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sábado, 6 de junho de 2009
06 de junho de 2009
N° 15992 - ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES
Causos do frio
O frio está aí. De vez em quando o vento minuano aparece e quando chega só vai embora depois de três dias e três noites. É um frio de renguear cusco! Quando eu era guri, no Ijiquiquá – interior de Uruguaiana – o inverno era de rachar, naquela pampa estendida, sem proteção natural.
A geada realmente envidraçava os campos, e a gurizada saía – muitas vezes de pé descalço, vejam só! – para botar as vacas ou para procurar bosta seca para o fogo de galpão.
Ao redor do fogo de chão ou do grande fogão de ferro das cozinhas das estâncias, os causos surgiam, às vezes mentiras cabeludas. João Simões Lopes Neto transformou o contador de causos Romualdo num baita mentiroso, tipo Barão de Münchausen, o maior “queimador de campo” que já existiu. Pois não vê que diz que quando o Romualdo era cadete acampou com um companheiro num raso de campo em pleno inverno num frio de rachar pedra.
O cadete queria fazer um churrasco, mas onde achar um pedaço de madeira para espeto? Procura daqui, procura dali, o Romualdo achou um espeto ideal, com uns três palmos de tamanho, fino, forte e pontudo.
Espetou a manta de carne e cravou o espeto na beira do fogo. Daí a pouco o companheiro lhe gritou: “acuda, cadete Romualdo, que o seu churrasco se vai embora!”. Sabe o que tinha acontecido? O Romualdo tinha espetado o churrasco com uma cobra congelada! Ao calor do fogo, ela descongelou e se mandou com o churrasco nas costas.
Eu mesmo fiquei famoso num inverno no Alegrete quando inventei a “pesca de serrote”. Hoje é muito conhecida por lá, no inverno todo mundo pesca assim, mas quase ninguém sabe que eu fui o inventor da modalidade. Não vê que no inverno o rio Ibirapuitã muitas vezes congela em vários pontos. As pessoas podem caminhar e até patinar como os americanos por cima do gelo. Os peixes ficam imobilizados dentro do gelo.
Numa dessas feitas, quando eu era rapazote, passeando por cima do rio congelado, vi um belo grumatã parado a meio metro da superfície. Que quê eu fiz? Fui em casa, busquei um serrote e um saco de estopa com alguma serragem dentro. Voltei para cima do grumatã e – rac,rac,rac – serrei o bloco de gelo que tinha o peixe dentro, rebolquei na serragem e guardei no saco.
Caminhei mais um pouco – uma traíra. Caminhei um pouco mais – um douradito de dois palmos. E assim fui conseguindo jundiás, piavas e até uma tartaruga verdolenga que eu trouxe para criar guaxa no poço de casa. Estava inventada a “pesca do serrote”.
Agora, com esse frio louco que anda por aí, jogo que tem gente de serrote nas mãos por lá. E ainda usam um recurso que eu não usava: luva. Comigo era na mão limpa!
Parece mentira, não é mesmo?
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