O valor dominante
A nova tentativa do cinema para expressar em imagens a essência de um romance de Honoré de Balzac, assinada pelo diretor Xavier Jannoli, resulta em um filme admirável, dotado de virtudes que se espalham em todo o tempo de uma narrativa que em nenhum momento cede espaço para o desinteresse e para divagações inoportunas.
As Ilusões Perdidas, romance publicado em 1843, é um dos mais notáveis da Comédia Humana, aquele ciclo insuperável que concentra uma sociedade inteira, um painel sobre como funcionava um mundo que não havia esquecido os tumultos do final do século anterior e sob máscaras e rituais cultuava acima de tudo o dinheiro como o soberano a qual todos deviam vassalagem.
Aqueles que o ignoravam, optando por seguir seus sonhos e paixões, eram condenados a posições subalternas ou então obrigados a abandonar seus sonhos e paixões. Lucien de Rubempré, o personagem principal do livro e agora do filme de Jannoli, tem uma trajetória que exemplifica com precisão essa visão de mundo concentrada em explicitar uma jornada de ambição, rendição e derrota.
No ciclo, seu destino se completa em outro livro, pois o painel mescla personagens, ora no papel principal, ora como coadjuvantes. Jannoli poderia ter optado por mais um filme, ou então aumentar o tempo de projeção, mas preferiu a concentração e nem parece ter cogitado em uma série. Cinema também é isso: a capacidade de resumir, e pelo realce dado a certos detalhes chegar ao essencial. É perda de tempo discutir fidelidade ao original, pois se trata de variações sobre um tema, algo que o cineasta executa com inteligência e imaginação.
Em sua História da Literatura Ocidental, Otto Maria Carpeaux divide seu campo de estudo em dois tempos: antes e depois de Balzac. Certamente não se pode dizer o mesmo do notável filme de Jannoli em relação ao cinema. Mas ele nos devolve o cinema voltado para o relevante e o oportuno. A ação ambientada no século 19 é desenvolvida de uma forma a tornar praticamente contemporâneo tudo que é focalizado.
Numa época em que a mentira teve seu nome alterado para de certa forma torná-la adaptável e meios modernos de comunicação, o filme reconstitui todo o esquema posto em prática para colocar de lado o talento e a inconformidade e emoldurar a mediocridade com o aplauso comprado, ao mesmo tempo em que ruidosamente condena e faz desaparecer talentos e formas de rebeldia.
Este é o tema principal do filme de Jannoli, que não deixa também de expor como a ingenuidade não encontra absolvição num mundo que a olha com desprezo. A engrenagem em funcionamento não permite desvios, algo que o cineasta expõe com rigorosa clareza na cena em que, tentando alterar o nome e a origem, Lucien se defronta com um burocrata do regime.
Outros valores a ser destacados em um filme de rigor viscontiano na reconstituição de época é sua direção de intérpretes. As atuações de atores jovens como Benjamin Voisin e Vincent Lecoste, o primeiro vivendo o personagem central e o segundo atuando como o cínico Etienne Lousteau oferecem ao espectador atuações perfeitas e os olhares da atriz Jeane Balibar, como a Condessa de Zaanfeais, revelam não apenas o artificialismo gerado pela arrogância de uma aristocracia sustentada por distorções como também o desprezo pelos que a ela não pertencem. Porém, todos os atores e atrizes formam algo homogêneo tal o cuidado com que tudo é encenado.
E há também o roteiro, perfeito pela síntese e pela ênfase nos momentos mais reveladores, escrito pelo diretor e também por Jacques Fieschi e Yves Stavidres, todos recompensados pelo César, o Oscar francês, que também foi conferido ao filme e aos dois atores citados, o primeiro como revelação e o segundo como coadjuvante.
Tal premiação teve o mérito de destacar um filme surpreendente e um daqueles que se colocam entre os que resistem a tendência moderna da prática e também da exaltação de obras apenas voltadas para o mesmo objeto de crítica de Balzac, em sua época. Crítica agora retomada pelo filme de Jannoli, que olha com rigor para um palco onde imperam a traição e a artificialidade.
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