quinta-feira, 3 de dezembro de 2009



03 de dezembro de 2009 | N° 16174
RICARDO SILVESTRIN


Que palavra?

Pra que tirar os significados do lugar? Às vezes se tira por prazer; às vezes se tira por necessidade. E mesmo o prazer também é uma necessidade. Talvez a primeira e mais importante de todas.

Quando o prazer de viver, por mínimo que seja, acaba é que se morre. Então, pra continuar vivo, precisamos deslocar os significados, rever, re-significar. Dar um novo sentido às coisas. A arte que faz isso o tempo todo é a poesia.

Alguns poetas, muito poucos, em determinados momentos, levam esse gesto criativo que vivem fazendo com as palavras para fora do texto. Levam para a vida e ajudam a mudar a história.

Em 1971, o poeta gaúcho Oliveira Silveira re-significou a história dos negros no Brasil. Propôs que a data comemorativa não fosse o 13 de maio, dia da abolição da escravatura em 1888, mas o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, em 1695. A data foi aceita pelos movimentos. É celebrada todos os anos, em todo o país, como o Dia da Consciência Negra.

Nesse mesmo dia, há poucas semanas, foi lançado em Porto Alegre um livro com uma antologia dos poemas de Oliveira Silveira. Sua produção vai de 1962 até o início do século 21. Ele morreu em janeiro de 2009. Em 1970, no poema Treze de Maio, o poeta já anunciava o levante estético-ideológico: “Treze de maio traição, /liberdade sem asas /e fome sem pão. //Liberdade de asas quebradas /como este verso”.

Sim, há um espaço entre o como e este verso. Inclusive, segue na linha de baixo. O espaço acentua o novo significado. Os negros livres para “pedir/servir/calar”, como continua o poema. A crítica ao fato da abolição ter simplesmente jogado uma população sem fonte de renda entregue a sua própria sorte. Daí, a celebração de Zumbi, líder de uma reação, de um lugar de liberdade e de autossuficiência.

A questão negra perpassa grande parte da obra de Oliveira. Sua melhor realização desse tema talvez esteja no longo Poema sobre Palmares, um épico escrito de 1972 a 1987.

É uma festa de ritmos, imagens e re-significações. Passa a limpo com todo o capricho a história não contada, a visão escamoteada, a vida presente e seus impasses longe de serem resolvidos.

E há também outros poemas com temáticas variadas, como o genial A Palavra na Praça, com a interrogação re-significando tudo: “A palavra passeia, toma sol, /lê jornal e engraxa os sapatos. /Que sapatos? /A palavra descalça. /A palavra namora no banco, /faz xixi no vecê público, /se embala no balanço. /Que balanço? /A palavra está firme /junto à estátua do líder, e discursa. /Mas que líder, senhores? / Que palavra?”.

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