quarta-feira, 2 de dezembro de 2009



02 de dezembro de 2009 | N° 16173
DAVID COIMBRA


Para que serve o futebol?

O futebol às vezes é uma chatice. Faz de homens cordatos umas bestas. Isso acontece quando o futebol é levado a sério demais. Quando as pessoas se esquecem que o futebol é só um jogo, uma brincadeira. Não é a vida.

Mas esses chatolas não são a maioria. A maioria usa o futebol para o que serve o futebol: para se divertir. Por isso, embora os gaúchos cevem o curioso orgulho de ter desenvolvido “a maior rivalidade do Brasil”, esses mesmos gaúchos convivem bem com seus supostos rivais. Não conheço um gremista que não tenha um bom amigo colorado, e vice-versa.

O Neto Fagundes, por exemplo. O Neto não vê maldade em ninguém. Sabe por quê? Porque ele não tem maldade. Como disse Jesus Cristo, cada um mede os outros com sua própria medida. O Neto é uma pessoa boa. Por isso, para ele todos são bons. Mas dia desses ouvi a seguinte frase do Neto:

_ Aquele jogo da Batalha dos Aflitos foi o meu fracasso como secador.

Quer dizer: o colorado Neto queria que o Grêmio petrificasse na segunda divisão. Grêmio, aliás, por quem torce o tio do Neto, o Nico Fagundes. Mas o Neto não queria o mal do tio Nico. Ele compreende que, quando alguém deseja a derrota do time adversário, não deseja prejudicar o torcedor adversário. O Neto sabe que isso faz parte do jogo. Torna o futebol colorido, folclórico e propicia ao futebol atingir o seu objetivo: ser divertido.

Portanto, é compreensível que o Grêmio não queira que o Inter seja campeão em 2009, como o Inter não queria que o Grêmio fosse em 2008. É compreensível que a direção do Grêmio escale reservas no jogo contra o Flamengo no próximo domingo, como foi compreensível que a direção do Inter tenha escalado time misto contra o São Paulo no ano passado. Não há nada de errado nisso. Nem de imoral. Nem de ilegal. É do jogo.

Agora, isso quer dizer que o Inter jogou para perder ou que o Grêmio vá jogar para perder? Claro que não. Impossível alguém jogar para perder num Maracanã fremente com cem mil torcedores. O Grêmio jogará para ganhar do Flamengo, no domingo. Só que jogará um amistoso.

O Flamengo jogará uma final. Não é problema do Grêmio. É problema da fórmula imperfeita do campeonato. O que, por favor!, não pode ser considerado um drama, é só mais uma peculiaridade do futebol. Que também acaba sendo divertido.

O domingo já aconteceu

No fim da tarde de domingo, quando se soube que o Inter dependeria de uma vitória do Grêmio para ser campeão, houve quem se admirasse:

_ Isso nunca aconteceu!

Aconteceu.

Justamente na gênese do Campeonato Brasileiro, aconteceu. O Brasileirão da época chamava-se Robertão. Dele participavam só times cariocas e paulistas. Em 1966, o então presidente do Grêmio, Rudi Armin Petry, procurou o presidente da CBD, João Havelange, para reivindicar a entrada do clube no campeonato.

_ Tudo bem, seu Pétry _ Havelange abria a vogal do Pe de Petry. _ Tudo bem, mas o Inter tem que entrar também.

Petry topou, e mais: concordou em ceder o Olímpico para os jogos do rival, uma vez que o Beira-Rio estava em construção. Imaginava, o presidente do Grêmio, que o Inter fracassaria no Robertão como vinha fracassando no Gauchão desde os anos 50.

Enganou-se.

O Inter foi ganhando, ganhando, até que, na última rodada, plasmou-se a seguinte situação: na quarta-feira, 7 de junho de 1967, o Inter fez 3 a 0 no Corinthians no Olímpico. Na quinta, o Grêmio enfrentaria o Palmeiras no Pacaembu. Se o Grêmio vencesse, o Inter seria campeão. Se perdesse, o Palmeiras seria campeão.

E agora?

Seu Petry viajou angustiado para São Paulo. Não podia dizer para seu time perder a partida, mas não podia deixar o Inter ser campeão. Será que os jogadores compreendiam o que representava o Grêmio dar um título ao velho inimigo?

Descobriu a resposta momentos antes da partida, quando o ônibus da delegação chegou ao estádio e o lateral-esquerdo Ortunho caminhou até a frente do carro e gritou:

_ Pessoal! Vocês estão vendo um mar verde. Se a gente vencer este jogo, vamos ver um mar vermelho, quando chegarmos a Porto Alegre.

Seu Petry suspirou de alívio. Em campo, o Grêmio perdeu por 2 a 1. Seu Petry garante que o time não entregou o jogo, que teve até boa atuação. Mas a motivação do Palmeiras, bem, era um tantinho maior.

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