30 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR
A solidão do poder
A oposição pretende instalar uma CPI no Senado para apurar a existência de um gabinete paralelo no MEC durante a gestão de Milton Ribeiro. Mesmo que aconteça, não vai acontecer. Toda CPI sempre desbanca para barganha ideológica dos senadores com o Executivo. Alguém já viu CPI ser levada a sério em ano eleitoral?
O que pode perturbar a corrida pela reeleição de Bolsonaro é a ministra Cármen Lúcia, do STF, a pedra mineira no seu caminho, que enviou à Procuradoria Geral da República, para manifestação, um pedido de investigação por suposto vazamento da operação Acesso Pago.
Não sei se Bolsonaro comunicou ou não ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro sobre a operação da Polícia Federal, se adiantou ou não ao pastor camarada a busca e apreensão que seria feita secretamente na sua residência em Santos. Não sei se alertou os gansos, como costumamos nos expressar aqui. Só temos um telefonema interceptado do ex-ministro com a sua filha comentando o caso. São indícios, não perícias concluídas.
O que me interessa é analisar a solidão do poder. Como presidente, você não pode ter amigos. Porque um dos seus amigos pode estar sendo investigado neste momento pela Polícia Federal. Não pode nem salvar os próprios filhos. Porque um dos seus filhos pode estar sendo investigado neste momento pela Polícia Federal.
O poder é imobilidade, significa - ironicamente - um não poder. Você não pode fazer nada, seu papel é ser um túmulo das informações privilegiadas que recebe diariamente aos borbotões. Se possível, uma urna crematória.
Não tem como intervir, influenciar o andamento de investigações, apesar de conhecer pormenores e detalhes de tudo, apesar dos nomes dos seus afetos envolvidos. Nem tem como mandar um WhatsApp. Ou fazer um áudio.
A autoridade suprema do país é repleta do mais abominável sacrifício individual. Para respeitar a autonomia dos Poderes, o presidente deve negar o amor incondicional de pai ou de mãe e a sagrada lealdade com o seu círculo familiar e de confidentes.
Não pode levar trabalho para casa como qualquer mortal. Não pode dizer com quem conversou ao longo do expediente ou como foi o seu dia para esposa ou marido nos jantares do Palácio da Alvorada.
Getúlio Vargas, em seus diários, afirmava que não tinha lugar mais solitário do que a escrivaninha do presidente. Um desterro da ternura, um esconderijo desumano e cruel sem o afeto mais coloquial e o socorro mais corriqueiro. É um destino escrito com a pena, sucedido de despedidas e abandonos.
Minha mãe me conta que visitou o conterrâneo Vargas no Palácio do Catete, em excursão de debutantes de Guaporé (RS) ao Rio de Janeiro, alguns dias antes do seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Na hora de cumprimentá-lo, driblou o cerimonial e correu para abraçá-lo. A ombreira do seu vestido ficou molhada. Getúlio tinha chorado com o rosto escondido no abraço.
Foram as lágrimas inconsoláveis e solenes do cargo, de quem saía da vida pessoal para entrar na História.
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