quinta-feira, 11 de junho de 2009



11 de junho de 2009
N° 15997 - LETICIA WIERZCHOWSKI


O menino poeta

Em frente à casa da minha infância havia uma enorme paineira. Lembro das primaveras, e a mãe pedindo, “feche a janela, minha filha, senão a casa fica cheia de paina”.

Naquele tempo, que coisa mais boa, pelas janelas abertas, entrava a paina, não o ladrão. Pelo menos, não recordo jamais da mãe ordenando que fechássemos as janelas por motivos de segurança.

Agora folheio O Menino Poeta, lindo livro de poemas de Henriqueta Lisboa editado pela Peirópolis, e ouço a voz da poesia sussurrando no meu ouvido – ou seria no ouvido daquela menininha que corria descalça nas velhas e tranquilas calçadas floridas da minha memória? Enfim, diz assim o poema, paineira boa do meu quintal, piso-te as flores, tu me dás paina. Todos os anos, as flores perdes, para que eu pise róseos tapetes…

Paina, carícia, do meu remanso. Ah, mal sabia a mãe o quanto gostávamos de ver aqueles inquietos flocos brancos entrando pelas janelas, para depois pousar no tapete, nas camas, sobre a cômoda cheia de bonecas, como se fossem uns fantasmas de passarinhos. Leves, levíssimos, tal essa pequena recordação.

Pois os poemas de Henriqueta Lisboa me fizeram voltar um tantinho à infância. Um tantinho por poema, e foi uma longa e deliciosa volta, que eu recomendo a todos. Poesia boa é assim, atemporal.

Esses poemas foram publicados pela primeira vez em 1943, encantando gente grande e pequena, gente mais que grande até, como Murilo Mendes e Mário de Andrade, que encheram a autora de elogios – poemas que agora são reeditados para nossa satisfação, acompanhados dos lindos desenhos de Nelson Cruz.

Vale ler sozinho, e depois reunir os filhos, os sobrinhos ou qualquer criança em cujo rosto você queira ver um sorriso, e ler para eles os encantadores versos de Henriqueta Lisboa.

Vale se deixar conduzir pelas estrofes sonoras de Henriqueta, e voltar no tempo. O tempo é um fio bastante frágil. Um fio fino que à toa escapa. O tempo é um fio. Tecei. Tecei.

Eu voltei no tempo, e me vi menina naquela casa perdida no passado, à hora de dormir, junto com minhas irmãs, ouvindo meu pai contar com voz macia suas histórias de chamar o sono.

E agora estou aqui (o tempo é mesmo um fio por entre os dedos!), com dois menininhos sapecas para pôr na cama, o que farei assim que acabar estas linhas, lendo uns bons poeminhas da senhora Lisboa, que é pros meus moleques sonharem muito bem.

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