terça-feira, 7 de julho de 2009



07 de julho de 2009
N° 16023 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Quarenta sem perder a força

Foi em junho de 1969, quarenta anos faz, que saiu o primeiro número do Pasquim, um jornal que foi decisivo na vida mental do Brasil culto entre aquele ano e, pelo menos, 82. Por que foi assim importante? Mais fácil que explicar é experimentar, o que agora é perfeitamente possível.

Saiu o terceiro volume de uma bem bolada e melhormente executada antologia de textos e imagens do jornal, pela editora Desiderata, abrangendo os anos de 73 e 74. Em suas páginas, que reproduzem as páginas originais, mas em tamanho menor, desfilam os abundantes motivos de sua força: grandes textos, grandes charges, entrevistas inteligentes, tudo acessível, naquela época, por uns trocados semanais.

Hoje não há mais – como se diz em latim, Tempus fugit, eis o ponto – o contexto, o ar que respiravam os leitores da hora: a desagradável atmosfera da ditadura militar, colidindo de frente com uma promissora revolução de costumes.

A cada semana, a chegada do jornal era ao mesmo tempo a oportunidade de exercitar a mioleira, pelos comentários culturais, e a hora de compartilhar em segredo, no magnífico silêncio da leitura individual, o desconforto, a chateação, o aborrecimento e, no extremo do gradiente dos sentimentos da época, a gana, a raiva, o ódio contra a ditatura, que vinha de publicar o nefando AI-5 e desfilava sem pudor algum.

Tudo somado, o leitor era apenas em parte um mero receptor de textos e imagens, porque em outra ponderável parte passava à condição de cúmplice, aliado, irmão dos que ali escreviam. Experiência notável e irrepetível, pela força que unia a todos.

Pessoalmente, comecei a ler o Pasquim alguns anos depois, porque em 69 tinha apenas 11 anos e nem sabia o que era o quê. Mas quando comecei nunca mais parei. Ali estava um jornal culto mas falando língua de gente comum; era um espaço para a inteligência vida e a novidade, num tempo de muita invenção, da canção brasileira ao comportamento.

Os resultados dessa experiência fazem parte do que de melhor eu tenho dentro de mim: aprendi a pontuar (quer dizer, a pensar por escrito) lendo Paulo Francis; aprendi a me orientar culturalmente com os textos de Sérgio Augusto; aprendi a força do relato autobiográfico com o Henfil, em texto e imagem; experimentei a ironia em todas as páginas, e em sua forma superior aprendi lendo Ivan Lessa.

Como muitos, tenho comigo uma coleção de centenas de exemplares do jornal, que sempre imaginei como um tesouro a ser fruído em algum momento do futuro; tive ainda a ventura de comprar os 100 primeiros números encadernados, num sebo, anos atrás, também para nunca mais parar de ler; eis que o futuro chegou, e o melhor é que chegou em forma de livro, que o leitor qualquer tempo não deve perder.

Nenhum comentário: