sexta-feira, 10 de julho de 2009



10 de julho de 2009
N° 16026 - PAULO SANT’ANA | INTERINO


Socorro por imposição

Deve-se ou não dar esmolas? Como agir no embate dos mandamentos cristãos com as lições dos sociólogos e assistentes sociais? As esquinas da cidade estão ganhando novos moradores a cada noite e se diz que nada pode ser feito para afastá-los dali, como vi ontem neste jornal.

Retirados hoje, voltarão amanhã. Para uma nova retirada e outra volta no dia seguinte. Não se pode obrigar as pessoas a buscarem suas casas e suas turmas.

Existam casas e turmas, ou não. Não se pode forçar a abrigagem em algum albergue, oficial ou privado. Usa-se a Constituição Federal para justificar a atitude aparentemente desleixada das prefeituras, ONGs e outros órgãos assistenciais. Afinal, todos têm direito a ir, vir e ficar onde bem entendam.

Belas desculpas para nada se fazer. Sei que mexo em tema delicado e controvertido.

Lamento a oposição que por certo virá ao meu pensar, mas está na hora de se impor o socorro aos necessitados. A mesma Constituição que assegura dignidade às pessoas deve servir de instrumento a que se dê amparo a todos, mesmo aos que dizem não querê-lo.

A esmola reproduz a miséria?

Se for limitada ao alcance caridoso das avenidas, naquele gesto que mais alivia a quem dá do que beneficia a quem recebe, posso até concordar. E se o poder público souber canalizar a boa vontade da população e realizar programas que envolvam a comunidade?

Com efetividade e não como um faz de conta. Há quem prepare uma sopa todas as noites para levá-la aos que estão estirados na calçada? Pois que se lhes dê a sopa, com a condição de que os beneficiados a recebam no albergue. Que essa força solidária o Estado saiba usar adequadamente.

Não posso entender que os técnicos da assistência social vejam como adversários os cidadãos dispostos a gestos de bondade. Não lhes parece razoável reunir toda essa disposição e convidar a cidadania a uma participação organizada e voltada ao mesmo fim?

Não me venham dizer que os pobres preferem as ruas para gozarem de liberdade. Pasmem, senhores, mas sou testemunha de casos em que presos libertos forçaram a volta à cadeia pelo prato de comida e o desconforto da cela superlotada.

Se construírem casas populares, se encaminharem ao trabalho e à educação toda essa gente, verão como todos preferirão o aconchego entre quatro paredes. Se o máximo que os governos oferecem é o recolhimento noturno de quem aceita o convite, então se diga que também os órgãos públicos estão apenas dando esmolas, com os mesmos prejuízos que toda esmola possa representar.

Os programas de assistência oficial deveriam encaminhar à retomada da vida digna, com perspectivas de mudança até um novo quadro existencial, permanente. Sei que muito se faz com tais objetivos e com bons resultados. Ainda é pouco, no entanto. A situação está clamando por uma decisão que represente conceder prioridade a esse tema.

As abordagens para convencimento por assistentes abnegados e dispostos ao bem, no entanto, igualam-se aos gestos de caridade das famílias que percorrem as ruas levando comida e agasalho aos desabrigados. Dizem os entendidos que tudo isso apenas realimenta esse quadro de miserabilidade.

Se há um bom número de homens, mulheres e crianças optando pela rua, não quer dizer que nela sejam mais felizes. É que a rua acaba sendo mesmo melhor que a noite em albergues que são provisórios, que despejam a todos pela manhã. O modelo assistencial praticado é que está equivocado a ponto de fazer a rua ser mais atraente.

O mesmo desafio que a drogadição da juventude nos impõe, aqui também aparece: cabe-nos tornar mais interessante o abrigo que a calçada, como, no caso das drogas, cabe-nos tornar a vida careta melhor que a ilusão que o frenesi do uso de narcóticos pode oferecer.

Não sei não, mas ainda acredito no que aprendi nas aulas de catecismo com os lassalistas do Colégio Nossa Senhora das Dores, no velho casarão da Riachuelo: quem dá aos pobres empresta a Deus.

E Pablo, onde está? Em casa, refazendo-se da estafa que o turbilhão de emoções dos últimos dias lhe terá provocado. Diz ele que uma gripe se soma à labirintite. Menos, muito menos, eu sei.

O Sant’Ana tirou uns dias para olhar o mundo de seu reduto particular, embriagado pelo amor e admiração que todos lhe têm dedicado na infinda comemoração de seus 70 anos. Refeito, logo volta.

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