010, esse ano com cara de ficção científica. Vai-se o 2009 ladeira abaixo, e um amigo meu dia desses comentou numa festa: “Em 2009 não acontece mais nada, agora é pensar no ano que vem”. Achei curioso seu comentário, mas voltei para casa considerando a nossa prepotência em relação ao tempo.
Em 2009 não acontece mais nada, vaticinou meu amigo; mas, de fato, basta um único segundo para que tudo aconteça. Já cantou Caetano: “Assim como existe disco voador e o escuro do futuro pode haver o que está dependendo de um pequeno momento puro de amor…” .
Num minuto acontece muita coisa. Um coração para de bater. Um espermatozoide fecunda seu óvulo. Um tiro mata o presidente. Um terremoto, uma combinação de números na megasena milionária.
Um coágulo rebenta, duas pessoas se encontram numa festa. Basta que um desses eventos suceda, senão conosco, mas com alguém a quem queremos, e lá se vai 2009 para uma gaveta completamente diferente: um ano maravilhoso, um ano muito triste, o ano em que concebi meu filho, o ano em que fiquei bilionário.
Minha madrinha nunca gostou de deitar as cartas no final do ano. Solicitada, alegava sempre alguma impossibilidade.
Talvez a madrinha saiba que meu amigo tem razão e nada acontece nesses dias. Ou pode ser justamente o contrário: a madrinha pressente que, lá no fundo do mar de dezembro, perigosos tubarões zombam de nós.
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