quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



02 de dezembro de 2009 | N° 16173
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (INTERINO)


Falta o maluco

O sumiço dos tico-ticos em Porto Alegre e esse jogo do Grêmio com o Flamengo. É só do que se fala. Dos tico-ticos eu pretendo me ocupar outro dia. O que requer urgência é esse jogo em que tudo é previsível, mas poderia não ser. É previsível demais o que vai acontecer no domingo. O Inter perdeu para o Flamengo este ano de 4 a 0. O Grêmio já ganhou do Flamengo de 4 a 1. O Inter jogou duas vezes contra o Flamengo e não fez um gol. Nenhum. O Grêmio fez quatro.

É previsível que o Grêmio não tenha mais gols para aplicar no Flamengo. É natural que os gaúchos – se a base do debate for o gauchismo – entendam que o Rio Grande já foi à forra contra o Flamengo com aquela goleada no Olímpico.

Está vingada a goleada sofrida pelos colorados no Maracanã. Também é razoável que os gremistas não pretendam entregar uma taça ao Inter exatamente no ano em que o adversário comemora três décadas do título inédito de 1979.

O resultado do jogo de domingo no Maracanã só não seria tão previsível se o futebol ainda contasse com os imprevisíveis. Os loucos que desnorteavam dirigentes, torcida, imprensa, que conversavam com os quero-queros nos treinos, que bebiam água chupando a torneira.

Os loucos do futebol brotavam como inço nos anos 60 e 70, mas foram sumindo a partir dos anos 80, quando o Brasil passou a imitar o futebol europeu.

E estão em extinção depois que todos os jogadores se transformaram em Kakás. Correm, chutam, são obedientes a todas as táticas, rezam antes e depois dos jogos, mas não aplicam um drible.

Se nem o drible existe mais no futebol, é querer demais que existam malucos como o Almir do Flamengo, o Eder do Grêmio, o Lula do Inter, o Reinaldo do Atlético, o Beijoca do Bahia, o Gerson. Mário Sérgio foi um dos últimos malucos. Desses de deixar dirigente falando sozinho, de dar entrevista de meia hora depois de um jogo, de esculhambar com uma partida com lances geniais, contrariar interesses, enfrentar torcedor, bater boca com gandulas e arrotar para o alto depois de beber água na torneira.

Esses loucos não existem mais. Se existissem, se o Grêmio tivesse um deles, o jogo contra o Flamengo poderia ser outro. Um maluco assim iria conspirar contra tudo o que está subentendido como o combinado para o jogo no Maracanã e passaria a chutar de longe a gol, a entrar a drible na área, a cavar pênaltis e a cuspir cuspes compridos nas chuteiras dos zagueiros. Só um desses poderia contagiar pelo menos outros três companheiros de time e estabelecer a desordem total.

Um jogador desviante, fora de esquadro, enlouqueceria o jogo, o campeonato, uma história já escrita. O Maracanã se submeteria não ao desejo de glória de um maluco, mas a sua vocação para o improviso, para a não subserviência, para a indisciplina a serviço da arte de destruir roteiros.

Essa final esdrúxula do Brasileirão, que nem o mais desvairado dos novelistas das oito imaginaria como possível, teria seu exotismo potencializado ao máximo pela ação de um maluco.

Por um Volmir, por um Edmundo, pelo jogador que se entrega ao futebol jogado ali, naquele instante, sem tempo para pensar no longo prazo e tampouco nos interesses mais tortuosos do torcedor.

Daqui a alguns anos, o título do Internacional seria esfumaçado pela lembrança do feito desse artista desajustado. Ele seria o cara, o jogador que calou o Maracanã, como o uruguaio Gighia na Copa de 50, e transformou o Brasileirão na maior confusão de todos os tempos.

Mas, assim como Porto Alegre não tem mais tico-ticos, o Grêmio não tem mais esse maluco. Ou será que o time reserva tem?

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