22 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR
Cachorros que se perderam
Eu não sei o que é mais dolorido: o cachorro morrer em seus braços ou ele desaparecer. O desaparecimento é uma morte a conta-gotas. Você jamais acredita que o fim se consumou.
Na minha infância, o meu cãozinho Sete morreu atropelado. Mas consegui dizer adeus para os seus olhos fixos em mim. Tapei as suas feridas com as mãos, sofri, gritei, mas tive o direito das últimas palavras, do derradeiro colo, da carícia em seu crânio de flor, de expressar o quanto modificou a minha sensibilidade, o quanto estava grato por me tornar mais carinhoso.
Só com ele eu passei a rolar na grama, a não ter pruridos de me jogar ao chão em público, de apostar corridas derrubando cadeiras e de rir de doer a barriga atirando bolinha para longe e tentando tirá-la dos seus dentes. Não me lembro de gargalhar antes dele.
Éramos duas crianças aprendendo a amar. Ele me levava a passear e a conversar na praça. O cachorro nos faz perder o medo das pessoas e de nós mesmos. Não temos ideia do quanto um animalzinho opera milagres terapêuticos na alma da infância. Minha mãe guarda eternamente o reconhecimento ao seu Pico, que a esperava na saída da escola e chegava a carregar o seu caderno.
Com o pequinês Xodó, eu não contei com o desfecho da amizade. Ele fugiu, ou melhor, perdeu-se. E jamais o achei. Por mais que tenha fixado retratos desenhados nos postes, empenhado expedições pelo bairro, chorado em rezas febris pelo seu retorno.
Nunca mais o vi, e assim sempre o vi. Não parei de enxergá-lo em qualquer situação ao longo da vida.
Experimento o trauma de não entender o que aconteceu, de ficar sem resposta, com a coleira solta do coração. A esperança jamais desiste com o desaparecimento. Ela insiste em acreditar no impossível, imune aos fatos e à lógica.
Quantas vezes corri desesperado, com o batimento na garganta, em direção a um cachorro, pensando que fosse ele? E pedia desculpa ao dono pela confusão. Na verdade, não somos donos dos cachorros, somos seus discípulos. Nosso choro é um ganido.
Até hoje, transcorrido tanto tempo adulto e sem notícias, surpreendo-me procurando Xodó em latidos na rua e pelagens brancas parecidas.
Confesso que não tive mais nenhum cão depois do Xodó, porque eu sigo esperando-o. Substituí-lo seria admitir que não o abraçarei mais, que não o encontrarei mais, que não haverá redenção em nossa história.
Ainda acredito que ele surgirá do além lambendo o meu rosto. Não sinto vergonha de expor a minha loucura. É amor.
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