24 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS
O VÍCIO DO FAVORECIMENTO
As prisões pela Polícia Federal do exministro da Educação Milton Ribeiro e dos pastores que negociavam acesso às verbas da pasta escancaram uma mazela da administração pública nacional que já se tornou rotineira: o tráfico de influência. Sob o rótulo tolerado e institucionalizado de apadrinhamento político, esse tipo de corrupção costuma passar impune por parecer um mal menor e também por sua difícil comprovação. Mas, ao beneficiar setores apaniguados e negligenciar outros com recursos que deveriam ser de todos, corrói a confiança dos cidadãos em seus representantes e gera injustiças insanáveis.
Sem qualquer prejulgamento em relação ao caso referido, que ainda carece de investigação mais ampla e do desenvolvimento do processo legal com o respectivo direito de defesa aos acusados, esse episódio escabroso, independentemente de suas repercussões no atual momento eleitoral, evidencia a urgência de uma depuração ampla nos jeitinhos, nas intermediações e nos orçamentos secretos, de modo a garantir maior transparência na distribuição de recursos públicos.
É inconcebível que pessoas credenciadas apenas pela amizade e pela afinidade de interesses com determinadas autoridades adquiram legitimidade para compartilhar do poder e intermediar o acesso a serviços e verbas oficiais, beneficiando-se desta corretagem ilícita. Segundo o testemunho de vários prefeitos, os pastores que frequentavam o Ministério da Educação e outras instâncias do governo garantiam repasses federais aos municípios com agilidade, mediante contrapartidas em compras de Bíblias ou outras espécies de propinas. Evidentemente, tais ações só poderiam ser empreendidas com a anuência ou a omissão da pasta detentora dos recursos. Não há outra explicação. Por isso, as responsabilidades precisam ser apuradas rigorosamente pela investigação policial e pelo processo judicial.
Em paralelo, porém, torna-se cada vez mais indispensável o aperfeiçoamento em todos os setores da administração dos processos de redistribuição de recursos públicos, de forma a restringir as brechas para oportunistas. Para isso, basta observar o que recomendam a Constituição e as diretrizes orçamentárias definidas na legislação. Critérios técnicos não podem ser substituídos por afinidades partidárias, religiosas ou afetivas. No serviço público, o apadrinhamento é, sim, uma forma de corrupção que contamina a democracia e contribui para a desigualdade social.
Num contexto de poderes corrompidos pelo vício do favorecimento, ganha importância a autonomia de mecanismos fiscalizadores como Ministério Público, Polícia Federal, tribunais de contas e o próprio Judiciário, especialmente quando atuam para sustar e reprimir práticas criminosas. O tráfico de influência é o crime a ser combatido nesse triste episódio do Ministério da Educação, mas não se pode esquecer que os atravessadores só levam adiante suas manobras quando contam com o consentimento ou a negligência de quem efetivamente detém o poder. É um ponto que também precisa ser considerado no momento em que os brasileiros escolhem seus governantes e representantes políticos.
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