quarta-feira, 8 de julho de 2009



08 de julho de 2009
N° 16024 - DIANA CORSO


Livros adotivos

Raras coisas acontecem na educação deste país das quais possamos nos orgulhar. Porém, ocorreu algo interessante: a aquisição pelo governo, entre outros, de uma obra de Will Eisner, chamada Um Contrato com Deus. Os exemplares estão sendo distribuídos às escolas, para acervo em suas bibliotecas ou uso pelos professores.

Eisner é responsável por consagrar a fusão dos quadrinhos com a literatura, empresta seu nome ao maior prêmio desse gênero no mundo. Quadrinhos são a prova de que a imagem não mata o texto, pode casar-se com ele. O livro em questão ilustra poeticamente trechos da vida de gente sofrida, assim como seu Pequenos Milagres, outra obra-prima. Acredito que ele representa o que Charles Dickens foi para seu tempo.

Seus heróis podem ser pobres, miseráveis, mas é nos impasses éticos que muitas vezes se traduzem as pequenas escolhas, assim como nas diferentes formas de sobreviver às adversidades que ele enfoca suas histórias. Mas, como todos já sabem, alguns políticos e pedagogos resolveram condenar a divulgação dessas obras junto às escolas.

Tenho um amigo, professor de literatura em cursinho há décadas, que costuma, ano após ano, reler as obras que caem no vestibular. Por que, se ele pode dar essa aula com o pé nas costas?

Para reencontrar-se com a experiência dessa leitura! Somente assim ele torna-se capaz de falar com a paixão do leitor, a única que se transmite aos alunos quando se ensina literatura.

Livros adotados devem ser como filhos adotivos: um encontro, tal qual um nascimento, que seja significativo, que funde algo. Entre pais e filhos esse evento sempre terá que ser renovado, reeditado a cada etapa da vida em que ambos mudam, crescem, envelhecem. Adotar um livro é algo que deve ser decidido pelos professores a partir dos encontros que tiveram com determinadas obras.

Essas em algum momento provavelmente funcionaram como sua melhor tradução, o que ocorre frequentemente com a poesia, ou lhes capturaram a existência, como com uma boa obra de aventuras ou drama.

Antes de adotar um livro, tivemos que ser abduzidos por ele. Com os livros infantis, embora crescidos, tem de ocorrer-nos o mesmo, pois ainda resta uma conexão inconsciente com a criança que fomos.

Por tudo isso, peço aos mestres que se imponham sobre os burocratas e os políticos, ousem, leiam e defendam aquelas obras pelas quais se sentem tocados, tal como fazem, em tempos de guerra, aqueles cidadãos corajosos que escondem obras de arte para que elas não sucumbam à barbárie dos bombardeios.

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