segunda-feira, 12 de janeiro de 2009



12 de janeiro de 2009
N° 15846 - PAULO SANT’ANA


Açúcar no sangue

Por uma questão de utilidade pública, tenho de me referir à investigação médica e policial da causa do mal súbito que teve o motorista do ônibus que se incendiou na Avenida Júlio de Castilhos, esquina com a Rua Coronel Vicente, quando morreram duas pessoas e se feriram 14.

A imprensa divulgou que a hipótese mais provável do mal súbito do motorista, que desmaiou no volante, ocasionando o acidente, foi hiperglicemia, isto é, açúcar alto no sangue.

Como sou diabético, tenho algum conhecimento, ainda que superficial, mas amplo, sobre o diabetes.

Estranhei desde logo que açúcar alto no sangue pudesse ocasionar colapso (desmaio), ou seja, choque hiperglicêmico.

Não pode, pensei eu. O que eu sei é que o colapso se dá por choque hipoglicêmico, isto é, açúcar baixo no sangue.

Quando a taxa glicêmica de um organismo atinge de 65 para baixo no sangue, pode dar-se o choque hipoglicêmico (desmaio, perda de consciência).

Como pode então ter a imprensa noticiado que o mal súbito no motorista do ônibus acidentado se originou em açúcar alto no sangue, por choque hiperglicêmico, o que nunca tinha ouvido falar?

Não acreditei, mas por via das dúvidas fui consultar o Dr. Jorge Gross, um dos nossos mais destacados endocrinologistas e médicos clínicos, uma vida profissional inteira também dedicada ao estudo e tratamento do diabetes.

Jorge Gross me confirmou que não há choque hiperglicêmico. Em outras palavras, ninguém tem colapso (desmaio) por açúcar alto no sangue.

O açúcar alto no sangue (taxa superior a 110) é causador de outros males graves: falência dos rins, retinopatia, que pode levar até a cegueira, neurites e até entupimento das artérias.

Por isso é que o diabetes (açúcar alto no sangue) é uma doença séria e grave.

Mas do modo que a imprensa noticiou, deu a ideia de que é perigoso dirigir com taxa alta de açúcar no sangue, o que não é verdade.

O temerário, o perigoso, é dirigir veículo com taxa baixa de açúcar no sangue, isto é hipoglicemia, isto pode ocasionar o mal súbito, o colapso, o desmaio, a perda de consciência no volante.

Definitivamente, tenho a opinião médica a me autorizar a escrever esta coluna, o motorista do ônibus não teve um choque hiperglicêmico (açúcar alto no sangue) como foi noticiado.

O motorista estava com 361 de taxa glicêmica quando chegou ao Pronto Socorro sem sentidos. Taxa alta, pode-se dizer até que muito alta.

A hipótese é remota, mas pode ter ocorrido: o motorista teve um choque hipoglicêmico (açúcar baixo), mas uma defesa do organismo levantou a sua taxa de, digamos assim, 50 para 361) no caminho do hospital. Essa defesa do organismo é o que a ciência chama de hiperglicemia por rebote.

Mas nunca há choque hiperglicêmico, nunca. Ou seja, ninguém perde os sentidos por açúcar alto no sangue.

Perde por açúcar baixo no sangue.

Eu escrevo isso com receio de que se propague a ideia de que motoristas com diabetes não possam mais dirigir. Isso é um despropósito.

Motorista com diabetes pode dirigir, deve apenas controlar a sua taxa glicêmica.

Mas choque por hiperglicemia (açúcar alto) não foi a causa do mal súbito, simplesmente por não haver choque por hiperglicemia, informação que foi dada à imprensa por algum médico que não entende de diabetes.

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